Moradores de Itabira temem expansão da mineradora Vale
Itabirenses se queixam de falta de água, trincas nos imóveis e de terem sido retirados de suas casas, entre outros danos que atribuem à mineradora.
Uma antiga casa de pau a pique protegida por uma cobertura metálica é um dos símbolos da identidade da comunidade quilombola de Capoeirão, no município de Itabira (Região Central). Erguido há quase três séculos, o pequeno “casarão", como é chamado, foi o primeiro imóvel tombado em uma comunidade rural em Itabira. É símbolo de uma ancestralidade forjada com a água e a terra daquele local, água e terra que agora os moradores sentem ameaçadas pela exploração de minério de ferro na Mina da Conceição, da mineradora Vale, que fica a cerca de 6 quilômetros da comunidade.
A comunidade de Capoeirão foi a primeira parada de uma visita a Itabira realizada nesta segunda-feira (15/9/25) pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O objetivo foi ouvir a população sobre os danos causados pela exploração do minério de ferro realizada pelo grupo Vale. Em Itabira, a Vale é a proprietária da mina Cauê, já esgotada, e outros dois grandes complexos minerários ativos: Conceição e Minas do Meio.
O que as parlamentares Bella Gonçalves (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT) viram no Capoeirão é que a água foi a primeira a sumir. Para explorar cavas de grande profundidade, as mineradoras precisam drenar a água do subsolo, o que prejudica todo o lençol freático da região. Em Itabira, isso vem causando falta de água tanto na zona urbana como rural, especialmente nos pontos mais altos. Em 2020, um Termo de Ajustamento de Conduta foi firmado entre a prefeitura, a Vale e a empresa municipal de água e esgoto, para captar água no distante Rio tanque, com o objetivo de garantir o abastecimento ao menos da região urbana, que ainda falha frequentemente, inclusive na qualidade da água.
Na comunidade do Capoeirão, não existe abastecimento canalizado. Antigamente, a população contava com as minas d’água abundantes, que secaram. O abastecimento hoje depende de um único poço em funcionamento. “A gente tem quatro baldes de água por dia, quando tem água”, afirmou Gleiciane Martins, uma das moradoras da comunidade.
Após perder a água, os moradores do Capoeirão vivem com medo de perder a terra. Hudson Anunciação teme o projeto de expansão da Mina Conceição, assim como a especulação imobiliária de pessoas que não são quilombolas e ocupam partes do território. Com relação ao projeto de expansão da Vale, Hudson disse que os moradores chegaram a ser convidados para audiências públicas, que pouco esclareceram. “São reuniões em que eles falam uma linguagem técnica, difícil de compreender. A comunidade acaba aceitando”, afirmou ele.
Hudson explica que o Capoeirão já foi reconhecido como comunidade quilombola, mas os moradores ainda não têm a posse da terra, pois o processo de titularização está no final de uma extensa fila no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Por causa disso, muitos moradores permanecem sem energia elétrica, pois a Cemig exige a documentação para instalar a fiação e transformadores, sem que isso seja cobrado. “Eles cobram R$ 20 mil para instalar um transformador. Não temos condições de pagar”, afirmou Haroldo Santos, outro dos moradores locais.
A prefeitura prometeu resolver o problema da água com a perfuração de um novo poço artesiano, no ano passado. Depois de meses, o poço está lá, mas apenas os canos chegaram, e a obra permanece inconclusa. A secretária de Meio Ambiente e Proteção Animal de Itabira, Elaine Mendes, participou da visita e garantiu que o Capoeirão é prioridade entre os sete poços artesianos perfurados na zona rural. “Não é só aqui que falta água, todas as comunidades rurais sofrem com o rebaixamento do lençol freático", afirmou Elaine Mendes.
A deputada Beatriz Cerqueira cobrou que a prefeitura fixe prazo para a conclusão da obra e a constituição de uma Assessoria Técnica Independente (ATI) para apoiar a comunidade nos entendimentos com a mineradora Vale. “Porque senão, eles manipulam a consulta prévia para legitimar a destruição do território”, advertiu a parlamentar.
A deputada Bella Gonçalves disse que as comunidades rurais de Itabira precisam ser incluídas no Termo de Ajustamento de Conduta entre a prefeitura e a Vale. “Aqui é uma comunidade que tinha água abundante. Não dá para a mineradora secar o lençol freático e a comunidade passar a pagar água”, declarou ela.
Moradores temem que igreja e bairro sejam engolidos por cava de mina
Os problemas de falta de água se repetem em bairros da zona urbana. Na Vila Amélia, segunda parada da visita realizada em Itabira, moradores já veem seus imóveis se desvalorizarem por causa do problema. “Estou sem água desde sábado. A água chega, mas não sobe. Não consigo alugar minha casa por falta d'água. Nossos imóveis vão desvalorizar porque as partes mais altas do bairro não tem água”, afirmou a moradora Célia Castro.
As queixas são inúmeras: falta de água, excesso de poeira, problemas de saúde física e mental. Tudo isso é mais grave no bairro porque ele é o que fica mais próximo a uma cava: a Mina Periquito, uma das que compõem o complexo das Minas do Meio. O grande medo dos moradores, no entanto, é com o projeto de expansão proposto pela Vale, que levará a borda da cava a uma distância de 200 metros da Igreja Nossa Senhora de Fátima. Os moradores temem sobretudo perder a sua igreja e suas casas.
