Pescadores da comunidade Paraíso relatam ilegalidade de despejo
Ação às margens da Represa de Três Marias foi feita sem mandado judicial. Atingidos relatam truculência.
O único órgão público que participou de ação de despejo na região de Felixlândia (Região Central) e esteve em audiência pública para prestar informações sobre o acontecido foi a Polícia Militar. O representante da corporação alegou que sua participação foi só de apoio a órgãos federais, mas os presentes apontaram que a ação é ilegal e a polícia deveria ter negado o apoio.
A questão foi discutida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta segunda-feira (22/9/25). O despejo foi contra a comunidade Paraíso, que fica na beira da represa de Três Marias, no dia 3 de setembro. Pescadores estiveram na reunião e relataram a truculência da ação.
Muitos dos atingidos são pescadores que já contavam com prejuízos advindos do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (RMBH). As polícias federal e militar do meio ambiente realizaram a operação com a coordenação de um procurador da República e com acompanhamento da Cemig. Centenas de casas foram destruídas sem a apresentação de mandado judicial.
A justificativa oficial é de que, entre outras coisas, a maioria das casas estava desabitada e ficava abaixo da cota de inundação da represa. Além disso, a comunidade estaria causando danos ambientais a partir do descarte irregular de resíduos, do uso de fossas fora dos parâmetros e supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente (APP).
Pescadores contestam justificativas oficiais para despejo
Alguns dos pescadores atingidos estiveram na reunião e contaram como foi a ação, considerada truculenta, e rebateram as justificativas oficiais para a sua realização. Em fala emocionada, Anilson Carlos Pereira da Silva negou que a comunidade cause danos ambientais e disse que as estruturas destruídas são essenciais para a atividade de pescaria dos moradores.
Jairo Teixeira de Matos, da Associação dos Moradores da Comunidade Paraíso, apontou que em outras áreas da orla da represa estão pousadas e condomínios de luxo. “Eles também têm fossas, elas não poluem? Só nós poluímos?”, questionou. O convidado afirmou, ainda, que foi informado que as casas não seriam destruídas na ação, mas que elas foram, sim, derrubadas.
“Pescador trabalha é na água”, complementou Silvana Gomes da Rocha, explicando que os moradores não são encontrados em suas casas durante o dia, mas isso não significa que não morem lá. No caso dela, seu rancho não foi demolido, mas foi deixada uma notificação para que retirasse tudo até as 6 horas da manhã no dia seguinte.
“Nós somos vaga-lumes pra trabalharmos de madrugada? Tivemos que tirar tudo de casa, carregar sozinhos e transportar em nossos carros durante a noite”, disse. Ela contou, ainda, que estava em consulta médica quando a ação começou e a ela não foi permitida a entrada em casa nem para buscar seus remédios.
Quem reforçou como funciona a moradia dos pescadores foi Paula Márcia Oliveira, do Instituto Guaicuy, que oferece assessoria técnica independente para a população local na relação com a Vale após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão. “Os pescadores têm dupla residência, na cidade e no local onde trabalham”, explicou.
Paula Márcia Oliveira reforçou, ainda, a característica ilegal do despejo pela falta de mandado judicial e de notificação das pessoas. Segundo ela, a ocupação no local data de mais de 20 anos e era originalmente exclusiva de pescadores. Nos últimos anos, outras pessoas teriam se mudado para o local e aumentado a população da comunidade.
O defensor público João Márcio Simões esteve no local no dia da ação e confirmou os relatos dos presentes.
Polícia Militar nega responsabilidade pela ação
O Tenente Coronel Mário Lúcio esteve presente na reunião para explicar a participação da Polícia Militar na ação. Ele ressaltou que a corporação não teve protagonismo na ação e sua atuação foi limitada a apoio para a Polícia Federal, conforme requisição do Ministério Público Federal (MPF). Assim, a PM atuou com 12 policiais, que trabalharam controlando o acesso à área.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) questionou, porém, a oferta de apoio para a operação sem que fosse apresentado um mandado judicial. Ela sugeriu que, em ações futuras, a Polícia Militar apenas concorde em participar quando apresentado o documento. O deputado Leleco Pimentel (PT), por sua vez, falou da covardia de impedir a entrada de moradores para retirada de objetos pessoais.
