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Construção de ramal ferroviário é tragédia anunciada na RMBH

Esse foi o balanço de visita da Comissão de Meio Ambiente a áreas na rota dos trilhos de projeto para escoar produção minerária em Igarapé e São Joaquim de Bicas.

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Se empresas mineradoras conseguirem instalar um ramal ferroviário que pode comprometer 78 córregos e unidades de conservação na região, Igarapé, município da Região Metropolitana, em breve não poderá mais fazer jus ao nome, de origem tupi: caminho de canoa ou caminho de água. O mesmo destino pode ser compartilhado pelo município vizinho, São Joaquim de Bicas.

Essa é a conclusão da visita técnica da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada ao longo de sexta-feira (9/5/25) a parte da região que será cortada pelos trilhos. A atividade atendeu a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT) e contou com a participação da deputada Lohanna (PV).

Com aproximadamente 32 quilômetros, o Ramal Serra Azul, projeto da Cedro Participações, também impactaria os municípios de Mateus Leme e Itaúna. Conectado à Malha Regional Sudeste, ele atenderia a um fluxo anual estimado de 25 milhões de toneladas de minério de ferro para exportação pelo Porto de Itaguaí (RJ).

O projeto ameaçaria a segurança hídrica de boa parte da capital e da RMBH, já que o Sistema Serra Azul é alimentado pelos mesmos cursos d’água ameaçados. Assim, a mineração instalada na região já seria a responsável direta pela extinção de nascentes ou diminuição de fluxo de outras dezenas deles, conforme atestam pequenos produtores rurais e moradores ouvidos pelas parlamentares.

Para piorar, na rota dos trilhos estariam dezenas de pequenas propriedades rurais dedicadas à produção de hortifrutigranjeiros, diversos condomínios e bairros residenciais, que podem ser prejudicados porque o projeto demandaria uma série de desapropriações de imóveis.

O projeto do Ramal Serra Azul não pouparia da poluição ambiental e sonora nem mesmo o Hospital 272 Joias, construído em Igarapé com recursos da indenização do rompimento da barragem de Brumadinho (RMBH), um retiro religioso e uma aldeia pataxó, conforme presenciaram as deputadas ao longo da visita técnica.

Voltado para terapias naturais e integrativas, no Centro de Vida Madre Clarice, da congregação católica das Irmãzinhas de Imaculada Conceição seria afetado diretamente. Os vagões carregados com minério podem passar por cima de onde está uma capela, a Tenda de Maria, no local que foi erguido há 30 anos, no bairro Ouro Verde, em Igarapé. Lá, a Irmã Graciema Terezinha Tamanho, de 82 anos, confia na mobilização popular e no reforço das orações para reverter o projeto.

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Em comum no relato da Irmã Graciema e de dezenas de outras pessoas ouvidas ao longo da visita da Comissão de Meio Ambiente está a atuação sorrateira de pessoas supostamente ligadas ao projeto do Ramal Serra Azul.

Representantes da Prefeitura de Igarapé disseram não terem sido ainda procurados, embora moradores tenham relatado o sobrevoo frequente de drones, a sondagem de terrenos inclusive com a invasão de propriedades e até mesmo o envenenamento de árvores que teriam que ser suprimidas.

O clima geral é de apreensão com a ausência de informações oficiais, embora já estejam sendo veiculados peças publicitárias em veículos de comunicação elencando todas as vantagens do projeto, como a diminuição do fluxo de caminhões carregados de minério em toda a região.

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O secretário de Meio Ambiente de Igarapé, Pedro Américo Batista de Oliveira, confirma a ausência de informações mais precisas sobre um empreendimento que, segundo ele, pode acarretar danos irreversíveis para o município, que tem 64% do território como área de proteção.

Sua secretaria já elaborou um mapa com o suposto traçado da futura ferrovia com informações obtidas junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que aceitou em outubro do ano passado o pedido para construção. Em março deste ano, a agência declarou o empreendimento de utilidade pública, permitindo, inclusive, a realização de desapropriações.