“Um grande problema é o adoecimento mental: eu vou continuar morando aqui até quando?”, afirmou a irmã Silvia Aparecida Batista, freira da Congregação Filhas do Sagrado Coração de Jesus, explicando o sentimento dos moradores. “Tudo isso tende a acabar…”, afirmou ela, apontando para a igreja e todo o bairro. “Está se criando pânico entre os moradores. Esta comunidade faz parte da história religiosa da cidade, e o mais cruel que a mineradora faz é que ela não vem conversar”, afirmou a freira.
O avanço da cava em direção ao bairro está registrado nos mapas do estudo de impacto que compõe o Pedido de Anuência da Vale ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema). Esse processo ocorreu entre fevereiro e junho deste ano e acabou sendo aprovado.
Um dos conselheiros na época e membro do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira, Leonardo Ferreira Reis disse que foi a primeira vez na história da cidade que quatro dos conselheiros votaram contra um projeto da Vale. Além dele próprio, representando a sociedade civil, também votaram contra os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Câmara de Vereadores e da Secretaria de Saúde. “Este último justificou que o custo da saúde municipal vai aumentar, com um maior adoecimento da população”, afirmou Reis.
O processo de licenciamento para expansão das instalações da Vale em Itabira não tramita no escritório local da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Por ser considerado estratégico, o Governo do Estado determinou que ele seja conduzido pela Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Ela foi criada para agilizar o licenciamento desses empreendimentos.
A Semad também analisa em Belo Horizonte o processo para a renovação do licenciamento para operação geral da Vale em Itabira, que já venceu há 12 anos, segundo a deputada Bella Gonçalves, e vem sendo renovado automaticamente desde então. Por esse motivo, a deputada vai propor uma visita à Semad, na Capital.
Obras de contenção de barragens tiram moradores de suas casas
Enquanto o temor pela futura expansão da Vale assombra os moradores em Vila Amélia, o que tira a saúde mental dos moradores em Bela Vista são os reparos necessários para evitar o rompimento de barragens de rejeitos de minério deixadas pela exploração realizada no passado.
Os bairros Bela Vista e Nova Vista vivem à sombra do Sistema Pontal, constituído por uma barragem principal e seis diques alteados a montante. Quatro deles, mais distantes dos bairros, já foram descaracterizados (estabilizados e deixaram de receber rejeitos). Os dois maiores e ainda não descaracterizados são os diques Minervino e Cordão Nova Vista, justamente os mais próximos dos bairros.
De acordo com Luiz Parada, gerente da Vale responsável pela descaracterização, a previsão é que o processo seja concluído em 2029. Neste mês de setembro, a Vale concluiu a construção da estrutura de contenção a jusante (abaixo) do Sistema Pontal. A obra é uma medida preventiva para reforçar a segurança durante as obras de descaracterização destes dois diques mais próximos à área urbana.
Com 330 metros de extensão, essa obra se caracteriza pela fixação de uma fileira de estruturas tubulares de concreto. Cada uma destas colunas tem entre 1,2 metro e 1,5 metro de diâmetro. A altura máxima de cada uma delas é de 4,75 metros de altura, mas a profundidade de algumas chega a 29 metros.
Os moradores do Bela Vista mostram imóveis cheios de rachaduras que surgiram após o início das obras de fixação das colunas. “Há pontos em que a mesma trinca percorre três imóveis" afirmou Lucas Mageste, da Fundação Israel Pinheiro, responsável pela Assessoria Técnica Independente dos moradores do Bela Vista.
A Vale informou ter utilizado na obra uma tecnologia de cravação de estacas metálicas circulares que teria permitido a redução da vibração, geração de poeira e ruído. Ela também afirma ter adotado, durante as obras, providências como a umectação constante das vias, a fim de reduzir a poeira no ar, além de monitoramento contínuo da qualidade do ar, dos níveis de ruído e de vibração.
As garantias foram repetidas pelos funcionários da Vale aos moradores, durante a visita desta segunda-feira, mas isso não tranquilizou ninguém. “Antes eu não tomava remédio nenhum. Hoje eu tomo remédio para pressão e para dormir. Eu durmo assustada, com medo de tudo. Minha pressão já foi para 22 por 10. Eu vou ficando sozinha no bairro”, afirmou Raimunda da Costa, que vive no Bela Vista há 50 anos.
Mais de dez famílias do Bela Vista, vizinhas de Raimunda da Costa, foram transferidas para hotéis ou casas de aluguel pagos pela Vale, em função das obras de descaracterização das barragens. Os moradores também dizem já ter encontrado cobras e escorpiões, que teriam fugido do local onde as máquinas pesadas passaram a operar.
Uma obra de readequação sanitária também causa problemas entre a Vale, moradores e a prefeitura. Um dos obstáculos é que a empresa vincularia a reforma da rede de esgotamento sanitário à transferência, para o município, de uma área de sua propriedade que é ocupada pela população. O município resiste, uma vez que isso significaria assumir a responsabilidade pela indenização aos moradores pelas benfeitorias, que serão eliminadas pelas obras.
A deputada Bella Gonçalves ressalta que a obra feita pela Vale é necessária, mas é preciso discutir com os moradores para lhes garantir melhores condições de vida durante sua realização. “O que vemos hoje aqui é uma total falta de perspectiva sobre o futuro", avaliou a deputada.




