JOÃO CANDIDO PORTINARI, escritor, professor e fundador do Projeto Portinari
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 04/12/2024
Página 2, Coluna 1
Indexação
Observação No decorrer do pronunciamento, procede-se à exibição de vídeo.
Proposições citadas RQN 7817 de 2024
Normas citadas RAL nº 5625, de 2024
43ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 2/12/2024
Palavras do Sr. João Candido Portinari
O Sr. João Candido Portinari - Senhoras e senhores, ilustres membros da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, queridos amigos e familiares, é com profunda emoção que recebo hoje o título de Cidadão Honorário deste estado que tanto admiro e ao qual tanto quero bem. Agradeço à nossa tão querida e admirada ministra Cármen Lúcia pela indicação e ao nobre presidente Tadeu Leite por esta honraria.
Agora, cabe-me ler a nominata, mas acho que não está comigo – só a parte final.
Eu queria agradecer a presença do vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, conselheiro Durval Ângelo Andrade; do Exmo. Sr. ouvidor do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e ex-presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, conselheiro Agostinho Patrus; da Sra. diretora Econômico-Financeira e de Tecnologia e Segurança da Informação dos Correios, Maria do Carmo Lara Perpétuo; e da Exma. Sra. desembargadora Luzia Peixoto, representante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Minas Gerais ocupa um lugar especial em meu coração, um lugar que se entrelaça com a história de meu pai, Candido Portinari, e com a minha própria trajetória, uma trajetória que se fortaleceu ao lado da minha esposa, uma mineira, que, ao longo de 41 anos, me ensinou a amar ainda mais este estado.
Permitam-me, através de uma breve apresentação, compartilhar um pouco dessa história com vocês. Costumo sempre dedicar minhas palestras, é um hábito que trago comigo durante os 45 anos de trabalho no projeto Portinari. Inspirado por essa obra-prima que celebra Minas Gerais, quero compartilhar com vocês uma dedicatória muito especial. Ela antecipa um dos momentos mais emocionantes, mas também mais difíceis da minha vida, vivenciado aqui, em Minas Gerais, e que será narrado ao final dessa apresentação. Para entrarmos no clima do que pretendo apresentar, convido vocês a ouvirmos juntos um poema dedicado ao meu pai por um grande poeta brasileiro, não por acaso mineiro, escrito poucos dias após sua partida, em 1962: "Entre o cafezal e o sonho/ o garoto pinta uma estrela dourada/ na parede da capela,/ e nada mais resiste à mão pintora./ A mão cresce e pinta/ o que não é para ser pintado mas sofrido./ Entre o sonho e o cafezal/ entre guerra e paz/ entre mártires, ofendidos,/ músicos, jangadas, pandorgas,/ entre os roceiros mecanizados de Israel,/ a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil/ entre o amor e o ofício/ eis que a mão decide:/ Todos os meninos,/ ainda os mais desgraçados,/ sejam vertiginosamente felizes./ Agora há uma verdade sem angústia/ mesmo no estar-angustiado./ O que era dor é flor, conhecimento/ plástico do mundo./ E por assim haver disposto o essencial,/ deixando o resto aos doutores de Bizâncio,/ bruscamente se cala/ e voa para nunca-mais/ a mão infinita/ a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari". A poesia de Drummond nos convida a celebrar a fulgurante trajetória de Portinari, e, para que esse legado continue a inspirar, o projeto Portinari, há 45 anos, se dedica à pesquisa, catalogação e democratização da sua arte e de sua mensagem ética e humanista. Conheçam a equipe que torna esse trabalho possível. (Procede-se à exibição de slides).
O moço de óculos ao meu lado é o caro amigo mineiro, de quatro costados, Alberto Camisasca. Junto com Manfred Leyerer, da empresa Vallourec, foi corresponsável por trazermos os painéis Guerra e Paz para Minas, mas, focalizaremos esse evento mais adiante.
E, por falar em Minas Gerais, quero e devo destacar a contribuição inestimável de José Pelúcio Ferreira, mineiro de Baependi, a quem chamo, carinhosamente, de pai do projeto Portinari. Como presidente da Finep, ele viabilizou o nosso sonho. Outro grande apoiador foi o ex-ministro José Israel Vargas.
