Eficácia de bacias de detenção em área do Córrego Cercadinho é questionada
Obras na Região Oeste de BH poderiam ter efeito contrário ao desejado, causando mais inundações. Prefeitura diz que projeto ainda não está definido.
03/10/2023 - 15:42A possível construção de três bacias de detenção na área de preservação ambiental do Córrego Cercadinho, nas imediações dos bairros Estoril, Estrela Dalva e Havaí, na região Oeste de Belo Horizonte, pode gerar ainda mais problemas de deslizamentos e inundações para os moradores.
Essa foi a denúncia feita por especialistas apresentada durante audiência pública da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta terça-feira (3/10/23).
Uma bacia de detenção é uma espécie de piscina de concreto vazia, construída para receber as águas provenientes das chuvas.
A geógrafa e coordenadora do Sub-Comitê da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Arrudas e coordenadora de Integração do Projeto Manuelzão/Instituto Guaicuy, Márcia Rodrigues Marques, explicou que as enchentes recorrentes na área não são causadas pelo córrego, mas sim por obras de drenagem mal planejadas.
“Nós estamos ocupando uma área indevida dentro da bacia, que deveria ser apenas para escoamento da água. Isso aconteceu por causa da mudança na lei de uso e ocupação do solo em 1994, que provocou uma explosão de prédios no Buritis. A mata ciliar, na área de preservação ambiental, já protege o córrego das enchentes, do lixo. Para que tirar a mata para implantar uma bacia de detenção?”, questionou.
A coordenadora também destacou a falta de diálogo da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) com os moradores e a ausência de estudos sobre os impactos que as obras terão na área da bacia hidrográfica, composta por rochas pouco resistentes e com estruturas inclinadas, com forte propensão a deslizamentos.
Presidente da Associação de Moradores do bairro Estoril, Maurício Paceli Machado disse que descobriu, de maneira inesperada, numa reunião da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), a previsão de realização das obras.
“Os projetos já estão prontos e concluídos e ninguém da comunidade opinou sobre. Queria saber se foi feito estudo sobre o impacto para os moradores da construção dessas bacias e o aumento de dengue e chikungunya que podem causar na área”.
Coordenadora do Coletivo Agroecológico do Centro Municipal de Agroecologia e Educação Ambiental para Resíduos Orgânicos (Cemar), Maria Ivonete Oliveira de Araújo também questionou o posicionamento da PBH de não ter feito qualquer consulta à comunidade e agora chantagear as famílias com a promessa de construção de uma ponte na área, aguardada há 12 anos.
“Junto com a ponte virão três bacias de detenção e uma rua passando por dentro do Cemar. Em plena crise climática, como fazer uma obra tão grande sem conversar com a comunidade? Atualmente, apenas 3% de BH está coberta por florestas, uma das capitais com menos verde do País”, disse.
Maria Ivonete também exibiu vídeos de reportagens jornalísticas em que foram mostrados, em outros estados, que as bacias de detenção não foram experiências positivas ou eficazes, tendo em vista que nas proximidades de áreas onde foram construídas as enchentes continuaram.
Idealizador e fundador do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Apolo Heringer Lisboa também fez críticas ao que chamou de “piscinões”.
“A construção é para engordar as empreiteiras, para dar dinheiro para a indústria das inundações. Foi assim que cobriram o Arrudas. Eles querem ganhar dinheiro. Se fossem técnicos aptos, não haveria enchentes em BH", disse.
Prefeitura alega que projeto está no início
Representando a PBH, a diretora de Planejamento de Empreendedorismo da Prefeitura de Belo Horizonte, Tricia Mota, alegou que não houve consulta pública para a realização das obras porque o projeto ainda está nos estágios iniciais.
“Contratamos estudos sobre o córrego que devem ser concluídos em junho do ano que vem e eles já apontam a necessidade de retenção de águas, que poderiam ocorrer por meio da construção das bacias, mas nada impede que esses planos sejam revisados. Ainda vamos passar pela etapa da captação de recursos e licenciamento do empreendimento. Não é uma iniciativa madura. Mas sabemos que haverá a renaturalização das margens, com retirada dos moradores da beira do rio, seguindo o plano diretor”, disse.
No entanto, a diretora explicou que ainda não está definido quando começa o cadastro das famílias e o reassentamento. “Tudo ainda está em andamento”, ressaltou.
Membro da Coordenação Colegiada do Grupo de Pesquisa Morar de Outras Maneiras (MOM), da UFMG, Roberto Eustáquio dos Santos questionou a falta de dados técnicos de engenharia que baseiam a opção da PBH pela construção das bacias de detenção como solução para as cheias provocadas pelas chuvas.
“Eu não confio nesse tipo de solução. A princípio, uma bacia de detenção teria potencial de reter um milhão de metros cúbicos. Mas o que isso significa em relação ao volume de água produzido pelo Córrego durante as chuvas? É suficiente? Queríamos ter acesso à base de cálculo que usaram para chegar nesse valor. Isso antes de qualquer decisão”, argumentou.
O professor destacou ainda que existem diversas outras soluções, de menor impacto e custo, que poderiam ser usadas para o escoamento da chuva na área. “Valas, Teto Verde, Jardim de Chuva, Mini Reservatórios, precisávamos simular e estudar para encontrar soluções menos desrespeitosas, mais inclusivas e menos agressivas para a área", disse.
A defensora pública da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais de Minas Gerais, Cleide Aparecida Nepomuceno, também pediu um estudo da eficácia e dos impactos ambientais das obras pela Prefeitura, para que o debate seja feito com mais eficiência.
Autora do requerimento para a realização da reunião, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) afirmou que a Comissão de Administração Pública fará visita técnica à área do Córrego Cercadinho, para conhecimento da área.

