Mulheres no Brasil são sobrecarregadas e invisíveis
Cenário, que seria ainda mais grave nas cidades menores do interior, foi constatado em debate realizado pelo Sempre Vivas 2024 em Divinópolis, no Centro-Oeste do Estado.
18/03/2024 - 16:41 - Atualizado em 18/03/2024 - 17:16Não é fácil ser mulher no Brasil. De um lado, sobrecarga de tarefas e de funções em vários aspectos da vida, do outro, um papel ainda secundário na sociedade, sobretudo quando o que está em jogo são as decisões que podem começar a reverter desse cenário.
Essas constatações foram reforçadas nas discussões realizadas em Divinópolis (Centro-Oeste), na noite da última sexta-feira (15/3/24) do Sempre Vivas 2024, evento realizado anualmente pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com o objetivo de ampliar a discussão, conscientizar e mobilizar as mulheres para irem à luta.
Durante todo o mês de março, a ALMG realiza com o Sempre Vivas uma série de atividades alusivas ao Dia Internacional da Mulher (8 de março), em torno do tema “É tempo de reconhecer o valor das mulheres”. O encontro de Divinópolis foi o primeiro debate realizado no interior do Estado. As apresentações e debates foram sediadas no Campus Centro Oeste Dona Lindu, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
Nesta segunda-feira (18/3), a mesma discussão está acontecendo em Poços de Caldas (Sul). Os próximos encontros do Sempre Vivas serão em Teófilo Otoni (Jequtinhonha/Mucuri), nesta sexta (22); e Diamantina (Central), no próximo dia 25/3. A programação foi aberta no último dia 5, com um ciclo de debates na sede da ALMG.
O Sempre Vivas é uma iniciativa da ALMG, por meio da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Vários coletivos de mulheres, entidades e órgãos ligados à pauta feminina são parceiros do Poder Legislativo. A cada ano, o Sempre Vivas destaca um tema específico, abordando assuntos relevantes para a condição feminina.
A presidenta desse colegiado, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), comandou os trabalhos em Divinópolis e reforçou ser fundamental interiorizar esse debate, sobretudo sobre o combate à violência de gênero e a sub-representação feminina em posições de liderança na política e na sociedade em geral.
“Temos no nosso Estado 853 municípios e regiões muito diferentes entre si. Sair da estrutura física da Assembleia para ouvir as mulheres e conhecer suas diferentes realidades nos dá mais condições de aprimorar a fiscalização das ações do Executivo e de fazer proposições”, destaca Ana Paula Siqueira.
E, na avaliação da parlamentar, pelo balanço dos debates, fica cada vez mais claro que são problemas que se complementam para reforçar a opressão. “Faz toda a diferença estarmos aqui para escutá-los diretamente dessas mulheres. Precisamos tirá-las da invisibilidade e dar a dignidade de estar numa sociedade que oferece a elas todos os direitos que elas efetivamente têm”, concluiu a deputada.
Centro-Oeste carece de políticas e equipamentos públicos
A deputada Lohanna (PV) também reforçou a importância da presença do Sempre Vivas no Centro-Oeste do Estado. “A gente precisa aproximar o poder público das pessoas. Realizar um debate destes à noite, quando ela já saiu do trabalho, ainda mais pensando no papel da mulher na sociedade atual, é relevante”, avalia a parlamentar.
Segundo ela, na Região Centro-Oeste faltam mais investimentos do poder público em políticas e equipamentos visando assegurar os direitos das mulheres. “Apesar de nossa proximidade com a Capital, de termos ligação fácil com outras regiões, o que estimula nossa economia, temos ainda uma grade defasagem”, lamenta Lohanna.
Um dos aspectos apresentados no debate em Divinópolis é que a invisibilidade política contribui para essa lacuna. Afinal, 88% dos prefeitos brasileiros são homens. Dos 853 municípios mineiros, 22% não têm sequer uma vereadora e 39% têm apenas uma.
No caso das prefeituras, a avaliação é de que este cenário até tem mudado, mas tão lentamente que o número de mulheres e homens à frente dos Executivos municipais só deve se igualar em 144 anos.
A situação vivida pela vereadora por Itaúna, na mesma região, Edênia Alcântara (PV), ilustra essa invisibilidade. Mulher negra, ela contou nos debates em Divinópolis que teve que voltar ao trabalho apenas cinco dias depois do parto do filho, porque no regimento interno da câmara local não há previsão de licença-maternidade. Ela manteve o mandato, mas não escapou de ser criticada por outros parlamentares.
“Não é brincadeira, não é mal-entendido, foi violência política de gênero. Temos uma lei aprovada (Lei 24.466, de 2023) que tipifica isso como crime. As mulheres que se envolvem com a política, sobretudo as vereadoras por todo o interior de Minas Gerais, um Estado gigante, precisam saber disso e que elas não estão sozinhas”, apontou a vereadora.
E a violência que tenta silenciar as mulheres nos espaços públicos mata cada vez mais dentro de casa. Só no ano passado, foram registrados 184 feminicídios em Minas Gerais, enquanto as denúncias de agressões somaram 155 mil, embora a avaliação de especialistas indique ainda um alto percentual de subnotificação.
A delegada Amanda Pires relatou aos participantes do evento que em torno de 90% das mulheres vítimas de feminicídio não contam com medida protetiva de urgência. "Isso ilustra o problema da subnotificação e, portanto, da grande importância que os casos sejam notificados para que as autoridades possam atuar", reforçou a policial.