Professores dizem que governador quer usar politicamente escolas militarizadas
Secretário de Educação, sindicalistas e parlamentares debateram intenção do governo de ampliar o Programa das Escolas Cívico-Militares
- Atualizado em 10/07/2025 - 20:00A intenção do governo Romeu Zema (Novo) de ampliar o Programa das Escolas Cívico-Militares em Minas Gerais de 9 para mais de 700 escolas estaduais, o que incluiria quase 20% do total da rede de ensino, encontrou forte resistência de profissionais de educação que lotaram o Auditório José Alencar nesta quinta-feira (10/7/25), em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A reunião foi aberta pela presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, deputada Beatriz Cerqueira (PT), que criticou principalmente o prazo de 15 dias definido pela Secretaria de Estado de Educação (SES) para que a comunidade escolar (profissionais de educação, alunos e familiares) decida por votação não secreta se deseja ou não a inclusão da escola no programa.
Esse prazo foi definido por um memorando do dia 30 de junho, em que a secretaria convoca as comunidades escolares a se manifestarem até 18 de julho. “Um prazo de 15 dias é democrático?” também questionou a coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação, Catarina de Almeida Santos.
Beatriz Cerqueira ressaltou que não existe lei estadual que regulamente a criação de um programa estadual de escolas cívico-militares, e que projeto nesse sentido já foi rejeitado na Assembleia de Minas. “Nós alertamos para essa tentativa permanente de usurpação de competências. Não cabe ao Estado e aos municípios criar diretrizes de educação”, afirmou a deputada.
O fato da votação proposta pelo governo ser realizada com cédulas em que os votantes são identificados também foi muito criticado por Beatriz Cerqueira e outros representantes dos professores. Coordenador do Departamento Jurídico e Assuntos Legislativos do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Luiz Fernando Oliveira disse que a cédula identificada é um dos pontos que deixam o programa suscetível ao uso político e eleitoral, a pouco mais de um ano das eleições.
“Essas são as maiores escolas em municípios que têm os maiores colégios eleitorais”, afirmou Luiz Fernando, referindo-se aos cerca de 720 estabelecimentos de ensino pré-selecionados pelo governo. Participantes da reunião também disseram que a identificação dos votantes deixa os profissionais sujeitos a retaliações.
Governo diz que currículo não será modificado e militares não substituem professores
O secretário de Estado de Educação, Igor de Alvarenga, que participou da audiência pública para defender a proposta de ampliação do Programa, também acusou os opositores de comportamento antidemocrático.
Alvarenga criticou o Sind-UTE por pedir ao Tribunal de Justiça a suspensão do programa enquanto a consulta está sendo realizada. “Isso é antidemocrático”, afirmou. De acordo com o secretário, o objetivo da ampliação do programa é permitir que os professores possam trabalhar na sala de aula com maior segurança. Segundo ele, é o que vem acontecendo nas escolas onde o programa já funciona.
O detalhamento do programa foi feito pela subsecretária de Desenvolvimento da Educação Básica, Kellen Senra. Ela salientou que as escolas cívico-militares são diferentes dos colégios militares ou do Colégio Tiradentes, que são administrados respectivamente pelas Forças Armadas e pela Polícia Militar. Segundo ela, os militares não assumirão atividades de ensino ou administrativas, mas atuarão como “oficiais supervisores e monitores em cooperação e apoio à gestão escolar”.
Kellen Senra também garantiu que os currículos escolares não serão alterados e as práticas cívicas e formativas com os militares serão definidas pelas próprias escolas, sem pré-determinação. Ela acrescentou que as famílias poderão, a qualquer tempo, manifestar formalmente o desejo de que seus filhos não participem dessas atividades.
Quanto aos custos, ela afirmou que a remuneração dos militares da reserva selecionados para atuar no programa ficará a cargo do Corpo de Bombeiros Militar e da Polícia Militar. Ela ressalvou, no entanto, que os uniformes escolares poderão ser custeados pelo orçamento da educação, mas não por recursos do mínimo constitucional.