O começo das obras está previsto para novembro de 2029 e sua conclusão para novembro de 2033, com início da operação em novembro de 2034.

O vereador Webert Souza Ferreira (PV) serviu de guia durante a visita da Comissão de Meio Ambiente e lamentou que não haja informações oficiais da Câmara Municipal de Igarapé sobre a intervenção, o que só aumenta o temor quanto a possíveis malefícios.

O secretário municipal Pedro Américo destacou como possível consequência o fim do Projeto Guardião dos Igarapés, que há dez anos estabelece parcerias de atuação sustentável com pequenos produtores rurais, de modo a garantir água de qualidade para o Sistema Serra Azul.

“Já temos ciência que o traçado é insustentável do ponto de vista ambiental e jurídico. Mas, se mesmo assim ele for implementado, será uma tragédia. Os impactos para Igarapé e os municípios do entorno serão muitos graves”, afirmou Pedro Américo.

Ele lembrou que já procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) e, segundo informações fornecidas à Prefeitura de Igarapé, o processo de licenciamento ambiental ainda não começou a tramitar.

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Segurança hídrica da capital pode ser ameaçada

No roteiro da visita da Comissão de Meio Ambiente estavam os córregos Estiva e Mosquito e o Ribeirão Carandaí, que nascem no alto da Serra de Igarapé e são importantes na alimentação do sistema de abastecimento de água Serra Azul.

Por sinal, nesta mesma serra, situa-se a Pedra Grande, monumento natural também ameaçado pela atividade minerária e que já foi tema de ações da mesma comissão.

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A futura ferrovia poderia cortar o terreno dos condomínios Vale da Serra e Morada da Serra, ao lado dos quais passa o Córrego Estiva. Em consequência, o vai e vem de trens de minério destruiria o que hoje é um refúgio da vida tumultuada da cidade.

No primeiro, o suposto traçado passaria pela praça principal, área de lazer e de reuniões sociais. A estimativa é de que, somando condomínios e bairros, 5 mil famílias podem ser impactadas somente em Igarapé

E no Córrego Mosquito, no Bairro Vivendas Santa Mônica, também em Igarapé, o temor dos moradores é que uma pequena cachoeira possa desaparecer, conforme atesta a geóloga Daniela Cordeiro. Ela lembrou que a futura ferrovia passaria pela Área de Proteção Especial (APE) Bacia Hidrográfica do Ribeirão Serra Azul e a Área de Preservação Ambiental (APA) Igarapé.

“Para se construir uma ferrovia, são necessários cortes e aterros. Isso pode significar o fim de cursos d’água como o Córrego do Mosquito, de água limpa e cristalina, com risco de desabastecimento do Sistema Serra Azul”, atestou a especialista.

No Ribeirão Carandaí, na região do Bairro Farofas, já na divisa entre Igarapé e São Joaquim de Bicas, a água cristalina que vem direto da Serra de Igarapé garante a irrigação de dezenas de pequenas propriedades nas imediações. Em estufas ou a céu aberto, elas produzem, entre outros itens, couve, alface, tomate, chuchu e milho, as mais visíveis no trajeto da visita da Comissão de Meio Ambiente.

Nesse roteiro, foi possível ver ainda as obras de terraplanagem de um dos dois pátios de rejeitos da futura ferrovia, distante apenas 500 metros do Hospital 272 Joias.

E, na sequência, o caminho dos trens deve passar por cima de uma plantação de pitaias da Fazenda Tatu, situada aos pés da Serra da Igarapé. Lá, como nos demais locais visitados, dezenas de moradores se reuniram para expressar apreensão.

“O primeiro erro mais grave de tudo isso foi o de comunicação. Ninguém sabe de nada, nem mesmo as autoridades. Se nós seremos os mais atingidos porque não nos explicaram nada ainda?”, questiona Elia do Carmo Henriques, que nasceu e mora na Fazenda Tatu há 30 anos.

