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Ensino domiciliar gera divergências em reunião

Argumentos favoráveis e contrários à modalidade foram debatidos em audiência pública da Comissão de Educação.

06/12/2022 - 13:30 - Atualizado em 07/12/2022 - 07:55
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Argumentos favoráveis e contrários à educação domiciliar foram debatidos em audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na reunião, realizada na manhã desta terça-feira (6/12/22), foram discutidos em especial dois pontos: o que seria o “melhor interesse das crianças e dos adolescentes” e quais são os aspectos legais da questão no Brasil. 

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Ao falarem dos direitos das crianças, os convidados divergiram sobre socialização e diversidade/pluralismo. Para a presidenta da Associação das Famílias Educadoras de Minas Gerais (Asfemg), Marina Viana, socializar é “ensinar a viver em sociedade” e isso seria possível com a educação domiciliar.

Segundo a convidada, ainda, a escola não garantiria contato com a diversidade, já que em escolas públicas de periferia ou em escolas privadas caras, por exemplo, as crianças não convivem com crianças de classes sociais diferentes.

A pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação Infantil da Faculdade de Educação da UFMG Maria Cristina Gouveia questionou, porém, essas colocações. Segundo ela, existem dois tipos básicos de socialização. A primária é aquela feita no interior da família, a secundária é feita em instâncias públicas mais amplas, como as escolas.

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Nesse sentido, a convivência com crianças da mesma idade, que trazem experiências diferentes, seria, para a convidada, essencial para a socialização das crianças. Ela argumentou, ainda, que o ensino não é construído apenas na relação com o material didático, mas sim a partir da relação também com educadores, que têm formação especial para essa mediação, e com os colegas. “A criança precisa do outro para aprender”, concluiu. 

Em complemento a essa visão, o professor do Departamento de Educação da PUC Minas Teodoro Zanardi ressaltou que a educação exige que a criança entenda que vive em um mundo complexo, com diferentes sujeitos. E isso, para ele, só é possível em diálogo com as famílias, as religiões e a sociedade. Ou seja, as diferenças estão em todas essas esferas e na contraposição entre elas.

Outro ponto debatido a respeito da proteção das crianças foi a questão de situações de violência e abusos sofridas por elas. Marina Viana, presidenta da Asfemg, citou estudo que indica que 62% dos casos de abusos infantis seriam denunciados por membros da família, em especial as mães.

Já Maria Cristina Gouveia, da UFMG, questionou sobre os outros 38% de denúncias. Ela lembrou que essas são feitas por outros atores, como professores e membros dos conselhos tutelares. A convidada salientou, ainda, que há muitas situações em que a violência direcionada às crianças é também direcionada às suas mães, dificultando a saída desses indivíduos das situações de abuso sem a interferência de atores externos à família. 

Qualidade do ensino oferecido também é discutida

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A qualidade da educação oferecida às crianças e adolescentes também foi debatida. Para Marina Viana, o poder público não consegue dar respostas educacionais adequadas a todas as famílias, embora dê à maioria delas. Ela citou que algumas crianças têm maior ou menor capacidade de concentração ou facilidade de aprendizado e que só as famílias conhecem suficientemente tais particularidades para atendê-las.

Por outro lado, o professor Teodoro Zanardi apontou que a escola é um ambiente de distribuição de um tipo de conhecimento específico, o científico. Isso não estaria em oposição à educação oferecida pela família, já que esse é um âmbito de distribuição de outros tipos de conhecimento. Assim, é em parceria que famílias e escolas protegem as crianças, não em antagonismo.

O convidado afirmou, então, que entender a família como necessariamente um lugar de virtude, em oposição a locais públicos menos virtuosos, é uma visão marcada pelo “medo do conhecimento”. Para ele, não se pode negar às crianças o acesso a determinado tipo de conhecimento sem cerceá-la dos seus direitos. 

O presidente da Comissão Afirmativa e de Inclusão da UFMG, Rodrigo Ednilson de Jesus, concordou com os argumentos do colega e disse que o debate sobre a regulamentação da educação domiciliar no Brasil está associado à discussão de outro projeto, o da Escola sem Partido. Trata-se, então, na visão dele, de blindar as crianças do que é visto como ameaçador, ou seja, blindar de determinados tipos de conhecimento. 

