Atingidos denunciam falhas na reparação por rompimento da barragem de Mariana
Dez anos depois do rompimento, comunidades ainda não tiveram algumas das suas reivindicações atendidas.
Falta de participação das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, ocorrido em 2015, nos planos para reparação e compensações, tem gerado distorções nas ações e desamparo das populações mais vulneráveis. Foi esse o tom das manifestações em audiência pública na manhã desta quinta-feira (27/11/25).
A reunião foi realizada pela Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce), composta por parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e do parlamento do Espírito Santo. A Bacia do Rio Doce, atingida pelo rompimento da barragem, atravessa ambos os estados.
Com o objetivo de discutir o acordo de repactuação firmado pelos governos de ambos os estados e da União com as mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco em 2024, a audiência recebeu representantes das populações atingidas de toda a área da bacia. Os convidados citaram a impossibilidade de participar das decisões como uma violação de direitos em si, a partir da qual nascem outras violências.
Falta de participação é fonte dos problemas
“É fundamental que as comunidades não sejam violadas de novo com ações reparatórias que não têm relação com nosso território”, afirmou Mônica dos Santos, da Comissão dos Atingidos de Bento Rodrigues. Ela disse que algumas das ações previstas e já em andamento são midiáticas, mas não têm relação com os territórios efetivamente atingidos.
Como exemplo, Mônica citou o uso de parte dos recursos para duplicação e melhorias na rodovia que liga Mariana a Belo Horizonte. “Nossas comunidades não têm sequer estradas ligadas a essa rodovia”, explicou. Ela também citou que muitas das casas entregues aos atingidos estão com infiltrações, rachaduras e defeitos.
Para que esse não seja o modelo para todas as ações de reparação, Mônica falou sobre a importância de se ouvir os atingidos, mas destacou as dificuldades envolvidas nesse trabalho. Ela questionou quem vai empregar as pessoas atingidas que participam quase diariamente de reuniões para a reivindicação de direitos. “Os atingidos são os únicos desses encontros sem salário para participar”, disse.
As dificuldades para a efetiva participação popular começaram durante a repactuação do acordo, conforme o representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Vitor Souza Sampaio. Segundo ele, a União defendeu o envolvimento das comunidades durante as negociações, mas a proposta foi indeferida judicialmente. Assim, foi exigido o controle social como forma de amenizar o problema.
Tal controle se dá, por parte da União, por intermédio do Conselho Federal de Participação Social. O modelo de controle social por parte dos atingidos foi concebido, segundo o representante do governo federal, nas Caravanas Interministeriais, nas quais representantes de diferentes ministérios visitaram os municípios impactados pelo rompimento da barragem em um primeiro momento.
O conselho tem a prerrogativa de acompanhar a implementação de todas as ações realizadas pelo governo federal. Ele é composto em paridade por representantes do poder público e da sociedade civil e tem previsão de destinação de R$ 5 bilhões para seu funcionamento e para as ações por ele indicadas.
No próximo ano, há a previsão, ainda de acordo com Vitor Sampaio, de publicação de editais para projetos das comunidades. Eles serão viabilizados a partir dos recursos de participação popular.
Comunidades apresentam reivindicações para reparação
Os participantes fizeram denúncias e reivindicações. Mônica dos Santos ressaltou que as populações perderam não só casas, mas também identidades e modos de vida. Ela reivindicou a retomada do território de Bento Rodrigues. Atualmente, as mineradoras não permitem sequer o acesso ao local.
Ela também apontou a dificuldade de se cumprir os requisitos para o cadastro dos atingidos como agricultores. “Como, se tudo ficou debaixo de lama? As plantações, as fotos, as histórias, tudo”, indagou, solicitando que os cadastros anteriormente existentes em Mariana possam ser considerados.
A dificuldade de reconhecimento de alguns grupos como atingidos também permeou outras falas. Segundo Deyse Lourenço, da região de Regência (Espírito Santo), categorias incluídas nos acordos anteriores, como comerciantes e artesãos, foram excluídos na repactuação de 2024.
