Comunidades criticam acordo sobre uso de aquífero pela Coca-Cola
Termo firmado no MP sobre empreendimento que impacta região de Brumadinho teria sido feito sem consultar população afetada por falta de água.
“Enquanto o lucro da Coca-Cola cresce, a água diminui em Campinho e Suzana”. Dezenas de faixas de protesto como essas cobriram, nesta terça-feira (10/9/24), um dos auditórios da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), durante audiência que voltou a discutir os impactos de empreendimento da empresa para as duas comunidades de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O problema começou em 2015, com a exploração das águas subterrâneas do aquífero Cauê pela empresa Saae-Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabirito, para abastecimento da Coca-Cola (Femsa). Agora, o fato novo foi um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado no Ministério Público em junho deste ano.
O órgão não se fez presente, justificando em ofício lido na reunião que “o tema foi amplamente debatido com a comunidade e celebrado termo que atende aos melhores interesses socioeambientais e comunitários”.
Representantes das comunidades, contudo, protestaram, dizendo não terem sido consultados ou informados sobre o acordo. Críticas também foram direcionadas ao Igam, o Instituto de Gestão das Águas.
No entendimento de moradores e ambientalistas, bem como da deputada Beatriz Cerqueira (PT), que pediu a audiência na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável junto com a deputada Bella Gonçalves (Psol), o Igam já teria indícios suficientes sobre o impacto do empreendimento e deveria atuar de forma mais firme na situação.
Para lideranças de Campinho como Cláudio Bragança, a situação chegou ao limite. “Ficou desconfortável viver na comunidade, onde falta água até para tomar banho e isso tem provocado atritos entre vizinhos”, desabafou ele.
Mariana Fernandes Lima, presidente da Associação de Moradores da Comunidade de Suzana, lamentou o fato de, até hoje, haver necessidade de uma mobilização pelo direito à agua.
O geólogo Ronald Fleisher mostrou imagens de satélite sobre a posição da Coca-Cola em relação a nascentes na região, em apresentação na qual fez um histórico da situação.
“A empresa puxou a água e secou as nascentes”, resumiu o biólogo e ambientalista Gilson Reis, para quem ainda é preciso aprofundar apurações em torno da responsabilidade da empresa e dos órgãos e instâncias relacionados à situação.
Revisão do monitoramento da água estaria em acordo
Maria Antônia Aguiar, cooordenadora do Jurídico da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Brumadinho, disse que o licenciamento do empreendimento da Coca-Cola não foi feito pelo município. Conforme argumentou, a secretaria não figurou como parte do TAC que motivou os protestos na audiência, apenas intermediava entendimentos.
Segundo ela, o TAC veio para ser uma solução consensual dentro do inquérito civil público que corre em Brumadinho, para que a empresa Saee de Itabirito assegurasse, por exemplo, uma fonte regular de água para Campinho.
Pelo TAC, no prazo de 180 dias, deve ser revisto pela Saee o plano de monitoramento de água. Foi dado ainda prazo de 365 dias para que outros estudos identifiquem alternativas técnicas de abastecimento complementar, de forma a minimizar impactos do bombeamento em nascentes da região.
Por sua vez, segundo Maria Antônia Aguiar, a Coca-Cola se obriga a providenciar a perfuração de poço de captação de água subterrânea para abastecer Campinho. Já o Município de Brumadinho se obriga a dar apoio técnico e operacional à viabilização do poço e à comprovação de sua viabilidade quanto à vazão adequada, cabendo à empresa arcar com os custos e com a instalação dos equipamentos necessários.
Trata-se, segundo observou, de uma operação assistida para operar, gerir e manter o sistema até que haja o repasse definitivo de uma rede de abastecimento que, segundo ela, é tratada no TAC.
Conforme inquérito sobre o caso, a Coca-Cola acertou garantir o abastecimento das comunidades por caminhão pipa até que houvesse uma rede de abastecimento, registrou ainda.
Igam admite impactos, mas diz que dados precisam ser aprofundados
Isadora de Filippo, gerente de Regulação do Igam, disse que o instiututo é interveniente no TAC, tendo sido convidado a compor o acordo como avaliador de estudos técnicos. Segundo ela, esses estudos são anuais e estariam sendo feitos pelo menos desde 2019, devendo agora ser aprofundados, passando a usar a telemetria.
A tecnologia permite a medição de dados de forma remota e a comunicação de informações entre sistemas. No caso, os dados irão diretamente para o Igam.
Contudo, a representante do Igam admitiu que os estudos já feitos demonstram impactos sobre algumas nascentes, inclusive nas duas comunidades, os quais não detalhou.
Indagada sobre não ter havido atuação mais direta quanto ao empreendimento da Coca-Cola diante desses impactos verificados, Maria Antônia Aguiar disse que há situações em que os impactos são multifatoriais, não necessariamente causados por apenas um empreendimento.
“Por isso pedimos adensamento da rede de monitoramento, para cercar e quantificar a informação e entender melhor de onde está vindo o problema e conseguir caracterizar o fato”, argumentou ela.
ONG vê omissão
Para Cléverson Vidigal, ambientalista e membro da ONG Abrace a Serra da Moeda, teria havido omissão do Igam ao dar outorga de água para abastecer o empreendimento da Coca-Cola sem antes ter feito um estudo mais consistente. Segundo ele, mesmo com os problemas iniciados em 2015, a vazão de água dada à empresa foi aumentada recentemente em 35%, o que classificou como um contrassenso.
“Conforme o Ministério Público, está tudo resolvido e encaminhado, mas, na perspectiva das comunidades, não está. Estamos numa situção gravíssima, e o Igam trouxe informações genéricas”, também criticou a deputada Beatriz Cerqueira, anunciando como próximo passo uma visita técnica ao Igam para obter dados sobre estudos e providências.
