PRE PROJETO DE RESOLUÇÃO 84/2025
Projeto de Resolução nº 84/2025
Susta os efeitos da Deliberação Normativa Copam nº 258, de 24 de julho de 2025, que altera a Deliberação Normativa Copam nº 213, de 22 de fevereiro de 2017, que regulamenta o disposto no art. 9º, inciso XIV, alínea “a” e no art. 18, § 2º da Lei Complementar Federal nº 140, de 8 de dezembro de 2011, para estabelecer as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será atribuição dos Municípios, e a Deliberação Normativa Copam nº 217, de 6 de dezembro de 2017, que estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais no Estado de Minas Gerais e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais aprova:
Art. 1º – Ficam sustados os efeitos da Deliberação Normativa Copam nº 258, de 24 de julho de 2025, que altera a Deliberação Normativa Copam nº 213, de 22 de fevereiro de 2017, que regulamenta o disposto no art. 9º, inciso XIV, alínea “a” e no art. 18, § 2º da Lei Complementar Federal nº 140, de 8 de dezembro de 2011, para estabelecer as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será atribuição dos Municípios, e a Deliberação Normativa Copam nº 217, de 6 de dezembro de 2017, que estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais no Estado de Minas Gerais e dá outras providências.
Art. 2º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 31 de julho de 2025.
Bella Gonçalves (Psol) – Beatriz Cerqueira (PT) – Lohanna (PV).
Justificação: Na 203ª Reunião Ordinária da Câmara Normativa e Recursal – CNR – do Conselho Estadual de Política Ambiental – Copam –, realizada em 24 de julho de 2025, às 14h, foi aprovada a Deliberação Normativa Copam nº 258, de 24 de julho de 2025, que altera a Deliberação Normativa Copam nº 213, de 22 de fevereiro de 2017, que regulamenta o disposto no art. 9º, inciso XIV, alínea “a” e no art. 18, § 2º da Lei Complementar Federal nº 140, de 8 de dezembro de 2011, para estabelecer as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será atribuição dos Municípios, e a Deliberação Normativa Copam nº 217, de 6 de dezembro de 2017, que estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais no Estado de Minas Gerais e dá outras providências. A decisão do Copam foi publicada no Diário do dia 25/7/2025 e a Deliberação Normativa propriamente dita foi publicada no Diário dia 31/7/2025.
Na prática, na forma originalmente proposta e aprovada, a Deliberação altera as normas relativas ao licenciamento ambiental para rebaixar a classificação de potencial poluidor/degradador das atividades e empreendimentos das atividades agrícolas e silviculturais, de forma que a criação de bovinos, bubalinos, equinos, muares, ovinos e caprinos, em regime extensivo, bem como culturas anuais, semiperenes e perenes, silvicultura e cultivos agrossilvipastoris, exceto horticultura, tenham seu potencial de poluição/degradação do ar, da água, do solo reduzidos, com alteração do potencial geral de ambos alterado de “médio” para “pequeno”. Assim, conforme seu porte, passam a ser considerados: a) dispensados de licenciamento os de área de pastagem ou área útil de até 1.000 ha (antes até 200 ha); b) de pequeno porte os de área de pastagem ou área útil até 2.000 ha (antes até 600 ha); c) de médio porte os de área de pastagem ou área útil de até 4.000 ha (antes até 1.000 ha); d) de grande porte os de área de pastagem ou área útil acima de 4.000 ha (antes acima de 1.000 ha). Anteriormente, tais atividades de área entre 200 ha e 1.000 ha, consideradas de porte pequeno e médio e que causam ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, tinham o exercício da atribuição originária dos municípios no licenciamento ambiental. Agora, tais atividades de até 1.000 ha, passam a ser dispensadas de licenciamento, ficando as de áreas maiores licenciadas pelo Estado de forma extremamente flexibilizada.
A norma em questão alterou as classificações de potencial e de porte das atividades agrossilvopastoris, que, conjugadas, definem a classe do empreendimento e, assim, a modalidade de seu licenciamento. Com a redução do potencial poluidor/degradador, independentemente do porte do empreendimento, se pequeno, médio ou grande, agora, eles se enquadram na classe 1, o que leva a um licenciamento simplificado. O intuito do Governo já estava nítido quando anunciou a medida em 11/6/2025 em um evento do agronegócio como sendo uma das medidas de um dito pacote de incentivo para o setor, quando a própria Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável afirmou que o meio ambiente não poderia ser “entrave”, nem ter “amarras burocráticas”.
