SRA. ANA CABRAL, CEO da empresa Sigma Lithium
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 23/08/2025
Página 4, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas PRE 44 de 2024
RQN 3899 de 2023
Normas citadas RAL nº 5624, de 2024
23ª REUNIÃO ESPECIAL DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 21/8/2025
Palavras da Sra. Ana Cabral
Eu vou começar agradecendo ao Exmo. Sr. Deputado Betinho Pinto Coelho, 3º-vice-presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, representando o deputado Tadeu Leite, presidente da Assembleia Legislativa; ao Exmo. Sr. Deputado Gil Pereira, querido, queridíssimo e conterrâneo do Vale, autor do requerimento que deu origem a esta homenagem; ao Exmo. Sr. Promotor de Justiça Renato Froes Alves Ferreira, presidente do Fundo Especial do Ministério Público de Minas Gerais, representando o Sr. Paulo de Tarso Morais Filho, procurador-geral de Justiça; Exma. Sra. Marília Carvalho de Melo, amiga, supermulher, secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, a qual eu tenho a honra de conhecer; Sr. Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – Fiemg, outro grande amigo, companheiro de tantas jornadas; Exmo. Sr. Hugo Arruda, delegado, representando a Polícia Civil de Minas Gerais – onde não há ordem, não há progresso –; Exmo. Sr. Deputado Carlos Henrique.
Eu estou muito emocionada e eu preparei umas palavras muito pessoais para dividir com vocês. O nome do que eu preparei chama-se Travessia. É com imensa gratidão que eu recebo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais o título de Cidadã Honorária do nosso estado. Eu tenho muito orgulho de ser cidadã mineira e mais ainda de ser cidadã do Vale do Jequitinhonha, oficialmente, porque sempre foi minha terra querida. Isso, para mim, é um reconhecimento monumental que eu nunca imaginei receber dos meus amigos queridos das Minas que tanto amo e que tanto defendo por esse mundão de Deus.
Primeiro, eu tenho que dedicar esse prêmio aos meus filhos. Vocês são a razão de eu existir e, pequenininhos, sentiam a saudade que filhos sentem da mãe, quando ela está longe, no Jequitinhonha ou no mundo, levando as nossas Minas para o mundo. Meus filhos, eu fiz isso para deixar o nosso mundo melhor, e é para deixar o mundo melhor que eu trabalho incansavelmente todo dia. E eu sei que vocês sabem disso e vocês estão se tornando cidadãos incríveis, porque vocês estão aprendendo discernimento. Esse prêmio também é da minha família que sobrou no Brasil: o papai e o Marcelo Paiva, meu co-chairman, companheiro de jornada. Vocês são a minha rocha, a minha fortaleza na vida.
Queria também dedicar esse título aos meus conterrâneos mineiros, especialmente os meus vizinhos, no Vale do Jequitinhonha, porque eu devo muito a vocês. Vocês resgataram a minha identidade brasileira. Os nossos vizinhos acolheram a mim e a minha família e fizeram renascer no meu coração esse pertencimento à nossa terra, ao nosso estado e ao nosso Brasil. O Jequitinhonha devolveu para mim e para os meus filhos nascidos pelo mundo, cada um com passaporte diferente, um orgulho gigante de sermos brasileiros. Os meus amigos de Minas viraram parte da nova família que eu criei no Brasil. E, agora, eu tenho a honra de chamar o Milton Nascimento de conterrâneo. “Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração. Assim falava a canção que, na América, ouvi. E quem cantava chorou ao ver seu amigo partir.” E eu volto no tempo para a Ana que, em 1993, foi embora do Brasil, assim como os meus vizinhos do Jequitinhonha, a diáspora do Vale. Eu desisti do Brasil e fui embora sem esperança nenhuma. Era um país destruído por uma inflação de 80% ao mês, onde as mulheres eram cidadãs de segunda classe.
