Participantes de audiência engrossam coro por justiça em execução de gari
Laudemir de Souza Fernandes foi assassinado por empresário no último dia 11 de agosto, enquanto trabalhava no bairro Vista Alegre, em Belo Horizonte, em meio a uma briga de trânsito.
- Atualizado em 21/08/2025 - 12:15O clamor por justiça para o assassinato do gari Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, foi a tônica da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na tarde desta quarta-feira (20/9/25). A reunião atendeu a requerimento da presidenta do colegiado, Bella Gonçalves (Psol), que comandou o debate.
Participaram da audiência familiares de Laudemir e seus advogados, representantes da Polícia Civil e da empresa em que a vítima trabalhava, entre outros convidados. Mas o depoimento que mais emocionou os presentes foi o da esposa do gari, Liliane França da Silva. Em vários momentos os participantes repetiram gritos de "Laudemir presente!".
“Eu estou sofrendo demais, está muito difícil, a gente conversava sobre tudo. Minha casa está muito vazia, meu quarto está muito vazio. Agora eu olho para o lado e não vejo mais ele, mas apesar da dor não vou deixar que essa luta pare”, resumiu Liliane, entre lágrimas.
"Meu marido sempre olhava pela equipe toda (de garis), quando tinha algum problema ele estava lá tentando resolver. Os vídeos mostram que ele estava tentando fazer com que o fluxo do trânsito continuasse. Mas as pessoas precisam entender que a vida delas não vai parar por causa de cinco minutos a mais de espera”, completou a viúva.
Pai de uma filha e funcionário exemplar, segundo descrição de colegas, o trabalhador de limpeza urbana foi assassinado no último dia 11 de agosto, durante a coleta de lixo no bairro Vista Alegre, Região Oeste de Belo Horizonte. O autor confesso dos disparos é o empresário do setor de alimentos Renê da Silva Nogueira Júnior, 47 anos, que atirou contra Laudemir depois de uma briga de trânsito.
Representante da Polícia Civil explica investigação
O coordenador de Comunicação Social da Polícia Civil do Estado, Tarso Gonçalves, ressaltou que a investigação do crime, bem como de seus desdobramentos, ocorre de maneira técnica, imparcial e transparente.
Como lembrou, desde que foi acionada, a instituição atuou prontamente: houve a prisão em flagrante do suspeito pelo homicídio e ameaça naquele momento e, ouvidas as testemunhas, o delegado ratificou a voz de prisão. Com a materialidade de provas, disse, a prisão foi transformada em preventiva.
“O inquérito está maduro e avançado, faltando poucos laudos pendentes”, afirmou.
Segundo Tarso Gonçalves, paralelamente a esse inquérito, outro – este por parte da Corregedoria - está em andamento para apurar a responsabilidade de servidora da instituição, uma delegada de Polícia, em relação à arma usada no crime. Ela é casada com o empresário. Como disse, o exame de balística concluiu que a arma utilizada é dela.
De acordo com o coordenador, se houver comprovação de responsabilidade, respeitada a defesa da servidora, ela poderá ser punida na esfera administrativa e até criminal.
Segundo informações da Polícia Civil, vídeos obtidos pelos investigadores mostrariam o empresário no local do crime e também o teriam flagrado guardando a arma supostamente usada no homicídio. Renê foi localizado horas depois e preso em flagrante pela Polícia Militar em uma academia. Antes disso, teria passeado com seu cachorro.
Agora, está preso preventivamente enquanto aguarda o final das investigações e posterior julgamento. O Ministério Público (MP) pediu, mas o Tribunal de Justiça (TJMG) não concedeu o bloqueio de R$ 3 milhões em bens do casal para garantir eventual indenização à família da vítima.
O empresário pode ser indiciado por homicídio duplamente qualificado (por motivo fútil e de forma a dificultar a defesa da vítima), porte de arma e ameaças contra uma motorista do caminhão de limpeza urbana. Conforme testemunhas, o assassino confesso teria dito que “iria dar um tiro na cara dela".
