Comunidade acadêmica repudia federalização da Uemg
Secretários de governo apresentaram detalhes da proposta, que faz parte do pacote de projetos para adesão ao Propag. Representantes da Uemg acreditam que privatização seria o objetivo final da proposta.
01/07/2025 - 12:37 - Atualizado em 01/07/2025 - 16:04Representantes do governo estadual abordaram a expectativa de que, em uma possível federalização da Uemg, os servidores atuariam de forma híbrida, ou em modelo de cessão ou de requisição pela União. Os imóveis da universidade, por sua vez, seriam todos repassados para o governo federal. No entanto, o cenário, apresentado por secretários do governo de Romeu Zema (Novo) em audiência pública nesta terça-feira (1/7/25), é rejeitado pela comunidade universitária.
A reunião foi realizada pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O objetivo era discutir o Projeto de Lei (PL) 3.738/25, do governador, que integra o pacote de adesão de Minas ao Propag, o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados com a União. Representantes da universidade defendem o arquivamento do projeto.
O artigo 1º do projeto autoriza o Estado a transferir para a União a gestão da Uemg. O artigo 2º autoriza a transferência para a União dos bens móveis e imóveis de propriedade da universidade e traz parágrafo único dizendo que os bens poderão ser utilizados para o pagamento ou amortização da dívida do Estado no âmbito do Propag.
Em um auditório cheio de representantes de vários dos campi da Uemg, presente em 19 municípios do Estado, os secretários de governo defenderam o projeto. Sílvia Listgarten, secretária de Planejamento e Gestão, explicou que os detalhes sobre a situação dos servidores e do patrimônio são posteriores à aprovação do PL.
Apesar disso, ela apresentou o cenário a pedido dos deputados de forma a esclarecer dúvidas da comunidade universitária. Segundo ela, sobre os servidores, eles continuarão vinculados ao governo estadual, mas poderão ser cedidos ou requisitados pelo governo federal. Isso só pode se dar, porém, com a anuência de cada trabalhador.
Sobre os imóveis, ela garantiu que nenhum será vendido. As movimentações atuais do governo são, de acordo com Sílvia Listgarten, no sentido de regularizá-los para que essa transição seja possível em tempo hábil, já que o prazo de adesão ao Propag acaba em 2025. Além da aprovação do pacote de projetos na ALMG, é necessária posterior concordância da União com o proposto.
A urgência em se avançar nas negociações para a adesão ao Propag foi a tônica de todos os secretários. Luiz Cláudio Lourenço Gomes, secretário de Fazenda, chamou o Propag de “janela”, que vai se fechar no fim do ano. Há, então, uma série de prazos a serem cumpridos para a apresentação de propostas para a União.
Segundo o secretário, o acordo mais vantajoso oferecido pelo Propag, que propõe juros reais zero e entrada de apenas 1% do saldo devedor, exige a amortização, na adesão, de 20% da dívida estadual. Por isso, foram enviados vários projetos de lei à ALMG tratando de ativos estaduais que podem ser usados na amortização, inclusive a Uemg.
Também o secretário de Educação, Igor de Alvarenga Icassati Rojas, esteve presente. Ele disse que o governo estadual reconhece a importância da Uemg, afirmando que a atual gestão aumentou, desde 2019, os investimentos, que teriam saído de R$ 78 milhões para R$ 160 milhões. Lembrou, ainda, da criação da assistência estudantil. Apesar disso, defendeu a federalização para garantir a saúde financeira do Estado.
Comunidade acadêmica é contrária à federalização
Depois das apresentações dos secretários, representantes da comunidade universitária e dos deputados se colocaram contrários ao projeto. Por um lado, eles desafiaram a versão apresentada pelo governo estadual ao afirmarem que o objetivo final seria a privatização da universidade. Por outro, apontaram o que consideram inconstitucionalidade da proposta.
O presidente da Associação dos Docentes da Uemg (Aduemg), Túlio César Lopes, indicou que outro projeto do pacote Propag deve ser lido em conjunto com o da federalização da Uemg. Trata-se do PL 3.733/ 2025, que autoriza a venda de diversos imóveis, alguns deles da universidade. A matéria seria indicativo da intenção final de privatização.
