Em tempos de internet, Código de Defesa do Consumidor demanda atualização
Consenso marcou abertura de fórum sobre os 35 anos da legislação; ampliação de Procons, ausente em 574 cidades mineiras, foi outro destaque.
- Atualizado em 19/08/2025 - 17:09Apontado como o melhor e mais completo do mundo, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro não traz, contudo, sequer a palavra internet, sinalizando a necessidade de atualizar a legislação. Foi um consenso manifestado na manhã desta terça-feira (19/8/25), na abertura do primeiro encontro do Fórum Técnico Direito do Consumidor: Por melhores leis e relações de consumo.
Realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) por acasião dos 35 anos do código, o evento teve como outro ponto comum entre os expositores a necessidade de fortalecimento e expansão dos Procons, como forma de conscientização acerca de boas relações de consumo e mediação de conflitos, inclusive para desafogar o Judiciário. Hoje o Procon está presente em apenas 279 dos 853 municípios mineiros.
O encontro prossegue durante toda a tarde desta terça (19), quando grupos de trabalho vão discutir propostas para aprimorar a legislação. O fórum terá outros três encontros, em 11 de setembro, 7 de outubro e 18 de novembro, abordando questões como prevenção de fraudes no comércio eletrônico, atendimento a usuários do serviço público e prevenção do superendividamento.
Destacando a importância do evento, o presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, desembargador Vallisney Oliveira, avaliou que o Código de Defesa do Consumidor é, sim, um marco, e o melhor do mundo, mas alertou que as leis não bastam. "É necessária sua aplicabilidade, que pode ser preventiva ou repressiva". Ele defendeu a necessidade de melhorar o andamento das ações coletivas no Brasil, inclusive dando nova redação ao texto, com uma linguagem que facilite a compreensão.
Alternativas de mediação
Em sua exposição, o desembargador Rogério Medeiros, 3º vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), autor do livro "Aplicação do Código de Defesa do Consumidor", avaliou que esse é um raro exemplo de lei que pegou. Por outro lado, ele apontou a necessidade de desjudicialização dos conflitos relacionados ao código, mas sem ferir garantias fundamentais, o que, segundo ele, passa por vários fatores: mudança cultural, fortalecimento dos Procons, adoção de instâncias como câmaras de arbitragem, valorização da justiça restaurativa e da educação da sociedade.
O desembargador Fábio Torres de Sousa, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), elogiou o Projeto de Lei (PL) 3.490/25, que cria o Programa Estadual de Fomento Informação para a interiorização dos Procons Municipais no Estado e tramita na ALMG.
MP destaca projeto Procon Minas Integrado
Em sua exposição, Christiane Pedersoli, coordenadora da assessoria jurídica do Procon-MG do Ministério Público Estadual, ressaltou que o órgão lançou no mês passado, em Governador Valadares (Rio Doce), o Procon Minas Integrado. O projeto visa apoiar técnica e juridicamente prefeitos, câmaras municipais e consórcios na implantação de programas locais ou regionais de defesa do consumidor.
Entre as alternativas citadas, Christiane Pedersoli considerou a criação dos Procons pelos próprios municípios como mais eficaz na defesa do consumidor, capaz inclusive de inibir a presença de maus fornecedores e do crime organizado nas cidades e contribuir para a credibilidade das empresas locais. Segundo a expositora, Campo das Vertentes e Mucuri/Jequitinhonha são as regiões com menos Procons em Minas.
O presidente do Conselho Empresarial de Assuntos Jurídicos da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), Tulio Renato de Souza, defendeu a inclusão de representantes dos fornecedores na gestão dos Fundos de Direitos Difuso (FDD), oriundos de multas e indenizações para reparar danos.
Já em sua vez, a presidente da 1ª Câmara do Conselho de Ética do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), Adriana Machado, disse que mais de 190 processos foram instaurados para investigar e punir más condutas em publicidade. Alguns exemplos envolvem propagandas voltadas às crianças e anúncios de apostas.
Para parlamentares, novas relações de consumo demandam atualização
A deputada Carol Caran (Avante), autora do requerimento do fórum e vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, defendeu a necessidade de desafogar a Justiça e a criação de uma câmara especializada no Judiciário. Ela cobrou o aperfeiçoamento do sistema nacional de defesa do consumidor.
Para o deputado Zé Guilherme (PP), presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária, a construção de um projeto de lei para atualização do texto deve avançar em questões como proteção a direitos de crianças, adolescentes e idosos, criação de fundos estaduais para a defesa do consumidor, modernização de normas sobre segurança e publicidade, acesso à justiça e interiorização dos Procons.
O presidente da comissão, deputado Adriano Alvarenga (PP), também ressaltou a importância dos Procons. "Quando há oportunidade de cada município ter o seu Procon, a população local fica mais protegida", avaliou na abertura.
O deputado Charles Santos (Republicanos) chamou a atenção para a proteção contra novas modalidades de golpes que vêm surgindo.
Propostas serão finalizadas por comissão de relatoria
O debate durante a tarde desta terça-feira aconteceu em dois grupos de trabalho que abordaram os temas: “o Sistema de Defesa do Consumidor em Minas Gerais” e “consumidores hipervulneráveis, segurança no consumo e publicidade". Foi eleita uma comissão de relatoria com 10 representantes de cada grupo.
Caberá a esses representantes concluir o documento de propostas, a partir das notas feitas durante o debate desta tarde e sugestões da Consultoria da ALMG. As propostas deverão ser votadas na etapa final do fórum, marcada para 17 de março de 2026.
Entre os assuntos mais debatidos nos dois grupos estão a necessidade de ampliar o número de Procons no interior do Estado, reforçar a educação para o consumo, conter abusos dos serviços notariais (cartórios), criar varas de defesa do consumidor em Belo Horizonte, mais empatia do Judiciário com vítimas que não conhecem a lei ou a tecnologia, combater abusos contra indígenas e prevenir vícios em jogos (especialmente eletrônicos).

