Comissão da ALMG apura denúncia de abuso policial, tortura, tentativa de homicídio e xenofobia
Alvo de abordagens policiais em Uberaba, no Triângulo, ficou incomunicável por horas, teve costela quebrada, disparos de teaser e de arma de fogo na região genital.
“Por que você não volta para o buraco que você saiu, que é o Maranhão?” Segundo depoimento do militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Jairo dos Santos Pereira, foram essas as palavras que um casal, vítima de abusos cometidos por policiais militares em Uberaba (Triângulo), teriam ouvido das autoridades enquanto eram espancados. O caso envolve acusações de sequestro, tortura e tentativa de homicídio que teriam sido praticados por militares, e foi tema de audiencia pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (21/5/25).
Antônio Marcos Bezerra das Neves relatou dois graves episódios. No primeiro, em 30 de abril, segundo relatado nesta quarta-feira, Antônio teria sido levado por policiais militares para um canavial, onde foi espancado, teve uma costela quebrada e sofreu disparos de teaser na região genital.
No último sábado, teria ocorrido uma perseguição policial ao veículo de Antônio. A presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Bella Gonçalves (Psol), relatou que também estava no carro um adolescente com síndrome do espectro autista, Diego Bezerra dos Santos, de 14 anos. “Fugiram com medo dos mesmos policiais e foram alvejados por tiros. Há marcas de tiros na lateral do carro e nos pneus. Antônio foi alvejado com um tiro à queima roupa que atravessou o pênis e se alojou na coxa”, afirmou a deputada, que leu o registro do atendimento médico.
Os episódios de 30 de abril foram parcialmente acompanhados pela deputada Bella Gonçalves, pois a detenção de Antônio Marcos Bezerra das Neves e de sua esposa, Maria Aparecida Lopes de Moura, ocorreu após uma reunião organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em uma praça no Bairro Alfredo Freire IV, em Uberaba.
O casal teria sido abordado em seu veículo por policiais militares. No carro se encontravam também uma bebê de aproximadamente 4 meses, uma criança de 3 anos e uma senhora com mais de 60 anos de idade.
De acordo com os relatos, os policiais, após exigirem os documentos do veículo, retiraram o morador e sua esposa à força de dentro do carro, além de lançarem jatos de spray de pimenta sobre os demais passageiros. Os dois foram então conduzidos pelos policiais separadamente e permaneceram sob custódia da Polícia Militar, das 20 horas do dia 30 de abril até a madrugada do dia seguinte.
Enquanto Antônio foi levado para um canavial, a esposa relatou que foi levada para um posto policial na rodoviária da cidade, sendo agredida com tapas no rosto que prejudicaram a sua audição. Além da tortura, ambos relataram ter sido atacados por sua origem nordestina, ameaçados e pressionados a deixar a cidade. Duas semanas depois aconteceu a perseguição ao veículo de Antônio, que acabou baleado.
PM não informou paradeiro dos detidos e negou ter ordenado operação
Bella Gonçalves disse ter entrado em contato com o comandante da Polícia Militar em Uberaba logo após a primeira detenção de Antônio, em 30 de abril. “A informação foi de que não havia pessoas detidas”, afirmou ela, que disse ter acompanhado o caso até as 3 da manhã, sem a Polícia Militar revelar onde estava o casal. De acordo com Jairo Pereira, do MTST, o casal só foi apresentado na delegacia da Polícia Civil por volta das 5 horas da manhã.
“A conduta dos policiais militares é uma conduta criminosa, é uma conduta abusiva que aconteceu debaixo do nariz da Comissão de Direitos Humanos, como se não fosse nada. A gente precisa que essa comissão seja respeitada e que o procedimento legal para detenção de pessoas seja cumprido. Não podemos admitir atos de tortura e atentado contra a vida de pessoas sendo cometidos dessa forma, ainda mais por pessoas participarem de um movimento social”, censurou Bella Gonçalves.
Ouvido durante a audiência pública, o comandante da 5ª Região de Polícia Militar de Uberaba, coronel PM Rodrigo Wolf Luz, disse que foi instaurado inquérito policial militar. Segundo ele, não existia nenhuma operação ordenada pela Polícia Militar no dia 30 de abril, nas imediações da reunião do MTST. “Foi uma viatura do trânsito que fez a abordagem”, afirmou ele.
O chefe do 5º Departamento de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, de Uberaba, Cezar Felipe Colombari da Silva, disse que foi registrado um termo circunstanciado de ocorrência contra o casal, que foi acusado pelos policiais militares de resistência à prisão.
No segundo caso, que envolveu a perseguição, a acusação foi de porte ilegal de arma de fogo e munição de uso restrito. “A Polícia Militar informou que a suposta arma teria sido arremessada para fora do veículo e não foi encontrada”, relatou o policial civil.
De acordo com Cezar Felipe, a instauração de um inquérito para apurar um atentado contra a vida de Antônio ainda não aconteceu, pois dependerá do depoimento a ser colhido.
Parlamentares trocam críticas sobre o acompanhamento do caso
Durante a audiência pública, os deputados Sargento Rodrigues e Caporezzo, ambos do PL, criticaram a condução da reunião, durante a qual, em sua avaliação, foi feito um pré-julgamento e condenação da Polícia Militar. “Eu não posso iniciar uma audiência pública já tratando policiais como se fossem torturadores”, criticou Sargento Rodrigues.
O deputado Caporezzo acusou Antônio Neves de envolvimento com tráfico de drogas, roubo e formação de quadrilha, entre outros crimes. “Ele nasceu para ser abordado pela Polícia”, afirmou, acrescentando que o MTST deveria ser tratado como grupo terrorista.
Sobre as críticas dos colegas parlamentares, Bella Gonçalves afirmou que a Comissão de Direitos Humanos não apenas recebeu a denúncia, mas testemunhou parte dos abusos cometidos.
A deputada Andreia de Jesus (PT) considerou “inadmissível que uma pessoa escoltada pela Polícia Militar seja devolvida com escoriações pelo corpo”. Ela defendeu a aprovação de projeto que autoriza a PM a colocar câmeras nos uniformes dos policiais. “O Atlas da Violência mostra que quando se colocam as câmaras, há redução da letalidade de civis e também de policiais”, reforçou.
A deputada Beatriz Cerqueira afirmou que as advertências para que a Comissão de Direitos Humanos não seja instrumentalizada em julgamentos prévios também devem ser observadas pela Comissão de Segurança Pública, presidida pelo deputado Sargento Rodrigues. Segundo ela, no dia 2 de abril, essa comissão foi usada para “expor, julgar e condenar professores, diretora e outros servidores de uma escola".