Com relação aos critérios de pré-seleção das cerca de 720 escolas, a subsecretária afirmou que todas são escolas de municípios com mais de 25 mil habitantes, com pelo menos 500 matrículas, nível socioeconômico igual ou menor que três e índice de complexidade de gestão escolar entre 5 e 6. Ou seja, são escolas com alunos que apresentam maior vulnerabilidade social.
Sindicalista diz que secretaria quer aumentar desigualdade entre escolas
Para o representante do Sind-UTE, Luiz Fernando Oliveira, o programa do governo viola o princípio de igualdade da educação pública, ao criar duas classes de escolas, uma militarizada, com mais recursos e estrutura, e outra sem. “Isso aprofunda desigualdades educacionais”, afirmou.
Ele também ressaltou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) exige formação específica e experiência dos profissionais que atuam nas escolas. Esse fato também foi apontado pela presidenta do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais, Valéria Morato. “São policiais de reserva com qual formação? Eles têm formação pedagógica?Não é mais salutar contratar professores?”, questionou.
A psicóloga Fabyolla Lucia de Castro salientou os avanços da Lei 13.935, de 2019, que garante a presença de psicólogos e assistentes sociais nas escolas. Para ela, é uma usurpação permitir que militares da reserva façam a mediação de conflitos e se responsabilizem pela disciplina estudantil.
Doutora pela Universidade de São Paulo (USP), Catarina Santos afirmou que o governo tem alternativas para tornar as escolas mais seguras, sem implantar uma cultura militarizada, autoritária e baseada no medo. “Por que não ampliaram o projeto de patrulha na escola?”, questionou.
Outra alternativa defendida pelos participantes da reunião foi a contratação de mais psicólogos e assistentes sociais. “Estão dizendo que as escolas que não são militarizadas não têm valores éticos e disciplinares?”, perguntou ela.
Parlamentares apresentam divergências sobre a militarização das escolas
No início da noite, deputadas e deputados que acompanhavam a audiência pública divergiram sobre a proposta do governo.
A deputada Lohanna (PV) questionou a conveniência de o governo propor uma consulta tão complexa em final de semestre letivo. Ela considerou a proposta “eleitoreira”, motivada pelo governador estar “desesperado por alcançar relevância nacional”. Avaliou ainda que o critério de escolha das escolas pelo governo não foi a vulnerabilidade, mas os bons resultados das escolas.
O deputado Lincoln Drumond (PL) disse que a manifestação do público na reunião, que interrompeu sua fala, reforçou seu apoio à militarização das escolas. “Por isso que eu defendo a escola cívico-militar: porque vocês precisam saber a hora de falar e a hora de escutar”, declarou.
O deputado Betão (PT) afirmou que a defesa do modelo de escola cívico-militar tem apenas motivos ideológicos, e que o maior problema nas escolas não é a disciplina, mas a falta de perspectiva dos alunos.
O deputado Caporezzo (PL) afirmou que o modelo de escola cívico-militar alcança grande aprovação popular e bons resultados educacionais. O mesmo afirmou o deputado Coronel Henrique (PL), que disse ter visitado diversas escolas cívico-militares, algumas delas com fila de espera para matrícula.
O argumento foi reforçado pelo deputado Bruno Engler (PL): “O modelo cívico-militar funciona, porque cria um ambiente de hierarquia e disciplina propício ao aprendizado. Lamentavelmente, a gente enfrenta uma oposição ideológica a esse projeto”. A deputada Bella Gonçalves (Psol), por sua vez, disse que é intenção do governo propor um debate ideológico para dividir as escolas e as famílias.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) afirmou que o próprio governo diz que o Estado enfrenta uma crise financeira. “Como ele propõe um modelo que vai custar três vezes mais que a escola convencional?”, criticou ela.
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) disse que há duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, e que a tendência é que a escola cívico-militar seja considerada inconstitucional, porque não se pode criar dois modelos de escola na rede pública.
