Blocos e escolas de samba reclamam da falta de recursos para carnaval de BH
Grupos defendem política pública permanente que garanta recursos, hoje insuficientes para sustentar estruturas que funcionam o ano todo, não só durante o evento.
A implantação de política pública permanente garantindo a destinação de recursos para manter o funcionamento dos blocos de rua e caricatos e das escolas de samba, responsáveis pelo sucesso do carnaval de Belo Horizonte. Essa foi a principal proposta extraída da reunião que a Comissão de Cultura Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta segunda-feira (15/12/25).
Originalmente destinada a debater o Projeto de Lei (PL) 3.587/25, que trata do reconhecimento do Carnaval como conjunto de manifestações artístico-culturais populares do Estado, a reunião acabou se tornando palco das insatisfações e reivindicações dos atores desse evento popular. A deputada Bella Gonçalves (PSOL) é a autora do projeto e do requerimento pela reunião, que também leva a assinatura da deputada Lohanna (PV) e do deputado Doutor Jean Freire (PT).
Foi quase unânime a reclamação da falta de dinheiro para bancar todas as atividades que envolvem a festa popular, que ocorrem não só nos dias do evento, mas em todo o ano. Alguns ainda criticaram a concentração de recursos do Governo do Estado em apenas algumas atividades do carnaval, como a Via Sonorizada, concentrada na Avenida dos Andradas.
A vereadora de Belo Horizonte Juhlia André Santos, do Bloco Então Brilha, defendeu uma política pública efetiva para o carnaval, com garantia de recursos prevista no orçamento do estado. “Sou da turma das utopias, da esperança, para que façamos um carnaval digno, seguro e com fomento; temos que discutir esse fomento ao longo do ano”, propôs.
Essa falta de investimentos nos grupos que fazem a festa acontecer levam a difícil situação atual, em que as “escolas de samba estão sucateadas, sem ao menos um barracão para colocar suas fantasias e ensaiar e os blocos de rua e caricatos apenas sobrevivem”. Como contraponto, destacou a lei municipal já sancionada na Capital. Segundo ela, a norma avança na organização da festa popular, tratada não como um evento, mas como uma estrutura que mantém toda uma cadeia produtiva que gera emprego e renda durante todo o ano.
Completando essa fala, a também vereadora de Belo Horizonte Iza Lourença disse que é preciso valorizar o carnaval o ano inteiro, não só em fevereiro ou março, e preservando sua característica popular. “Em vez de atender às reivindicações das pessoas que trabalham no carnaval, o governo canaliza recursos para a Via Sonorizada”, criticou.
Via Sonorizada
Também crítico da Via Sonorizada, Leandro César da Silva, do Conselho Estadual de Política Cultural, disse que em 2025, foram destinados a ela mais de R$ 11 milhões. A estrutura, responsável pela sonorização de vários pontos do circuito carnavalesco na Avenida Andradas, é alvo de reclamações de vários blocos, segundo o conselheiro. Em 2026, o valor investido é ainda maior, R$ 15 milhões. Ele considerou que o critério de seleção dos blocos da Via Sonorizada não transparente.
Carnaval popular
Em nome da Liga dos Blocos de Rua e de Luta de Belo Horizonte (Bruta BH), Carem Abreu reivindicou que o carnaval da Capital continue eminentemente popular e democrático, o que é o motivo de seu sucesso. “Em 2009, mobilizações que fizemos na praça da estação contra a privatização daquele espaço - chamadas de Praia da Estação - fomentaram o que hoje temos de carnaval de rua, de luta e de amor”, registrou.
Passados 16 anos dessa luta, a Bruta BH defende o direito de ter acesso aos lucros do carnaval de Belo Horizonte, que em 2025, trouxe 6 milhões de pessoas, tornando a Capital o segundo destino da festa no Brasil, atrás apenas de Salvador (BA). De acordo com Caren, o lucro gerado foi de R$ 1,2 bilhão. “Por que não tem lei para canalizar parte dessa verba para os blocos?”, questionou.
Sobre os instrumentos de financiamento utilizados atualmente para o carnaval de BH, ela considerou-os insuficientes e pouco acessíveis: “A Lei Estadual de Incentivo à Cultura é inacessível para pessoas simples, que não são captadores, disse. E defendeu a luta pela inclusão de recursos para o carnaval no Fundo Estadual de Cultura, na sua opinião, mais inclusivo e com recursos transferidos diretamente aos blocos.
