Grupo tenta impedir visita da Comissão de Meio Ambiente a área ambiental, em Araçuaí
Deputada Beatriz Cerqueira, convidados e servidores de apoio foram escoltados para realizar a atividade de escuta da comunidade.
Ameaçada em sua função de fiscalizar e sob escolta da Polícia Militar, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) fez uma visita técnica, nessa quinta-feira (11/9/25), à Área de Preservação Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, em Araçuaí (Vale do Jequitinhonha). Um grupo que defende a redução de mais de 55% da área tentou impedir o acesso da deputada Beatriz Cerqueira (PT) ao local.
Munidos com faixas de protestos contra o Movimento de Atingidos pela Barragem (MAB), que acompanhava a averiguação, balões, carros de som e drone, o grupo bloqueou a entrada da APA. Os manifestantes ameaçaram a deputada e toda a equipe de servidores públicos e convidados que a acompanhavam. O assessor de Relações Institucionais na Prefeitura Municipal de Araçuaí, Higino Pedro Filho, cercou o carro da deputada batendo no vidro, gritando e chamando-a para sair. Diante do risco, a parlamentar se dirigiu ao Comando do Batalhão da PM e solicitou a escolta.
Outros manifestantes faziam vídeos e seguiam o carro com os servidores da Assembleia. Junto do grupo estavam outros representantes da Prefeitura, como o vice-prefeito Marcílio Silva Oliveira (Podemos), a secretária Municipal de Meio Ambiente, Alba Sousa, e Marcel Néia Viana, também da Secretaria, todos convidados para acompanhar a visita. O vice-prefeito negou participação na manifestação e disse que a responsabilidade seria do Movimento dos Chapadeiros, que apoia a venda de lotes antes preservados.
Mais tarde, os representantes da prefeitura foram desconvidados por Beatriz Cerqueira, ao afrontarem novamente seu trabalho parlamentar no ponto de encontro combinado.
“O que mais me preocupou (na visita) foi a violência, a hostilidade de grupos que se organizaram para impedir o nosso trabalho, as ameaças, a intimidação que fizeram logo no período da manhã. Se fizeram isso com a Assembleia Legislativa, eu imagino o que não estão fazendo com a comunidade no dia a dia”, afirmou a deputada. Ela considerou o ato uma emboscada, pela surpresa, pelos equipamentos à disposição para o bloqueio e a intimidação.
Com três horas de atraso, a equipe conseguiu chegar ao local e ouvir a comunidade, que se mostrou assustada com a situação.
Depois de tempos de paz, ameaças ao futuro
A APA Chapada do Lagoão foi criada pela Lei Municipal 89, de 2007, com 24,2 mil hectares (ha), após anos de tensão com os plantadores de eucaliptos, em conflito com as comunidades desde a década de 1980. Na ocasião de sua criação, foram cadastradas 139 nascentes e 399 famílias em seu território.
Em 27 de maio deste ano, o prefeito Tadeu Barbosa de Oliveira (PSD) sancionou a Lei 726, que altera a norma anterior, reduzindo a área para 10,7 mil ha, retirando 55,3% do tamanho original. Inicialmente, a intenção da prefeitura era reduzir em 6 mil ha, mas uma emenda do vereador Cleuber da Casa das Antenas (PSD) ampliou o corte da área de preservação. O parlamentar também estava participando do bloqueio à equipe da Assembleia.
A deputada Beatriz Cerqueira percorreu áreas ameaçadas pela redução: uma das cerca de 100 nascentes que ainda resistem, que abastece a comunidade de Malhada Preta, o quilombo do Girau, a propriedade de abacaxi de José Ferreira Vieira, o Zé Baixinho, e a comunidade quilombola Santa Rita de Cássia, onde também ouviu moradores do local.
A principal queixa das pessoas que podem ser atingidas pela diminuição da APA foi o fim da paz entre as várias famílias, instaurada em 2007, após a expansão da mineração no município, e que agora miram as novas áreas liberadas pela recente legislação.
“Colocaram uns contra os outros. Não temos mais a paz que tínhamos, é só desassossego, só desgosto”, lamenta Antônio Gomes Santos, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araçuaí e morador de Santa Rita.
“Não temos para onde ir”, afirmou Rita Pereira, conhecida como Preta, nascida e criada em Santa Rita. “Precisamos de socorro”, completou a raizeira Maria das Dores Pereira Martins Vieira. Depoimentos de insatisfação com os conflitos e preocupação com o futuro se repetiram ao longo de todas as conversas feitas durante a visita.
Biomas, modos de produção e famílias sob risco
A APA Chapada do Lagoão é considerada uma caixa d'água para a região e “ar condicionado” de Araçuaí, cidade que tem registrado temperaturas recordes em função da crise climática. É uma área com grande biodiversidade, apresentando os biomas cerrado, caatinga e mata atlântica (com vegetação de mata seca).
A redução da área, além de ameaçar fauna e flora abundantes, também coloca em risco modos de produção e a vida de comunidades tradicionais que cultivam diferentes espécies de grãos, frutas, plantas medicinais, entre outras. Produtores familiares que usam a terra de forma sustentável e protegem a área.
“Nas visitas às comunidades (constatamos) todas as preocupações com relação ao modo de vida, que está se alterando, às situações de adoecimento, aos problemas relacionados à saúde, muitos conflitos e muitas violações de direitos”, lamentou Beatriz Cerqueira.
Uma das justificativas do prefeito para a redução da área foi a regularização de famílias que moram no local e de parte da APA que estaria no município vizinho de Caraí, de pouco mais de 86 ha. Os argumentos foram rebatidos por convidados da visita. Todos acreditam no interesse minerário, especialmente do lítio, abundante na região.
Um dos representantes do MAB que acompanhou a visita, Lucas Martins Pereira, e o vereador de Araçuaí Danilo Borges (PT) explicaram a que a empresa Atlas Lithium já solicitou licença para exploração do lítio em área da APA e ampliação para os locais agora liberados. O licenciamento está sob litígio, por força de ação do Ministério Público, que tenta barrar a redução.
Vanderlei Pinheiro de Souza, presidente do Conselho Gestor da APA Chapada do Lagoão, recordou que as famílias vivem no local de forma regular e que os conflitos só iniciaram nos últimos três anos, a partir “da corrida pelo lítio”.
A deputada continua a averiguação dos danos da mineração na região do Jequitinhonha nesta sexta-feira (12), em visita à comunidade rural de Poço Dantas, no município de Itinga, onde também há reclamações por causa de impactos da atividade.



