Comunidade quilombola em Brumadinho destaca impactos decorrentes da mineração
Dificuldades no acesso à água, danos ao patrimônio e problemas de saúde foram relatados durante visita da Comissão de Direitos Humanos ao Tejuco nesta segunda (18).
Moradores da comunidade quilombola Família Sanhudo no Povoado de Tejuco, em Brumadinho (RMBH), relataram impactos da mineração que vivenciam no dia a dia como dificuldades no abastecimento de água, alterações no modo de vida, danos ao patrimônio e problemas de saúde.
Eles participaram de visita da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais durante toda esta segunda-feira (18/8/25) ao território.
O Tejuco tem cerca de 600 famílias, totalizando 3 mil pessoas, segundo o advogado popular e diretor da Associação Quilombola de Defesa Ecológica da Serra dos Três Irmãos, Marco Antônio Cardoso.
Dessas, cerca de 40 integram a Família Sanhudo. O quilombo existe há cerca de 300 anos e foi certificado pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em abril do ano passado.
O território do Tejuco é rodeado pela mineração, sendo próximo da mina do Córrego do Feijão, pertencente à Vale. Três mineradoras operam no local atualmente e outras duas estão em processo de licenciamento. Além disso, uma pilha de estéril da Mineral Brasil, uma das empresas da região, foi licenciada recentemente.
O estéril é o material encontrado durante o processo de mineração que não possui valor econômico imediato, como rochas e pedregulhos. Segundo participantes da visita, a pilha vai ficar a cerca de 400 metros de área residencial quilombola, em espaço que antigamente teria sido usado para lazer da comunidade.
A realidade hoje é muito diferente das memórias da infância de moradores presentes na atividade. O presidente da associação quilombola, Evandro França de Paula, conhecido como Vandeco, lembrou do modo de vida antes da mineração chegar ao território.
Dificuldades no abastecimento de água
Durante a visita, a comissão foi até duas das nascentes que abasteciam o Tejuco, de um total de 39 catalogadas no povoado, segundo lideranças. Conforme Vandeco contou, depois do rompimento de barragem em Brumadinho em 2019, a estrada ao lado dessas nascentes passou a ser usada com frequência por ser o único acesso possível. Por causa disso, a Vale teria construído caixas de contenção próximas a elas com o objetivo de barrar uma possível contaminação da água.
Mas, ao realizar manutenção em uma dessas caixas, em dezembro de 2020, a lama teria sido depositada na própria nascente, assoreando a caixa d'água de 100 mil litros, até então gerida pela própria comunidade. Com isso, a mineradora teria passado a ficar responsável pelo abastecimento emergencial do Tejuco, situação que perdura até hoje.
A comissão também visitou espaço onde fica a caixa d'água antes gerida pela comunidade e uma outra maior implementada em 2023. "A gente vinha aqui e fazia esse processo de autogestão. Tratávamos a água, colocando alguns elementos para ela ficar mais pura”, explicou Marco Antônio Cardoso.
Como contou, atualmente o abastecimento de água pela Vale se dá por meio de caminhões-pipa que enchem os reservatórios e da doação de fardos de água mineral, todas as quintas-feiras.
De acordo com ele, os caminhões saem do sistema Rio Manso, em Brumadinho, a cerca de 12 quilômetros, e abastecem as caixas d’água com água potável. Apesar disso, essa água chegaria imprópria às casas. Segundo moradores, isso decorre do encanamento antigo.
Ainda conforme o advogado popular, o espaço antes gerido pela comunidade passou a ficar trancado e os moradores sem acesso ao local.
O problema do abastecimento ganhou um novo episódio com o Termo de Compromisso Água, firmado entre o Ministério Público do Estado e a Vale em 2023. A partir disso, a Copasa assumirá o abastecimento de água do povoado, com as obras custeadas pela mineradora.
Moradores da comunidade quilombola afirmaram na visita que não participaram dessa discussão.
Falta de escuta e reconhecimento
Diego Lopes, assessor técnico da equipe de povos e comunidades tradicionais da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), uma assessoria técnica independente, defendeu o direito à consulta prévia a comunidades tradicionais como forma de proteção dos territórios e dos modos de vida dessa população.
Na opinião dele, não houve escuta e reconhecimento da comunidade no Termo de Compromissão Água e em outros processos da reparação. O assessor defendeu que as mineradoras incorporem o direito à consulta ao dialogarem com as comunidades.
Danos ao patrimônio e à saúde da população
A comissão também visitou a Igreja de Nossa Senhora das Mercês. Uma parte da igreja é do século XIX, conforme moradores.
A construção está com rachaduras e trincas. Segundo Vandeco, a situação decorre do trânsito intenso de caminhões e outros veículos depois do rompimento da barragem em 2019. “Já reportamos ao Ministério Público, mas ainda não tivemos resposta”, contou.
Segundo a liderança, a igreja é o local onde acontecem as festas da comunidade, casamentos e batizados, tendo grande importância.
Outro ponto abordado por Vandeco foram os problemas na saúde da população ligados à atividade minerária. Ele chamou atenção para doenças na pele e respiratórias e as atribuiu à qualidade da água e à poeira, respectivamente.
Comunidades tradicionais estariam ameaçadas
Para a defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch, da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, a mineração, muitas vezes, invade territórios de uma forma ilegal, embora amparada por instrumentos administrativos do Estado.
“A comunidade de Sanhudo está fadada ao extermínio. É uma luta difícil e hostil”, afirmou.
Endossou a fala a deputada Bella Gonçalves (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG e autora do requerimento para a visita.
De acordo com ela, o Tejuco é onde há maior contaminação de pessoas por metais pesados em Brumadinho, conforme pesquisa da Fiocruz, o que evidencia também os impactos da atividade na saúde da população local.
“A nossa visita foi acompanhada pela Fundação Cultural Palmares, que deve acionar a sua procuradoria para acompanhar judicialmente esses processos. E a gente vai tirar uma série de encaminhamentos para defender o território do Tejuco do avanço da mineração e garantir também o respeito aos direitos da comunidade quilombola do Sanhudo”, acrescentou.