O empresário teria se irritado porque o caminhão de lixo teria bloqueado a passagem do seu carro. O gari teria tentado defender a motorista e aí foi executado. Inicialmente, Renê negou envolvimento no crime, mas depois prestou novo depoimento admitindo sua participação.
Colegas protestaram no Anel Rodoviário
Colegas na empresa terceirizada onde Laudemir trabalhava - a Localix Serviços Ambientais - protestaram na manhã desta quarta (20), também para pedir justiça para a morte do gari.
Segundo reportagens publicadas na Imprensa, os manifestantes bloquearam parcialmente o trânsito no Anel Rodoviário, sentido Vitória (ES), na altura do bairro Santa Maria, também na Região Oeste. Eles portavam uma faixa com os dizeres: “Somos garis, não somos lixos. Nossa única esperança é o Tribunal de Justiça e o Ministério Público”.
Tanto o diretor operacional de Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), Roberto Botelho, quanto o responsável administrativo pela Unidade de Belo Horizonte da Localix, André César Diniz, destacaram na reunião que estão à disposição da família e da comissão para contribuir com o necessário.
“Esse caso chamou muita tenção, mas lamentavelmente nossos trabalhadores são xingados e mal compreendidos no dia a dia”, afirmou Roberto Botelho.
Ingredientes de uma tragédia anunciada
Insegurança na rotina de quem trabalha na limpeza urbana, racismo, machismo, impunidade e a disseminação de armas nos últimos anos foram citados na audiência da Comissão de Direitos Humanos como fatores que contribuíram para o assassinato de Laudemir.
“É preciso melhorar a segurança dos trabalhadores da limpeza urbana em um trânsito cada vez mais violento. Infelizmente, a morte do Laudemir não foi um caso isolado. Na mesma semana outro trabalhador morreu atropelado em Uberlândia (Triângulo). Essa categoria não recebe sequer auxílio-periculosidade, que ainda tramita no Congresso Nacional”, advertiu Bella Gonçalves.
“É um assunto que embarga a voz de todos nós. O que aconteceu está permeado por racismo, mas também por machismo porque tudo começou com ameaças a uma mulher”, lembrou Doutor Jean Freire (PT).
Betão (PT) fez coro: “esse crime é resultado da sensação que muitas pessoas hoje têm de que podem tudo e vão sair sempre impunes. A repercussão da morte do Laudemir vai contribuir para que esse empresário seja punido, mas nem sempre isso acontece”.
Adriano Alvarenga (PP) sugeriu que sejam instaladas câmeras de segurança nos caminhões da limpeza urbana para coibir abusos de “pessoas que se acham melhor do que as outras, como era esse homem”.
Trabalho que ninguém mais quer fazer
A vice-presidente da Comissão, Andréia de Jesus (PT), apontou que a condição social de Laudemir fez dele mais uma vítima da violência urbana. “O racismo atravessa nossa vida o tempo todo, como para nos colocar para fazer trabalhos que ninguém mais quer fazer, ganhando mal, trabalhando em condições precárias”, disse.
A parlamentar também reforçou que o gari morreu com uma arma do Estado e que isso não pode ser ignorado. “A situação dessa delegada, que não teve o devido cuidado com sua arma, precisa ser apurada. Precisamos desarmar a população, mas também zelar para que aqueles que precisam ter armas tenham responsabilidade”, pontuou.
Outra questão levantada pela parlamentar é a forma como o acusado foi preso e conduzido a uma delegacia, sem algemas, no banco de trás da viatura e podendo esconder o rosto.
A esse questionamento, o advogado da família da vítima, Tiago Lenoir Moreira, refletiu que o procedimento adotado deveria, sim, ser adotado para todos os acusados de crime, independentemente da raça ou condição social. Ele classificou o crime como "cruel, fútil e hediondo", reforçando que a Polícia Civil deve atuar com imparcialidade.