Da mesma forma que os migrantes do Jequitinhonha, eu juntei toda a coragem e todo o dinheiro que eu tinha e fui embora, sozinha, por esse mundão de Deus. O Brasil da hiperinflação não tinha Plano Real de 1994. Era destruído como o Vale que eu encontrei em 2012, um lugar rico; era um Brasil muito rico, porque as pessoas eram trabalhadoras, resilientes, do bem, mas não tinham oportunidades. Então o lugar era cheio daquela tristeza dos encontros e despedidas. Deixei para trás todas as pessoas que eu mais amava: meus pais, meus irmãos, minha avó, que era viva, meus tios, meus primos. E eu só me lembro de como eu chorava toda semana, em 1994, quando telefonava para casa. As moedas iam caindo rápido, e eu sentia aquela saudade gigante que nós, mineiros, sentimos quando estamos num mundo longe da família e das pessoas que amamos. “Forte sou, mas não tem jeito. Hoje tenho que chorar.” Minha casa não era minha e nem era meu aquele lugar. Eu trabalhava e estudava dia e noite para pagar minhas contas. O tempo ia passando. Terminei meus estudos com bolsa de estudos, fiz meus mestrados, fui sendo promovida no trabalho, transferida pelo mundo afora. “E quem ficou no pensamento voou, e quem voou no pensamento ficou, com a lembrança que o outro contou.”
Por 20 anos, nunca mais voltei aqui. Eu me casei, me separei, tive filhos, cada um em um continente onde morei: na América, na Europa e na África. Até que um dia, vi que a minha família no Brasil estava acabando. Quase todo mundo tinha morrido. Sobraram papai e um tio. Quem não morreu foi embora do Brasil. Os meus filhos, gringuinhos, não sabiam nem falar português e não sabiam o que é ser brasileiro. Os meus antigos colegas de trabalho acharam que eu tinha perdido o juízo: escolhi voltar para o Brasil. Sou da América do Sul, sou do mundo, mas sou Minas Gerais. Marcelo e eu começamos uma gestora de investimentos em 2012. Fundamos a A10 na maternidade, quando eu estava tendo a Lauren, como as “donas de mim” que empreendem com os bebês. Ontem havia três “donas de mim” com filhos bebês, e eu vivi isso, gente. Quando eu e Marcelo voltamos para o Brasil para trabalhar e investir no Vale do Jequitinhonha, basicamente a gente inaugurou o Volta ao Lar, Marcelo. A gente trouxe de volta os cérebros brasileiros espalhados por este mundo para ajudar a desenvolver tecnologia brasileira com tudo o que a gente aprendeu e ancorar nossas famílias aqui. Para as minhas vizinhas, o que o Volta ao Lar fez foi trazer, de volta para casa, os maridos delas, porque aprendi que elas eram viúvas do Vale, viúvas de maridos vivos, que pairavam por este Brasil. Do meu time de 1.600 pessoas, 98% são brasileiras e 85% são nascidas e oriundas do Vale. A maioria não estava lá, como eu.
Depois conheci um monte de gente, que está aqui e me deixa muito orgulhosa. Silvério, William Freire, Flávio, Barbabela foram virando os meus anjos da guarda. Em 2012 carro elétrico era coisa de ficção científica. Onde? No Vale do Jequitinhonha? Para os gringos, isso era impronunciável, e ainda é. Depois, quando Lauren ainda era bebê, fundamos, Lígia, o Mulheres do Brasil, almoçando com a presidente mulher. A nossa líder e a nossa ícone Luiza Trajano me inspira e mentora até hoje. Em 2017 Marcelo e eu dobramos a aposta: fizemos um fundo, trouxemos mais gente do mundo para investir em Minas Gerais, numa fábrica de lítio. Fábrica de lítio! Óxido de lítio era uma coisa esotérica. Exótico era simpático, não é? E a gente se arriscou muito. Fizemos pesquisa geofísica por oito anos. Trabalhávamos o subsolo, planta industrial, P&D industrial. Construímos uma plantinha, uma planta de demonstração, que hoje parece uma plantinha, mas ela foi a semente do 5º maior complexo industrial mineral produtor de lítio do mundo. É uma fábrica, gente. É uma indústria da nossa terra. No Vale temos a tecnologia mais moderna do lítio. A gente agrega valor verde. É inovação na fabricação do material, do óxido de lítio. É a Embraer do lítio. E, no Jequitinhonha, resgatei a capacidade de me indignar. Essa capacidade de se indignar você perde um pouco, quando mora fora do Brasil por 20 anos, porque não existe desigualdade social fora como existe aqui. Aqui as desigualdades sociais são muito grandes. Era a região com o segundo menor IDH do País no segundo estado mais rico do País. Como dizia Luciano, como pode um lugar tão rico, com pessoas tão resilientes, trabalhadoras e perseverantes, ter essa pobreza parada no tempo? No Brasil não pode haver miséria. Como canta o Bruta flor, xô miséria.
