Cidade inteligente pressupõe políticas inteligentes
No encerramento do ciclo de debates, especialistas enfatizam papel da democracia para efetivar mobilidade urbana.
14/06/2013 - 18:32Educar as pessoas sem oferecer ao mesmo tempo condições de acesso não resolve. Belo Horizonte precisa passar por uma revolução na mobilidade. Cidade inteligente tem que ser democrática e pressupõe políticas inteligentes. Soluções para o trânsito devem levar em conta, em primeiro lugar, as pessoas que têm mais dificuldades de locomoção. Essas foram as principais avaliações dos palestrantes do Painel “Mobilidade Urbana e Cidades Inteligentes e Sustentáveis: Educação, Acessibilidade, Meio Ambiente e Novas Tecnologias”, nesta sexta-feira (14/6/13), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O painel, conduzido pela deputada Liza Prado (PSB), fechou o segundo e último dia do Ciclo de Debates Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, promovido pela ALMG. O ciclo é a etapa inicial de uma série de eventos que compõem um fórum técnico sobre o tema.
Para o diretor do Laboratório de Acessibilidade em Design e Arquitetura para a Pesquisa e Treinamento em Serviços de Extensão da Escola de Arquitetura da UFMG, Marcelo Pinto Guimarães, a acessibilidade permeia toda a discussão, e o grande desafio é perceber até que ponto a solução é a tecnologia ou o uso humano que se faz dessa tecnologia. Ele tocou em outro ponto importante: “Até hoje, o modelo é definir a solução global, e só depois pensar como se encaixam as pessoas com dificuldade de locomoção. Contudo, o mais adequado é pensar na solução para a mobilidade a partir das pessoas que têm mais dificuldades de locomoção.
Guimarães destacou também a característica inclusiva do design universal dos veículos de transporte, isto é, aquele que proporciona o uso de todos. É nesse contexto que o sistema de transporte coletivo deve ser pensado. “Não é apenas a pessoa ter lugar no ônibus, mas considerar novos veículos em que, por exemplo, mães entrem com seus carrinhos de bebê”. Sobre os taxistas que alegam não poder receber deficientes porque o design do carro não permite, Guimarães lembrou que o Legislativo tem condições de determinar os modelos de veículos colocados à venda pelo mercado.
Mesmo com violência nas manifestações, há avanços
As recentes manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo, a favor do passe livre no transporte coletivo e contra o aumento de tarifas, foram lembradas pela especialista em Planejamento e Gestão de Transporte Urbano Liane Nunes Born. “Ao ver a violência da polícia e do Estado contra o movimento, questionei: será que depois de tanto tempo voltamos ao início dos anos 1980? Será que não caminhamos nada? Caminhamos, sim. A base técnica do setor mudou. Hoje falamos de mobilidade sustentável, temos um novo marco regulatório no setor, a Constituição definiu que transporte é serviço essencial”, ponderou.
De acordo com Liane Born, que também é diretora do Instituto da Mobilidade Sustentável – RuaViva, uma cidade sustentável e inteligente tem que ser necessariamente democrática. “Ou seja, a política de mobilidade é construída por meio de debates democráticos. É cansativo, às vezes até retrocede. Mas é assim, não tem outro caminho. Não é batendo em estudante, prendendo jornalista. Avançamos muito para construir porque estamos fazendo essa reflexão hoje dentro dos ambientes democráticos”, afirmou.
Consultor da ONU defende medidas contra status quo
Secretário executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas e integrante do Movimento Nossa BH, Milton Nogueira da Silva, disse que passamos por algumas revoluções, como a do celular, mas é necessário fazer a revolução da mobilidade urbana. Do contrário, as novas medidas serão apenas reformas que mantêm o status quo. “Mobilidade urbana em Belo Horizonte, só através de uma revolução para mudar as estruturas, com cidadania e solidariedade”.
Nogueira também atua junto à Organização das Nações Unidas (ONU) como consultor nas áreas de desenvolvimento e meio ambiente. Para ele, smart city é aquela em que as pessoas usam a tecnologia da informação para facilitar o acesso à saúde, cultura, educação e mobilidade. “Belo Horizonte pode ser uma smart city? Tem tecnologia de informação, as empresas daqui produzem software em aplicativos para o mundo. Deve-se levar em conta não só a estrutura, mas o uso da informação, para que, antes de sair de casa, o cidadão saiba o que está funcionando”, disse.
