Pataxós denunciam ameaças da mineração à Fazenda Guarani
Comunidade relata que indígenas em Carmésia têm sido acuados pelas atividades da Anglo American e sofrem com falta de água e adoecimento físico e mental.
- Atualizado em 24/04/2025 - 15:09“Os rios estão secando, a água está diminuindo e precisamos tomar providências enquanto há tempo”, alertou a deputada federal Célia Xakriabá (Psol). Ela participou da audiência pública sobre as violações contra os pataxós na Fazenda Guarani, em Carmésia (Vale do Rio Doce), provocadas pelas atividades da mineradora Anglo American.
O encontro foi realizado nesta quinta-feira (24/4/25) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Lideranças e moradores da região debateram direitos de indígenas. Devido à poluição de cursos de água, foram mencionados casos de adoecimento físico e mental, além de mortes por suicídio e assassinato.
“Nunca vi engenheiro trazer o rio de volta”, afirmou a deputada Célia Xakriabá. Segundo ela, projetos que tramitam no Congresso Federal buscam legalizar a mineração em território indígena. “Se essas iniciativas forem aprovadas, vão legalizar a morte”, alertou.
Conforme o vereador Xé Pataxó, a comunidade não foi ouvida para se manifestar acerca desses empreendimentos. “Nós é que temos que falar se está tendo impacto ou não”, ressaltou.
Assim como ele, o cacique Mesaque Pataxó lamentou que a falta de água tem prejudicado a prática dos rituais culturais e religiosos. Além disso, os dois reclamaram da sensação de vigilância provocada pelo sobrevoo de drones e helicópteros na região.
De acordo com o cacique, a comunidade, forçada a deixar o litoral durante a ditadura militar, continua sendo acuada e obrigada a sobreviver em áreas poluídas.
Empreendimentos são realizados em áreas de proteção
O procurador Helder Magno da Silva mencionou empreendimentos realizados em Área de Proteção Ambiental (APA). Segundo ele, um dos problemas é o licenciamento emitido em fases, sem analisar os efeitos cumulativos dessas interferências.
Também citou protocolos fictícios, cooptação de representantes locais e outros mecanismos para burlar o direito à consulta livre, prévia e informada. O procurador explicou que o Ministério Público Federal está coletando provas para encaminhar medidas de reparação.
Conforme a deputada Bella Gonçalves (Psol), presidenta da Comissão de Direitos Humanos e responsável por solicitar a audiência, outro problema são as chamadas “miniminas”. Trata-se de pequenas cavas que causam grande impacto. A parlamentar observou o risco de mineradoras laranjas que são incorporadas à Anglo American.
Para o presidente do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea), Luciano Marcos da Silva, antes a luta era contra o agronegócio, mas agora a ameaça é internacional, apoiada por governantes locais. “A Fazenda Guarani é secular, histórica e o povo Pataxó sabe muito bem proteger esse patrimônio”, reconheceu.
“É bom olhar e ver aqui como a gente se parece, pois estamos juntos na luta por nossos territórios, pelos direitos de mulheres e crianças”, celebrou a deputada Andréia de Jesus (PT). Ao enfatizar a importância da soma de forças, alertou para os perigos do aliciamento de membros da comunidade.
A parlamentar exemplificou que indígenas obtiveram conquistas recentes como o atendimento de pajé em posto de saúde. Por isso, é necessário fortalecer as práticas culturais e o conhecimento dos povos originários.
Nilmário Miranda, assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, destacou a resiliência dos pataxó na mobilização indígena no Estado. “O povo pataxó sempre teve um papel de vanguarda em Minas Gerais”, disse.
Ele lembrou que a Constituição Federal ressalta o caráter multiétnico do povo brasileiro: “Não existe supremacia de uma raça sobre a outra. Não podemos aceitar nenhuma subalternidade, nunca”.
Estudo de avaliação dos impactos está em andamento
Questionado sobre os impactos da atividade minerária da Anglo American, o analista ambiental da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), Luciano Junqueira de Melo, explicou que o empreendimento em questão está em processo de licenciamento ambiental há mais 10 anos, tendo passado por diversas modificações nesse período. Diante dessa situação, um novo estudo de avaliação está em andamento, com previsão de conclusão em setembro.
O representante da Feam, ligada à Secretaria de Meio Ambiente (Semad), esclareceu que o licenciamento sozinho não é capaz de indicar todos os impactos. “Existem outros instrumentos como a gestão do território, os planos diretores, os planos de bacia. Isso tudo permite que a gente tenha uma gestão ambiental mais adequada”, completou.
Alteamento de barragem preocupa município
O empreendimento da Anglo American prevê a construção de uma barragem de rejeitos de minério, o que foi trazido como uma grande preocupação pelos participantes da audiência. Sobre a questão, o analista ambiental Luciano Junqueira de Melo afirmou que, em caso de rompimento da barragem, a aldeia Pataxó está fora da mancha de inundação demonstrada pelos estudos que já existem, mas que o Rio do Peixe seria impactado.
O prefeito de Carmésia, Atos Oliveira, declarou que o município não recebe nenhum tipo de compensação pela atividade minerária próxima ao local. “Por mais que sejamos da área secundária e não da área de autossalvamento, o município está na área de inundação da barragem”, disse.
Ele afirmou que o município está sendo processado pela Anglo American por não ter assinado o Plano de Ação de Emergência (PAE) em caso de rompimento da barragem. Com a assinatura, o município se responsabiliza a realizar os primeiros atendimentos e disponibilizar água para as pessoas atingidas no caso do desmoronamento da estrutura.
Segundo o prefeito, Carmésia não possui Defesa Civil e já sofre com problemas de abastecimento de água, o que impediu a assinatura do documento. Ele lamentou que a forma que a Anglo American tem dialogado com o município seja através da judicialização.
A deputada Bella Gonçalves criticou o posicionamento da Semad. “Não é o papel da Secretaria de Meio Ambiente, sem os estudos adequados e com pouca convicção, dizer que o povo Pataxó não será afetado, quando inúmeros relatos mostram que já estão sendo. Não dá pra avançar um processo de licenciamento quando as pessoas já estão sem água”, concluiu.