Ela denuncia que um empresário de Betim comprou recentemente grande extensão de terras improdutivas nas imediações, o que ela considera um indício de especulação imobiliária, já que toda a área pode ser alvo de desapropriações.

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Nova ameaça no ar após rompimento de barragem

A última parada da visita foi na Aldeia Indígena Pataxó Naô Xohã, situada em um terreno sob proteção federal, com 374 hectares, às margens do Rio Paraopeba, em São Joaquim de Bicas.

Lá, a comitiva da Comissão de Meio Ambiente foi recebida com danças rituais de saudação, ao som de maracás, o que, segundo o Cacique Sucupira, simboliza o desejo de todos de viverem em paz com a natureza sem serem perturbados por mais trens.

É que a cerca de 300 metros da aldeia já passa a ferrovia principal de escoamento de minério, ao qual o Ramal Serra Azul se ligará. No território, segundo ele, existem duas nascentes que podem ser comprometidas, somando-se ao dano já contabilizado no Paraopeba, ainda de coloração vermelha pela avalhanche de rejeitos de minério pelo rompimento da barragem de mineração da Vale, em 2019.

“Cada árvore, cada rio, é sagrado para nós. Eu e meu povo não vamos permitir que nossa terra seja destruída. Nós vamos resistir”, prometeu o cacique.

Mobilização e resistência foram as mensagens deixadas ao longo da percurso pela deputada Beatriz Cerqueira. Ela anunciou que o relatório técnico da visita vai embasar ações junto ao Ministério Público e ANTT.

Os próximos passos serão novas visitas nas áreas atingidas em Mateus Leme e Mário Campos, também na RMBH, além de na Semad, para cobrar uma ação mais efetiva na questão.

Na mesma linha, a deputada Lohanna apontou que a visita técnica da Comissão de Meio Ambiente ajudará a provar que o traçado do futuro ramal ferroviário precisa, no mínimo, ser modificado.

“Essa ferrovia vai impactar áreas muito diversas, quatro municípios, a reserva hídrica praticamente da RMBH inteira, e até comunidades tradicionais. Isso não pode ser ignorado”, defendeu a parlamentar.

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Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Visita a Igarapé e São Joaquim de Bicas, para verificar impactos de futura ferrovia

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Moradores estão alarmados com o projeto de construção da linha férrea TV Assembleia
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Visita a Igarapé e São Joaquim de Bicas, para verificar impactos de futura ferrovia
“Esse projeto é demoníaco. Este é um local especial de contato com a natureza, porque é a natureza que cura. Não tem dinheiro que pague isso, cuidar da vida e do planeta é mais importante. É claro que esse dinheiro que vem da destruição da Natureza vai causar mais destruição. Eu não pego um centavo dele”.
Irmã Graciema
Fundadora do Centro de Vida Madre Clarice
“Essa ferrovia representa a destruição de nascentes, de modos de vida, de comunidades inteiras, até mesmo de uma aldeia indígena. Quem pensou e aprovou esse traçado desconhece o território ou então quer mesmo destruí-lo, sob o risco de retirar até mesmo a segurança hídrica de Belo Horizonte. Já começaram a invadir territórios para fazer pesquisas sem que os municípios soubessem, o que demonstra a gravidade dessa ação criminosa”.
Beatriz Cerqueira
Dep. Beatriz Cerqueira
“A ANTT não seguiu o básico antes de permitir a implementação dessa nova ferrovia, como ouvir primeiro a comunidade. Isso precisa ser questionado e, sobretudo, derrubado. Eles precisam entender que nós não desistiremos. As pessoas estão lutando pelas casas delas, pela terra delas, pela água que bebem e usam. Isso é muito sério e não é pouca coisa.”
Lohanna
Dep. Lohanna

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