Dados do INSS não têm proteção suficiente e compartilhamento com bancos amplia o problema
A conclusão é de responsáveis por órgãos de defesa do consumidor, que participaram de audiência na Assembleia, nesta terça (27), sobre o escândalo dos descontos ilegais em aposentadorias e pensões.
27/05/2025 - 13:34 - Atualizado em 27/05/2025 - 14:35Instituições de defesa do consumidor apresentaram, em reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), medidas judiciais e políticas para compensar segurados lesados pelas fraudes recentemente reveladas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Defenderam a devolução em dobro do dinheiro descontado indevidamente, além da melhoria do aparato legal de defesa de dados e de acesso a aposentadorias e pensões.
As fraudes deixaram evidente a fragilidade da proteção dos dados. O compartilhamento deles com os bancos amplia a possibilidade de que os segurados sejam lesados financeiramente.
A apresentação das medidas foi feita durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor e do Contribuinte, realizada a requerimento da deputada Carol Caram (Avante). A reunião, nesta terça-feira (27/5/25), tratou das fraudes reveladas pela Operação Sem Desconto, da Polícia Federal (PF). As investigações indicaram que R$ 6,3 bilhões foram descontados ilegalmente de aposentadorias e pensões.
Na fraude revelada pelas investigações da PF, associações cobravam os valores mensais para realização de serviços como convênios com planos de saúde. Foram detectados também descontos indevidos de prestações relativas a empréstimos consignados. Em nenhum dos casos, porém, havia autorização dos segurados. A Polícia Federal também indicou que a falsificação das adesões eram prática de algumas das associações.
O aposentado Neacir Serrano de Oliveira foi uma das vítimas. Ele contou que chegou a procurar a instituição financeira para cessar os descontos, mas não foi atendido. Foi, então, ao Procon. Em audiência promovida pelo órgão de defesa do consumidor, o responsável pela associação que estava fazendo descontos em sua aposentadoria apresentou um áudio em que uma voz de mulher autorizava tal procedimento. A associação alegava que a voz era de Neacir.
Esse tipo de problema chega com frequência à Defensoria Pública Estadual, segundo o defensor Paulo César de Almeida. Ele afirmou que o aumento de reclamações sobre descontos indevidos de segurados do INSS já havia sido registrado em 2024. Segundo ele, o órgão começou a identificar padrões e repetições de algumas associações.
Contra apenas uma delas, existem 625 processos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) solicitando a devolução de dinheiro. Como explicou Paulo César, uma ação civil pública impetrada pela Defensoria pede a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, além do bloqueio de R$ 66 milhões de uma das associações.
O bloqueio tem o objetivo de garantir que a associação devolva o dinheiro dos segurados. O receio é que esses recursos se percam e o poder público tenha de arcar com os prejuízos.
A delegada Elyenni Célida da Silva, da 1ª Delegacia Especializada em Defesa do Consumidor da Polícia Civil, disse que a corporação já estava investigando uma organização criminosa que fraudava os descontos do INSS.
Bancos multados, mas idosos ainda indefesos
Durante a reunião, o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Vitor Hugo Ferreira, apresentou sanções administrativas que podem ser adotadas em decorrência das fraudes no INSS. Segundo ele, a Senacon já realiza procedimentos internos de apuração de problemas com créditos consignados.
Como exemplo, ele afirmou que, em 2024, bancos como Itaú e Safra receberam multas por problemas nessas operações. O primeiro foi multado em R$ 9 milhões e o segundo, em R$ 2,4 milhões.
Na outra ponta, os mais vulneráveis parecem não ter muita gente que os defenda. O presidente do Conselho Estadual da Pessoa Idosa, Renato Gregório de Jesus, e a vice-presidenta do Conselho Municipal do Idoso de Belo Horizonte, Madalena Ribeiro, relataram dificuldades.
Além dos entraves naturais de mobilização nessa faixa etária, falta aos conselhos autonomia administrativa e financeira para garantir a infraestrutura necessária para agir.
Proteção de dados de segurados precisa ser ampliada
Para além de buscar identificar e punir as associações, os convidados falaram sobre a urgência de se melhorar a proteção de dados dos segurados. “Foram descobertos (na operação da PF) 400 dispositivos internos, chamados de chupa-cabra, nos computadores do INSS. Eles ajudavam no vazamento de dados. Mas o problema maior não é esse, e sim o acordo de cooperação técnica que o órgão tem com os bancos”, afirmou a presidenta do Instituto de Defesa Coletiva, Lílian Salgado.
Segundo Lílian, o acordo autoriza que os dados sejam compartilhados com as instituições financeiras assim que o segurado adquire a senha ouro no portal Gov.br. Ela disse, ainda, que há 22 anos as normativas indicam que a fiscalização e a punição de abusos dessas instituições financeiras é competência do INSS, mas que não há estrutura na autarquia para tal fiscalização, de forma que nenhum instituição ou associação foi punida por essa via.
Ela defendeu a aprovação de lei federal que proíba o crédito consignado. “O INSS não consegue intermediar essas operações e o resultado é o superendividamento de idosos e o lucro bilionário das instituições financeiras”, disse.
“Em todos os casos, fica nítido o vazamento de dados do INSS. E isso não é novidade. Basta entrar com o pedido de aposentadoria que todo aposentado já começa a receber ligações de instituições bancárias oferecendo empréstimos consignados”, reforçou a vice-presidenta da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Shirley da Rocha Santos França.
Procon Assembleia relata aumento de casos
A assessora jurídica do Procon Assembleia, Ângela Noronha Renault, confirmou que os descontos associativos indevidos começaram a ser notados no atendimento do órgão a partir da procura de aposentados nos últimos anos para tentar resolver problemas relacionados, inicialmente, a empréstimos consignados.
“Na totalidade dos casos, os aposentados sequer sabiam do desconto. No início, até conseguimos negociar o fim dos descontos e a devolução de valores, mas com a divulgação desse escândalo no início do ano, agora isso acabou”, relatou. E em todos as negociações, segundo a assessora, ficou provado que as associações não tinham os termos de adesão, o que indica a irregularidade dos descontos.
Foram 159 casos desse tipo em 2024. Em 2025, até abril, 128. Diante da enxurrada de denúncias desde o escândalo, o Procon Assembleia em encaminhado as vítimas para a Polícia Civil, apesar de também abrir procedimento e informar as pessoas sobre as orientações do INSS para devolução de valores.
A assessora do Procon do Ministério Público de Minas Gerais, Regina Sturm Vilela, também confirmou o aumento de casos notificados, que estão sendo encaminhados agora para a área criminal do órgão. Ela destacou ainda a urgência de se reforçar a educação para o consumo da população, sobretudo na terceira idade, objetivo do Projeto “60+ Revelando direitos e desarmando golpes”.
Responsabilização
A deputada Carol Caram classificou a fraude no INSS de “maior escândalo de corrupção diretamente contra os cidadãos”. Ela defendeu a prisão de responsáveis pelas associações implicadas e de servidores do INSS que colaboraram no esquema.
O deputado Adriano Alvarenga (PP) defendeu que o governo federal deve ser pressionado para se posicionar de forma mais contundente e contribuir para encontrar os responsáveis pelo esquema.