Mesmo com o tempo curto, não posso deixar de mostrar dois exemplos ao menos do trabalho do projeto Portinari: um técnico e outro socioeducativo. O primeiro exemplo é o catálogo da obra completa de Portinari, fruto dos primeiros 25 anos de pesquisa dedicada. Ele foi publicado em 2004, portanto lá se vão 11 anos – perdão, 10 anos. Esta obra monumental foi reconhecida por sua importância cultural e diplomática, sendo adotada como presente de Estado pela Presidência da República. Vejam esse momento histórico: o presidente Lula entregando o nosso catálogo ao presidente Chirac, da França. Esse gesto simboliza o poder da arte e da cultura na diplomacia entre os países.
Mas o projeto Portinari vai além da pesquisa e da catalogação. Acreditamos que a arte tenha de ir aonde o povo está, como na bela letra de Fernando Brant, e, por isso, desenvolvemos ações socioeducativas que abrangem todo o território nacional.
Parece que ele saiu da tela, não é? O espanto desse jovem indígena demonstra o quanto a arte de Portinari nos representa, e a todos nós.
Além da pesquisa, o projeto Portinari se dedica a democratizar o acesso à arte. Desenvolvemos ações socioeducativas por todo o Brasil, e, em Minas Gerais, essa conexão é ainda mais forte. Compartilho com vocês algumas das palestras que tive a honra de proferir neste Estado ao longo de 40 anos. De Muriaé a Belo Horizonte, de Ipatinga a Viçosa, de Ouro Preto a São João del-Rei, de Alfenas a Caxambu, tenho levado a obra de Portinari a diversos cantos de Minas Gerais. Essas palestras, que constituíram de fato a primeira face visível do projeto Portinari, começam em Muriaé, a convite de uma figura ilustre, não só para a cidade, mas também para esta Casa Legislativa. Paulo Carvalho, além de um grande homem público, foi um exemplo de integridade e dedicação à Justiça. Tenho muito orgulho de ter iniciado minha trajetória em Minas Gerais sob sua tutela e em sua cidade. Quem acompanha o mundo literário certamente conhece as famosas feiras literárias de Araxá, Paracatu, Itabira, eventos que se tornaram referência no Brasil e que contaram com a idealização e a curadoria de um grande mineiro.
Tive a oportunidade de participar de diversas iniciativas culturais aqui, em Minas, o que me proporcionou um contato especial com Afonso Borges e o seu trabalho. Tenho a honra de chamar de amigo outro grande mineiro apaixonado por Portinari, o estilista Ronaldo Fraga, cujas criações celebram a arte do pintor com maestria e beleza.
Em 2023, no ano passado, tive a alegria de participar da exposição Portinari Raros, no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui, em Belo Horizonte, ao lado do brilhante curador da mostra, Marcelo Dantas. E aqui estamos, Marcelo e eu, proferindo uma palestra a quatro mãos no CCBB de BH. Também, em 2023, falei no Cine Theatro Brasil Vallourec ao celebrarmos 10 anos da exposição Guerra e Paz em Minas.
O projeto Portinari também se orgulha de suas parcerias com instituições mineiras, como a Universidade Federal de Minas Gerais. Destaco o trabalho com os pesquisadores Nívio Ziviani e Adriano Veloso, que vocês podem ver nessa foto. E, por falar no Nívio, uma grata surpresa: ontem mesmo ele me enviou essa foto, mostrando que a admiração por Portinari nos conecta em diversos lugares. A pesquisa acadêmica é fundamental, mas a preservação e a proteção da obra de Portinari perante falsificações também é uma prioridade. Para isso, contamos com a expertise do Centro de Conservação e Restauração – Cecor –, um centro de excelência da UFMG. Nessa foto, vemos ainda Luiz Souza, do Cecor, e os restauradores Edson Motta Júnior e Cláudio Valério Teixeira, no minucioso trabalho de restauração dos painéis Guerra e Paz.
E, já que falamos de Portinari e de Minas Gerais, vamos relembrar a profunda relação de toda a vida do pintor com este estado. A Igreja da Pampulha é um ícone da arte moderna brasileira, mas a sua beleza vai muito além da fachada. No interior, encontramos um altar considerado por Israel Pedrosa, renomado historiador de arte mineiro – outro mineiro –, como a obra sacra mais importante do séc. XX.
