Prefeitura de Betim garante manutenção do projeto “Caminhos para a Igualdade”
Destinada ao ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas municipais, iniciativa começa a distribuir livros a professores e estudantes até o final do mês.
Quinze dias. Essa foi a previsão feita pela secretária municipal de Educação de Betim (RMBH), Marilene Pimenta, para a conclusão da primeira etapa de treinamentos dos profissionais da área e o início da distribuição dos livros didáticos para o início das aulas de história e cultura afro-brasileira e indígena na rede de ensino público da cidade.
A garantia foi dada nesta sexta-feira (6/6/25), durante visita técnica da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a uma escola municipal, à sede da Secretaria Municipal de Educação (Semed) e ao Centro Administrativo de Betim, onde acontecem as capacitações dos diretores, pedagogos e professores. A atividade atendeu a requerimento da vice-presidenta do colegiado, deputada Andréia de Jesus.
Criado pela prefeitura local para garantir a aplicação das Leis Federais 10.639, de 2003, e 11.645, de 2008, que tornaram obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas públicas no País, o projeto “Caminhos para a Igualdade” tem enfrentado forte resistência de um pequeno grupo de vereadores da cidade. Eles classificam de doutrinação religiosa o conteúdo dos livros adquiridos para o ensino da disciplina “África e Povos Originários na Educação de Betim”.
Segundo a deputada Andréia de Jesus, o projeto de caráter antirracista continua sendo alvo de fake news nas redes sociais de alguns vereadores, mesmo com as explicações dadas à Câmara e a garantia do Executivo municipal de que nada impedirá o cumprimento da legislação federal.
Na visita, a deputada conheceu todo o material didático, conversou com a equipe responsável pela seleção e pelas capacitações, acompanhou uma turma em treinamento e, ao final, elogiou o pioneirismo de Betim no tema.
Andréia de Jesus classificou como criminosa, por se configurar como um ato racista, qualquer tentativa de desinformação para a suspensão do projeto. Segundo ela, isso também violaria o Estatuto da Igualdade Racial de Minas Gerais, aprovado no final do ano passado pela ALMG. "Racismo não é mera desavença, é crime. Ninguém pode ser eleito para praticar crime”, pontuou.
A parlamentar já acionou o Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Contas e os Ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos para apurar o caso. Cerca de R$ 10 milhões já teriam sido aplicados na iniciativa, parte dos recursos de origem federal.
Já foram comprados 374 mil livros divididos em kits com 11 títulos diferentes que vão ajudar no aprendizado de mais de 50 mil alunos da educação infantil (pré I e II), do ensino fundamental (1º ao 9º ano) e da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Compõem os kits obras como “Legados dos povos africanos e indígenas na construção do Brasil”, de Eliana Boa Morte e Antônia Alves, “Trajetória do africano em território brasileiro” e “Zaki e a história da Matemática”, ambos do premiado historiador e pesquisador do tema, Nataneal dos Santos, que no último dia 4 de abril deu a aula magna na apresentação do projeto.
Um diferencial do material é que, pelo contrato celebrado entre a prefeitura local e a editora, ele vem acompanhado de toda a formação necessária para guiar as aulas e obter um melhor aproveitamento do conteúdo. A nova disciplina será ministrada semanalmente, totalizando 90 horas/aulas por ano, com dois eixos principais: linguagem e história.
Secretária reforça caráter exclusivamente pedagógico
A secretária de Educação de Betim, Marilene Pimenta, contou à deputada Andréia de Jesus que a ideia inicial era lançar o projeto ainda no ano passado, mas acabou adiada devido à seleção cuidadosa do material didático e à necessidade de treinamento.
Apesar da polêmica, segundo a gestora, em nenhum momento houve qualquer determinação do prefeito Heron Guimarães para suspender o “Caminhos para a Igualdade”, que integra o seu plano de governo.
Ainda de acordo com a secretária, na tentativa de mediar o conflito, o prefeito solicitou apenas a realização de uma reunião de toda a equipe técnica da Semed e da editora que produziu os livros com os vereadores insatisfeitos para esclarecer o caráter exclusivamente pedagógico do projeto.
“O material didático já está dentro das escolas e nesse momento estamos capacitando nossos profissionais de educação. Nos próximos 15 dias o projeto será colocado em prática", garantiu a secretária.
"Em nenhum momento o projeto foi suspenso, mas democracia e diálogo também são importantes. O material didático não é de cunho religioso, são ensinamentos de história e cultura. Se alguém ainda não concorda com isso, precisa buscar mais conhecimento”, emendou Marilene Pimenta.
Ainda de acordo com a secretária, cerca de 90% das escolas participantes já receberam seus kits com livros para o professor, para o aluno e para compor o acervo das bibliotecas nas unidades.
Na Escola Municipal Sebastião Ferreira de Oliveira, no Bairro Betim Industrial, primeira parada da visita técnica da Comissão de Direitos Humanos, boa parte deles já foram desempacotados e catalogados, para a alegria da bibliotecária Ivanilde Lima.
“O material é lindo, estou ansiosa para distribuir para os alunos. Bibliotecário não gosta de ver livro parado na estante”, disse. Num cantinho da biblioteca uma pequena estante guarda o acervo antigo sobre o tema, segundo ela, bastante desatualizado e pouco atrativo.
A excelência dos livros selecionados também foi atestada por Daiane Sthepane dos Santos, que é evangélica e milita no Movimento Antirracista de Betim, e Ramon Nabur, liderança das comunidades tradicionais de terreiro. Os dois também participaram da visita da Comissão de Direitos Humanos.
"Nós ficamos muito felizes com esse projeto. Estudei toda minha vida na rede pública e sofri muito com o racismo, inclusive com danos psicológicos, eu e meus irmãos. Colegas sempre reproduziram uma fala racista que está ainda hoje está entranhada na sociedade", disse Daiane.
“Li todos os livros com muita atenção e ali não tem nenhum dogma das religiões de matriz africana. Enquanto isso circulam vídeos nas redes sociais falando que orixás e demônios vão dominar as escolas de Betim, o que deixa pais receosos e motiva mais preconceito contra alunos negros. Sabemos da boa intenção da prefeitura e queremos ver a implementação de fato do projeto”, afirmou Ramon.
“Esses vereadores deveriam ter analisado os livros antes, eles têm o poder da fala, são pessoas influentes. O líder desse grupo de vereadores é um homem branco, num cargo privilegiado, que está propagando fake news e reforçando que o que é associado à população preta não é bom. Isso só aumenta os ataques racistas”, reforçou Daiane.



