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Mais do que direito à matrícula, mães atípicas cobram inclusão em rotina escolar

Audiência na ALMG debateu descumprimento de direito legal à educação regular de crianças com autismo e apontou necessidade de maior capacitação nas escolas.

- Atualizado em 25/09/2025 - 15:22
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Bullyng, isolamento, exclusão velada, preconceito. Mães atípicas se revezaram em relatos emocionados e de cobrança do direito à escola para os filhos, tema discutido nesta quinta-feira (25/9/25), em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O objetivo foi avaliar o acolhimento de crianças com autismo nas escolas e as denúncias de recusa de matrículas, apesar da existência de lei que impede a prática. 

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O caso mais recente, com ampla repercussão, foi o do goleiro Cássio Ramos, do Cruzeiro Esporte Clube, que denunciou a dificuldade de garantir o direito básico à educação para a filha Maria, de 7 anos.

Realizada a pedido de vários deputados na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a reunião foi conduzida por seu vice-presidente, deputado Professor Wendel Mesquita (Solidariedade).

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Além de não ter a garantia de matrícula, participantes lembraram que o goleiro Cássio teve impedido o acesso de acompanhante para Maria na escola, expondo outra dificuldade denunciada na audiência por vários presentes. Não bastaria garantir a matrícula, mas precisaria haver a inclusão de fato no cotidiano da sala de aula.

Várias entidades e familiares denunciaram que, mesmo matriculadas, as crianças sofrem exclusão em tarefas escolares, festas, apresentações e mesmo convites diretos ou velados para se retirarem da escola.

Traumas reiterados

“Até hoje a escola só trouxe traumas para o meu filho, não trouxe benefício nenhum. Eu que não tenho especialização consigo lidar com ele, porque um profissional não dá conta? Acho que é mais falta de interesse”, analisou Wanessa de Souza, mãe atípica de Victor sobre sua peregrinação por escolas para o filho.

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Outra mãe atípica, Vanessa Cardoso de Araújo relatou que o filho não vai à escola desde maio. “Não tive negativa de matrícula, mas soube por outros que a professora estava tirando as canetinhas da mão dele. Elas são o apego dele, e se tiradas, acabam com meu filho”, contou ela, contendo lágrimas ao falar sobre a necessidade de acolhimento e compreensão do comportamento das crianças atípicas.

Ela procurou fazer sua parte, lançando um livrinho, o Mundo Colorido de Arthur, material que apresenta às escolas em busca de compreensão e, ao mesmo tempo, como conscientização de famílias típicas.

Segundo Vanessa, o desrespeito ao apego do filho às canetinhas ocorreu numa grande e renomada escola particular da Capital. E, infelizmente, deixou marcas.

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Ela ainda relatou que a direção da nova escola não teria acolhido tentativas de entrar com o filho, para que pudesse contribuir com a adaptação da criança ou conversar a respeito.

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Desafios e lacunas são apontados

Vereador de Belo Horizonte, Diego de Souza Sanches expôs que as violações de direito à matrícula ocorrem, na maioria das vezes, em escolas particulares. "E o pior é que acontecem de forma velada, dificultando a prova de que alí ocorre um crime”, expôs ele.

Para Diego de Souza Sanches, além da formação dos professores, a efetividade das normas ainda demanda a capacitação das famílias para que tenham, por meio de campanhas, informações sobre direitos e passos a serem dados em caso de descumprimento da lei.

Para Daniela Moreira, mãe atípica e advogada, presidente do Instituto de Habilidade de Criança Autista, além do direito à matrícula, está claro que o aluno atípico tem o direito legal de ter um profissional de apoio na escola regular. 

Mas ela apontou a necessidade de a legislação tratar sobre a natureza desse profisssional, se pode ser um particular contratado pela família, como no caso exposto pelo goleiro Cássio. Segundo o atleta, a presença em sala de aula da profissional especializada que acompanha sua filha desde os dois anos de idade foi recusada por várias escolas.

"A escola, seja particular ou pública, precisa ter um respaldo legal sobre o assunto, até porque precisa responder pela questão trabalhista", avaliou, sugerindo a apreciação de projetos de lei pela ALMG para preencher lacunas como essas. 

Para Bruna Morato Israel, consultora técnica da Federação das Apaes do Estado de Minas Gerais, é necessário também que sociedade e entidades atuem para eliminar barreiras atitudinais, aquelas provocadas por atitudes e visões deturpadas sobre a pessoa atípica.

Para isso, defendeu caminhos como práticas colaborativas entre os atores envolvidos, por meio da formação do professor para a quebra de preconceitos no ambiente escolar e fora, com a escuta do aluno e das famílias atípicas

Secretaria expõe estratégias na rede estadual

Apesar dos problemas apontados, a coordenadora da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Márcia Josiane Lima, disse que atualmente são implementadas três estratégias principais pela pasta, para proporcionar a permanência estudantil. 

Além da sala de recursos (a fim de eliminar barreiras de aprendizado), com financiamento para a compra de novos materiais, estudantes contam com profissional de apoio (para auxiliar em atividades como locomoção, alimentação e higiene) e professor de apoio à comunicação, linguagem e tecnologias assistivas (ACLTA). São oferecidos cursos de capacitação para servidores da rede estadual por meio do Centro de Referência em Educação Especial e Inclusiva (CREI). 

Ministério Público deve ser acionado

O vice-presidente da comissão anunciou ao final que vai entrar em contato com representantes do Ministério Público para entender se há canais de denúncia para que famílias possam comunicar casos de recusa de matrícula e outras discriminações.

Anunciou também outros encaminhamentos, como pedidos de informações ao Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (SinepeMG) e à Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, sobre matrículas de alunos atípicos e medidas para coibir práticas discriminatórias.

Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência - debate sobre o acolhimento de crianças com autismo em escolas mineiras
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Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência - debate sobre o acolhimento de crianças com autismo em escolas mineiras
“Nenhuma escola pode se recusar a receber matrícula de uma criança por sua condição. Quando isso ocorre, estamos diante de uma escolha não pedagógica, e sim de violação de direitos."
Professor Wendel Mesquita
Dep. Professor Wendel Mesquita
"Após o trauma na escola particular, hoje meu filho está matriculado numa escola municipal, porém chora só de passar perto e não aceita entrar."
Vanessa Cardoso de Araújo
Mãe atípica

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