A Igreja de São Francisco de Assis, se foi objeto de uma renhida e duradoura polêmica com os meios eclesiásticos conservadores de Belo Horizonte, foi também um ponto de encontro de grandes artistas. Nessa foto, vemos Guignard e seus alunos visitando Portinari durante o seu trabalho de criação. E uma surpresa: aí está a minha mãe, então com 23 anos, essa mocinha que está à direita. Eu só descobri isso recentemente. Olhando de novo todas essas fotos, descobri que era ela, ali, magrelinha, desse jeito.
E a Pampulha guarda memórias da minha infância. Essa foi a primeira vez que eu vim a Belo Horizonte. Eu tinha 5 anos. Nesta foto, de 1944, estou com meus pais, em frente à igreja ainda em construção, uma lembrança que me acompanha até hoje.
Deixando a Pampulha, falemos agora de outra obra prima de Portinari, vinculada a Minas Gerais, o painel Tiradentes. E, para nos apresentar essa obra, ninguém melhor do que o próprio Oscar Niemeyer.
Para que vocês possam ter uma ideia da grandiosidade do Painel Tiradentes e do processo de criação, vejam essa foto de Portinari em seu ateliê, no Rio de Janeiro, um ateliê, aliás, que foi projetado por Oscar Niemeyer e que está lá até hoje. Aqui vocês veem que não havia ainda tinta. Era tudo desenho ainda. Do painel Tiradentes, avançamos para a obra-síntese do legado de Portinari, que representa o ápice da sua carreira: os painéis Guerra e Paz. Aqui vocês veem na escala natural: 14m de altura e pesam 2t.
Vamos lembrar, quando nós trouxemos Guerra e Paz para Belo Horizonte, de uma chamada muito emocionante naquela ocasião que consegui resgatá-la. Guerra e Paz, em Belo Horizonte, foi um sucesso absoluto. Para celebrar este momento histórico, ouçamos o presidente Juscelino Kubitschek, grande amigo e admirador de Portinari. Trazer Guerra e Paz para o Brasil parecia um sonho impossível, mas, com perseverança e amigos especiais, conseguimos. Um deles foi o mineiro, novamente um mineiro, José Alencar, então vice-presidente da República. Com o apoio de José Alencar e outros amigos, Guerra e Paz chegou ao Brasil. E, em 2013, Belo Horizonte recebeu essa obra-prima. Outro grande mineiro que nos ajudou foi Patrus Ananias, ex-ministro e incansável defensor da cultura. Em 2013, com enorme emoção, inauguramos a exposição Guerra e Paz no Cine Theatro Brasil Vallourec, um momento inesquecível que compartilho agora com vocês.
A inauguração teve como diretor artístico o querido amigo Pedro Paulo Cava e contou com a participação de grandes artistas como Milton Nascimento, Hamilton de Holanda, Ana Botafogo, Alex Neoral, David Parsons, Letícia Sabatella, grupo Cobra Coral, coral Voz & Companhia e maestro Roberto Tibiriçá à frente da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Como esquecer a alegria e o encantamento das crianças que visitaram a exposição? Guerra e Paz despertou a curiosidade e a imaginação dos pequenos, mostrando que a arte transcende gerações. E não foram só crianças que se encantaram. Guerra e Paz reuniu um público diverso e apaixonado por arte.
Para finalizarmos esta apresentação, convido vocês a reviverem a emoção da noite de abertura. Naquela noite especial, diante de um público emocionado, pude compartilhar minha gratidão e homenagear pessoas queridas. Para encerrarmos, convido vocês a ouvirem um trecho do meu discurso de abertura da exposição. Eu acho que estamos com um problema aqui. Deixa eu tentar novamente. Vamos ver. Aparentemente estamos sem som aqui. Desculpem. Somos aprendizes digitais. Nós vamos tentar de qualquer forma. Acho que o destino não quis. Eu fazia uma referência ao fato de nós termos perdido nossa filha alguns meses antes dessa inauguração. Eu cumprimentava a Maria, minha esposa, pela inabalável bravura com que enfrentamos juntos a nossa dor e insistimos para que Guerra e Paz fosse trazida aqui, para Minas Gerais. Eu não estou falando da mesma maneira como falei lá, é claro. São 11 anos que já se passaram. Espero que essa jornada pela vida e obra de Portinari tenha tocado seus corações, assim como tocou o meu.
Agradeço a todos pela presença e pela homenagem que hoje me concedem. Deixo um agradecimento muito especial, do fundo do coração, à cara ministra Cármen Lúcia.
– No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de vídeo.