Verba do Estado para Carnaval vem da Cemig
A representante do governo na reunião foi Maria Luiza Reis Jardim, superintendente de Fomento, Capacitação e Municipalização da Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). Ela informou que os recursos repassados para o carnaval vieram de um edital da Cemig destinado a projetos aprovados na Lei Estadual de Incentivo à Cultura. “Recebemos mais de 420 projetos, sendo 300 de carnaval até outubro; depois, outros 300, a maioria voltados para o carnaval; trabalhamos para que não haja atrasos na análise”, informou.
A deputada Bella Gonçalves perguntou se haveria outros editais lançados pelo governo para o carnaval, ao que a gestora respondeu negativamente. No único edital lançada com essa finalidade, o da Cemig, o valor de cada projeto fica entre R$ 50 mil e R$ 150 mil. Segundo Maria Luiza, o objetivo é alcançar também o interior com esse edital.
Considerando pouco convincente a fala da representante do governo, Bella Gonçalves aproveitou para lamentar a ausência da secretária de Estado de Cultura, Bárbara Barros Botega. “O carnaval é um dos eventos culturais mais importantes do estado atualmente e o governo de Minas faz a publicidade em cima do carnaval, mas não faz um planejamento sobre os investimentos e preparativos para a festa”, condenou. A parlamentar ainda solicitou à superintendente que encaminhe as reivindicações dos convidados a secretária.
Bella Gonçalves destacou outro projeto, de autoria de Lohanna, que cria uma instância permanente de diálogo sobre o carnaval, com a participação de blocos, ambulantes, catadores, empresários e poder público. Divulgou que vai direcionar R$ 1 milhão de emendas para o carnaval de BH. E colocou-se a disposição para receber sugestões de aprimoramento do PL 3.587/25.
Escolas e blocos caricatos sobrevivem
Gleison Fernandes da Silva, presidente da Escola de Samba Unidos dos Guaranys, reclamou que os dirigentes dessas agremiações vivem crise de ansiedade, porque há dois meses do carnaval, não receberam o subsídio prometido pela Prefeitura de Belo Horizonte. “Alguém tem que pagar a conta dos galpões onde ficam os carros alegóricos e este é um filme que se repete a cada ano; o carnaval vai ser do jeito que der”, alertou.
Jairo Alves Pereira, do Bloco Caricato Por Acaso, lamentou que os blocos e as escolas de samba atualmente estejam no CTI. “Já fomos 72 blocos, hoje somos apenas nove”, disse. Ele reclamou do atraso no pagamento do subsídio da PBH, afirmando que se o recurso for entregue às vésperas do carnaval, não haverá como utilizá-lo.
Já Adjailson Andrade, da Associação de Vendedores Ambulantes de Belo Horizonte, defendeu que a Prefeitura disponibilize espaços noturnos para os filhos dos ambulantes e catadores que trabalham no carnaval. “No Rio de Janeiro é assim; e o prefeito de BH precisa copiar essa ideia que deu certo”, pontuou. Bella Gonçalves vai cobrar do poder público municipal essa medida.
Heleno Fernandes Campos, da Bruta BH, criticou a entrada no carnaval de grandes estrelas, como o DJ Alock em 2025: “Isso começou a descaracterizar o Carnaval de BH, trazendo um público que é de evento, não de carnaval”.
Centralização
Também da Bruta BH, Stefânio Teles criticou a centralização dos poucos recursos destinados ao carnaval na região centro-sul da Capital: “São cerca de 600 blocos cadastrados de todas as nove regionais; 76% dos recursos vão para a Centro Sul e os 24% restantes ficam para oito regionais”, reclamou. “Se o carnaval de BH é um sucesso com essa má distribuição, imagine se o dinheiro fosse bem distribuído”, vislumbrou.
Kerison Lopes, de uma outra agremiação de blocos da Capital – a Liga Se Liga – reclamou que sua entidade não foi convidada para compor a mesa da audiência. Criticou a ausência do convite para a PBH. Também condenou a vinda de nomes nacionais para o evento – em 2026, a Prefeitura anunciou que o cantor Natan participará da festa. “No Rio de Janeiro isso aconteceu e blocos tradicionais deixaram de desfilar, porque Anita e outros artistas tomaram seu espaço”, afirmou.
Sobre a Via Sonorização, Kerison, do Bloco Volta Belchior, discordou de convidados que o antecederam. “A sonorização da avenida foi uma demanda nossa e a considero um grande avanço”, apregoou. Ainda segundo ele, todo bloco interessado em desfilar nessa avenida deve se inscrever na Belotur, que define quais desfilarão nesse espaço. Ainda assim, o folião defendeu a unidade dos blocos em torno da causa comum de obter mais recursos para todos de forma justa.