Ele lembrou, ainda, que a educação é um projeto de sociedade, não de mercado. Ou seja, ela não deve ser meramente instrumento para o trabalho, mas sim um instrumento para melhor convivência social. “A educação não existe para fomentar a competição entre os indivíduos, para que vença o mais apto, em uma lógica de mercado. Ela deve reforçar as dimensões da solidariedade e de participação”, disse. 

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Já a presidenta do Instituto Livre para Escolher, Anamaria Camargo, discordou e chamou a lógica apresentada pelo outro participante como “coletivista”, que abrange, segundo ela, a coerção para práticas que não são voluntárias. Para ela, melhorar a educação implica em “competição, mercado e concorrência por recursos públicos”. Ela indicou, ainda, que países com reconhecida excelência educacional, como a Finlândia, permitem a educação domiciliar. 

Sobre a blindagem das crianças de acessarem certos conteúdos, o deputado Bruno Engler (PL) defendeu o direito das famílias de evitarem que seus filhos sejam expostos a aqueles que ele chamou de “antirreligiosos”. O deputado Cleitinho Azevedo (PL) concordou sobre a importância da liberdade das famílias para educar seus filhos.

O deputado Léo Portela (PL) disse que a Convenção Americana de Direitos Humanos considera que as famílias têm o direito de ter seus filhos educados conforme seus padrões morais e religiosos.  O deputado Bartô (PL), por sua vez, disse que as crianças que acessaram a educação domiciliar têm melhores notas nas provas de avaliação, o que seria indicativo da alta qualidade da educação oferecida.

Em discordância com os colegas, o deputado Betão (PT) questionou sobre quem teria condições de oferecer o ensino domiciliar aos seus filhos e apontou que é preciso ser professor para dar aulas.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento que deu origem a essa reunião, ressaltou que é importante pensar em resolver os problemas das escolas, como o bullying ou a falta de estrutura, não em retirar as crianças desse ambiente por causa desses problemas - essa retirada não seria um direito, mas sim uma reação a problemas não resolvidos. 

Convidados debatem competência estadual para legislar sobre a questão 

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Sobre os aspectos legais da discussão, as discordâncias são em especial sobre a possibilidade de o Estado, e não a União, regulamentar a educação domiciliar. Atualmente, tramita na ALMG o Projeto de Lei (PL) 713/ 2019, de autoria do deputado Léo Portela (PL), sobre a questão. No Congresso Nacional há também um texto em tramitação, o Projeto de Lei (PL) Federal 3.179/12, já aprovado pela Câmara dos Deputados e agora em apreciação do Senado. 

Para o advogado Alexandre Moreira, enquanto a lei federal não for aprovada, os estados podem regulamentar a questão. Ele citou o artigo 24 da Constituição da República, que coloca a educação como matéria de competência concorrente entre União e estados. Nesses casos, os estados podem legislar livremente sobre a questão até que legislação nacional trate do tema.

Ele afirmou, ainda, que a educação domiciliar já é praticada por milhares de famílias e o que se discute não é mais a existência dessa modalidade de ensino, mas sim se tal modalidade será ou não regulamentada pelo Estado. A falta de regulamentação, segundo ele, impede a fiscalização desse ensino e deixa essas crianças na invisibilidade.

Outro convidado, o professor Teodoro Zanardi, discordou do colega. Segundo ele, os estados poderiam legislar livremente sobre a questão se houvesse um vácuo normativo na União. Ele citou, então, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que traz a obrigatoriedade da matrícula e da frequência na escola de todas as crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos.

“Se você retira da criança a convivência nessas instâncias públicas, você a limita à socialização primária.”
Maria Cristina Gouveia
Pesquisadora da Faculdade de Educação da UFMG
Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia - debate sobre o modelo de educação domiciliar
Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia - debate sobre o modelo de educação domiciliar
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Convidados divergiram sobre a importância da socialização que a escola oferece às crianças TV Assembleia
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