Além disso, a venda de patrimônios da universidade seria prerrogativa do Conselho Universitário, composto por mais de 50 servidores, de acordo com a reitora da Uemg, Lavínia Rosa Rodrigues. Segundo ela, é parte da autonomia administrativa da universidade, prevista na Constituição Federal, de forma que a venda conforme proposta seria inconstitucional.
Outro ponto considerado inconsistente pelos convidados é que, de acordo com Túlio Lopes, a lei que institui o Propag na União não prevê a transferência de autarquias. O convidado explicou que não há nenhum sinal de interesse da União em assumir a gestão da universidade, o que seria mais um sinal de que o objetivo final seria privatizar a gestão.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da comissão, ratificou a posição da reitora e do representante dos docentes no pedido de que o PL 3.738/25, que trata da federalização da Uemg, seja arquivado. Ela também afirmou que já apresentou proposta de emenda ao PL 3.733/ 25, sobre a venda de imóveis, para retirar os bens da Uemg da lista apresentada.
Em uma posição intermediária, o deputado Cássio Soares (PSD) se colocou contrariamente à federalização da universidade e fez um elogio à instituição. Porém, o parlamentar se disse favorável à venda de imóveis da Uemg que não estão atualmente em uso.
Projeto iria contra princípios do Propag
A deputada federal Ana Pimentel (PT-MG) avaliou que o Propag abre uma janela histórica de oportunidades na educação, ao propor a redução de juros aos estados devedores que investirem parcela do juros na educação, sendo que o governador Zema vai justamente na contramão, propondo acabar com uma universidade.
No mesmo sentido se manifestou a deputada Bella Gonçalves (Psol). Ela criticou o projeto de lei afirmando que "o Propag não é um programa de dilapidação do patrimônio público e nem de privatização". Pelo contrário, é de investir em serviços públicos para ter juros abatidos no pagamento da dívida, conforme pontuou.
Ela também disse que a União já teria se manifestado no sentido de que não existiria a possibilidade de federalizar os servidores da Uemg. Da mesma forma, a deputada Lohanna (PV) cobrou o arquivamento do projeto dizendo que, a depender da União, a Uemg não entraria como contrapartida ao Propag.
Também se manifestaram em defesa da Uemg e contrariamente ao projeto a deputada Andréia de Jesus (PT) e os deputados Professor Cleiton (PV), Lucas Lasmar (Rede), Leleco Pimentel (PT) e Hely Tarqüínio (PV), tendo este último defendido resistência no Legislativo, para que o projeto não passe já na Comissão de Constituição e Justiça.
Universidade de trabalhadores
Alunos e ex-alunos da Uemg reforçaram o papel da instituição na democratização do ensino e defenderam seu fortalecimento, apoiando o pedido de arquivamento da projeto de federalização. "A gente tem a Uemg como uma associação transformadora de vidas. Queremos uma Uemg viva, forte e gratuita", cobrou Larissa Felix, presidente do Diretório Acadêmico da unidade da Uemg em Divinópolis.
Ela chamou a Uemg de "Universidade de Trabalhadores" ao contar que foi a primeira da sua família a ingressar no ensino superior. Na mesma linha, Vanessa Pereira, analista universitária e presidente da Comissão Permanente de Gestão dos Servidores Técnicos Administrativos da Uemg, também ex-aluna da universidade, defendeu que a instituição é essencial para a democratização da educação superior.
Maria Eduarda, de Nova Serrana, estudante da unidade de Divinópolis, falou, por sua vez, que para a maioria da população do País a educação ainda é fator de mobilidade social e não pode ser negociada pelo Estado.
"Ninguém aqui é contra o Propag, mas para entrar nele é preciso negociar a educação?" questionaram ainda ex-alunos, hoje gestores municipais, como o vice-prefeito de Ituiutaba, Douglas Guimarães, formado em Direito pela Uemg.
Ao final da audiência, foi entregue à comissão um manifesto de vários segmentos acadêmicos e da sociedade contra a a transferência da Uemg no âmbito do Propag, além de divulgados abaixo-assinado e petição on-line em defesa da Uemg. Neste momento, a deputada Beatriz Cerqueira destacou que o PL 3.738/25 também está aberto à votação do público na seção "Opine sobre projetos de lei", no portal da ALMG, com mais de 5.500 votos contrários até esta terça (1º).