Milton Nogueira usou o exemplo de Viena, que adotou dois princípios importantes. O primeiro é o de que mobilidade é vida. Interessa, portanto, a todo mundo. "Smart city só acontece com cidadão solidário. Se BH entender isso, será inteligente", explicou. O segundo princípio é o de que transporte público é monopólio natural. Em outras palavras, sempre que há competição, diz o consultor, aumentam custos.
Educação e condições de acesso devem ser simultâneos
Uma pessoa pode ser educada sobre o melhor local para atravessar uma rua ou como se comportar no transporte coletivo. Mas se você a educa e não oferece condições de acesso para ela, não adianta nada. Ao agirmos assim, tiramos dessa pessoa alguns direitos, como a condição de cidadão, a inclusão social e o acesso a outras áreas da cidade. Esta é a opinião da gerente de Educação para o Trânsito do DER-MG e membro titular da Câmara Temática de Educação para o Trânsito e Cidadania do Conselho Nacional de Trânsito, Rosely Fantoni.
Desse modo, diz a especialista do DER-MG, a educação para o trânsito fica em um pé só, tentando se equilibrar. “A educação tem de estar atrelada às condições para que as pessoas tenham acesso a seus direitos, como o acesso com segurança”. Para Fantoni, é preciso avaliar outras formas de transporte que trafegam nas cidades, como cavalo, carroça, catadores que carregam material reciclável. Segundo ela, todos eles precisam estar integrados a um trabalho de educação que defina onde podem ou não circular, qual procedimento é mais seguro, entre outros aspectos. Fantoni lembrou ainda que todos os especialistas sabem que a moto é para uma pessoa apenas, mas a revenda não fala disso.
Ainda de acordo com Fantoni, a educação para o trânsito envolve informar, sensibilizar, educar, orientar, treinar, mobilizar e conscientizar as pessoas. Inclui ainda a sensiblização dos gestores públicos, formadores de opinião e técnicos do sistema de trânsito para um novo olhar sobre o tema. O processo de aprendizado envolve também aproximar os gestores da população, fortalecer parcerias, capacitar os profissionais de trânsito, debater o tema nas universidades e envolver a mídia e as redes sociais. Além disso, como prevê o Código Brasileiro de Trânsito, é necessário garantir a educação para o trânsito da pré-escola ao ensino universitário. “Não é um processo fácil. Demanda tempo, ser cidadão não é fácil, mas vale a pena”, afirmou Fantoni.
Políticas inteligentes - “Cidade inteligente pressupõe que tenhamos políticas inteligentes para utilizá-las. A inteligência vai fazer nossa vida melhor, mais solidária, com segurança, conforto e perspectiva futura”, defendeu a coordenadora técnica da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) e presidente da Comissão Técnica de Sistemas Inteligentes de Transporte, Valeska Peres Pinto.
A especialista afirmou que o Brasil tem recursos e tecnologia, mas a mobilidade tem que se resolvida no ambiente político. “Onde está nossa incapacidade? Há um abismo entre o que formulamos e o que executamos. Temos leis para tudo, mas para a ação somos fracos. Somos o País da inspiração, mas fracos na transpiração”, criticou. Segundo Valeska, é preciso aproximar nossa capacidade de formular planos e aprender a executá-los, transformando o processo de mobilidade em um processo político.
Todo cidadão pode participar da consulta pública sobre mobilidade urbana. A consulta, pela internet, vai até o dia 30 de junho. Até a tarde desta sexta-feira (14), já foram contabilizadas 126 contribuições. Confira as próximas etapas do Fórum Técnico “Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes”.
Data |
Etapas do Fórum Técnico |
Local |
15/5 a 30/6 |
Consulta Pública |
Portal da ALMG |
17 e 18/6 |
Encontro Metropolitano da RMVA |
Timóteo |
20 e 21/6 |
Encontro Metropolitano da RMBH |
Betim |
25/6 |
Agenda com Municípios |
Uberlândia |
27/6 |
Agenda com Municípios |
Montes Claros |
Segundo semestre |
Fórum Técnico (Etapa Estadual) |
ALMG |