Decidimos investir em capec social para levantar as pessoas. Isso era no meio de 2020. Nós não tínhamos receita. A empresa não tinha receita. Lucro então a gente não tem até hoje. Três anos antes de ter receita... Aí nasceu o Dona de Mim. São 2 mil mulheres chefes de família, como eu, que têm 10 mil pessoas nos ombros, porque mulher tem que ajudar mulher. Há um lugar no inferno guardadinho para mulher que não ajuda mulher. Nós somos uma pirâmide humana carregando as nossas famílias. E mensurar é muito simples. As crianças lá do Vale, em 1998, no museu da primeira-dama, da Aline, ficavam levando lata d'água na cabeça para as suas casas. Eram mulas de água, era uma geração perdida que não ia para a escola, foi trabalhar no bananal e hoje trabalha na Sigma. Nós as treinamos para virarem operadoras de fábrica. Elas têm esperança, porque os seus filhos estão nas escolas que a gente construiu, os seus filhos vão ter um futuro muito melhor. Até hoje, 13 anos depois de 2012, nenhum acionista recebeu um real de dividendo. A empresa é pública. É só ler os balanços. Todo o lucro é reinvestido no Vale do Jequitinhonha.
Nós nos juntamos aos melhores do mundo e aos melhores de Minas: a Fiemg, com o Flávio, meu anjo da guarda; o governo Zema, representado aqui pela incrível Marília, que trouxe segurança jurídica para Minas e prosperidade para tantas mulheres; os prefeitos de Araçuaí e Itinga; e as Câmaras de Vereadores de Araçuaí e Itinga, lideradas por pessoas incríveis, com histórias de vida incríveis. Tivemos, ao longo dos anos, guardiões lá fora, como o BlackRock, que é um dos maiores acionistas da Vale do Rio Doce, e os acionistas do Oriente Médio, do Marcelo, focados em transição energética, e famílias brasileiras incríveis, como Gerdau, Fiat, Vulcrabras, Núcleo e tantas outras. Elas estão juntas, juntas, porque sucesso aqui é um esporte coletivo. Levamos Minas Gerais para o mundo e trouxemos o mundo todo para nos copiar e investir no Vale. O nome foi ajustado um pouco porque gringo não pronuncia “Jequitinhonha”. Virou Lithium Valley. Juntos, subimos a régua, e como a ambição era grande, nasceu o lítio zero: zero, zero barragem, zero químicas nocivas, zero uso de água potável, zero energia suja de carvão, e vem mais zero por aí, como zero desemprego nas comunidades vizinhas. Todo mundo está empreendendo. Juntamos o Dona de Mim com o Seca Zero. Agora os lavradores familiares de subsistência vão ser “donos de mim” e mais sócios das suas mulheres companheiras.
Para concluir, eu aprendi uma canção na América, fiz uma travessia, fui para o Vale do Jequitinhonha, conheci uma Maria, a Maria Salum, e aprendi muito. É como diz agora também outro compatriota mineiro, Guimarães Rosa: “A gente cai, levanta, sacode a poeira e segue em frente, porque o que a vida quer da gente é coragem”. “É preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter sonhos sempre. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida.” Minas Gerais, muito obrigada por ser essa fonte incrível de inspiração. Vale do Jequitinhonha, a sua resiliência é inacreditável. Muito obrigada, senhores, por apoiar a Sigma e por me dar coragem de continuar. A jornada está no meio e continua. Muito obrigada. É uma honra!