Já o pescador Renato Correia apontou a necessidade de garantir a todos o acesso à água de qualidade. Ele relatou a situação dos municípios de Itueta e Resplendor, ambos na região do Rio Doce, localizados em um vale onde os rejeitos se acumulam e, por isso, a qualidade da água seria pior do que em outras áreas da bacia. Ele reclamou, ainda, que recentemente teria sido realizada uma análise da água no local, mas o resultado não foi divulgado pelas mineradoras, gerando ainda mais apreensão dos moradores.
Os prazos previstos para os auxílios aos pescadores também foram criticados por Renato. “Se é um dano que precisará de 20 anos pra ser reparado, como a ajuda aos pescadores pode acabar em três anos?”, questionou. Ele lembrou que, sem a recuperação total do rio, não é possível que os pescadores voltem a trabalhar.
Ao falar do direito à moradia, Simone da Silva, da Comissão dos Atingidos de Barra Longa, também abordou a questão dos prazos. Ela apontou que os repasses para o pagamento de alugueis de quem ainda não foi realocado acabam em dezembro. “E o que essas pessoas vão fazer depois?”, perguntou.
Algumas das soluções apresentadas pela repactuação foram rechaçadas pela convidada. É o caso das facilidades para a inscrição no programa Minha Casa, Minha Vida. “Os atingidos vão pagar pelas casas? Então os atingidos é que vão reparar os danos provocados pelas mineradoras”, provocou Simone da Silva.
Os deputados Leleco Pimentel e Ricardo Campos, ambos do PT, e a deputada Bella Gonçalves (Psol) ressaltaram que a Cipe vai trabalhar para fazer com que as reivindicações apresentadas sejam levadas em consideração e as falhas do processo de reparação e compensação sejam corrigidas.
Os parlamentares salientaram também a preocupação com a tentativa do governador Romeu Zema (Novo) de privatizar a Copasa. Segundo a deputada Bella Gonçalves, a previsão é vender a empresa por R$ 3 bilhões, mas o acordo de repactuação prevê investimentos de R$ 7 bilhões em saneamento básico na região do Rio Doce. “Vão vender barato e depois investir na empresa privada”, explicou.
Governo estadual apresenta andamento das ações
Depois de ouvir as denúncias e demandas expostas na reunião, a representante da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), Gabriela Brandão, apresentou o andamento dos trabalhos de reparação e compensação na Bacia do Rio Doce. Segundo ela, ao longo do último ano, desde a repactuação, muito já se avançou e as entregas começarão a ser feitas agora.
Foi destacada, em especial, a criação da Instância Mineira de Participação Social, a ser inaugurada nesta sexta-feira (28). Conforme Gabriela, serão seis representantes do poder público e 14 dos territórios. Desses últimos, 11 já teriam sido eleitos. Na reunião de lançamento, está prevista a apresentação das datas e locais das reuniões do grupo, que devem ser bimestrais.
Questionada sobre os recursos destinados à participação popular, Gabriela Brandão afirmou que não há previsão de verba. O acordo teria indicado R$ 5 bilhões para as iniciativas priorizadas via participação social, mas, na interpretação do governo estadual, esse valor seria de responsabilidade da União.
Além disso, a representante da Seplag citou entrega de equipamentos agrícolas e de obras em rodovias como exemplos de ações a serem finalizadas em breve. Mostrou, ainda, investimentos em áreas como saneamento básico e saúde, detalhando os valores destinados para cada área, bem como os responsáveis pela execução de cada plano.
Alguns dos dados mostrados por Gabriela Brandão respondem a questionamentos feitos durante a audiência. Ela indicou, por exemplo, que as ações compensatórias a serem custeadas pelo governo estadual preveem R$ 8,9 bilhões de investimentos diretamente nos territórios, enquanto outros R$2 bilhões são para investimentos em todo o território estadual. Ela também citou o fundo perpétuo para a pesca, que deve beneficiar os pescadores atingidos.