Não bastasse tamanha flexibilização, ainda foi aprovada uma sugestão de acréscimo contida no voto-vista conjunto da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – Fiemg –, da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais – CMI-MG – e do Instituto Brasileiro de Mineração – Ibram – para suprimir, na tabela 4 do anexo único da DN 217/2017, o critério locacional de peso 2 em razão de “supressão de vegetação nativa em áreas prioritárias para conservação, considerada de importância biológica ‘extrema’ ou ‘especial’, exceto árvores isoladas”, que, conjugado com classe por porte e potencial poluidor/degradador, definem as modalidades de licenciamento. Assim, as atividades e empreendimentos em “áreas prioritárias para conservação, considerada de importância biológica ‘extrema’ ou ‘especial’” deixam de ter peso diferenciado, ficando apenas com o peso 1 de supressão de vegetação nativa, rebaixando o rigor das modalidades de seu licenciamento. Nesse caso, o acréscimo feito de última hora extrapola as atividades agrossilvopastoris antes tratadas para flexibilizar o licenciamento ambiental de qualquer atividade ou empreendimento nessas áreas de importância biológica.
As “áreas prioritárias para conservação, considerada de importância biológica ‘extrema’ ou ‘especial’”, nas quais se pretende flexibilizar as modalidades de licenciamento foram incorporadas às normas de licenciamento por meio da Deliberação Normativa Copam nº 55, de 13 de junho de 2002, e, atualmente, são aquelas definidas no documento “Biodiversidade em Minas Gerais – Um Atlas para sua Conservação”, elaborado pela Fundação Biodiversitas em 2005 (https://idesisema.meioambiente.mg.gov.br/geonetwork/srv/api/records/8df49ecb-00a3-4814-aef8-b11d20747303). O documento reúne 112 áreas de maior importância estratégica para conservação no Estado, a partir da sobreposição de insumos temáticos relacionados à diversidade ecossistêmica mapeada e avaliada. Note-se que tal DN previa que o Plenário do Copam deveria, a cada dois anos, analisar a pertinência da revisão e atualização do documento (art. 4º) o que foi feito uma única vez, apesar de haver uma publicação de 2021, mas não incorporada pelo Copam.
As 112 áreas de importância biológica foram classificadas como Alta (24 áreas que representam 21%), Muito alta (36 áreas que representa 32%), Extrema (35 áreas que representam 31%) e Especial (17 áreas que representam 15%). Ao excluir a pontuação diferenciada das áreas de importância biológica Extrema e Especial, a norma flexibiliza o licenciamento das 52 áreas de maior importância biológica, que representam 46% do total de áreas mapeadas.
Conforme consta do documento, na distribuição das áreas pelos biomas, foram definidas 59 áreas na Mata Atlântica, 35 no Cerrado, 13 áreas de transição entre Cerrado e Mata Atlântica, 4 áreas de transição entre Caatinga e Cerrado e uma área de transição entre Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado. Também, algumas áreas prioritárias foram definidas em função da presença de cavidades subterrâneas formadas pelo desgaste de maciços calcários, graníticos, quartizíticos e até ferríticos que abrigam uma fauna única, que inclui peixes e invertebrados troglóbios, e, algumas delas, abrigam um vasto patrimônio paleontológico. Tais elementos evidenciam a relevância das áreas mapeadas para a preservação ambiental e até mesmo seu valor cultural e científico.
Resta nítido a relevância das áreas nas quais se pretende flexibilizar o licenciamento ambiental. Quando do anúncio da medida originalmente objeto do ato normativo, a Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que a anunciou como incentivo ao agro e afirmou que o meio ambiente não poderia ser “entrave”, nem ter “amarras burocráticas”, também lembrou que “Minas Gerais tem 30% do território com vegetação nativa”. Agora, com o acréscimo feito no apagar das luzes, fica evidente que é para cima dessas áreas nativas de extrema ou especial importância biológica que também pretendem expandir as fronteiras da devastação ambiental.
A Constituição prevê que compete ao Poder Legislativo sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (art. 49, V, da CF; art. 62, XXX, da CEMG). No presente caso é evidente que a Deliberação Normativa exorbita o poder regulamentar, uma vez que os atos regulamentares devem se prestar à fiel execução da lei, não podendo servir para violar a Constituição e a legislação.
É constitucional o direito fundamental ao meio ambiente, uma vez que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, CF; art. 214 CEMG). Dentre os instrumentos para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público, exigir para início, ampliação ou desenvolvimento de atividades, construção ou reforma de instalações capazes de causar, sob qualquer forma, degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, para fins da anuência no bojo do licenciamento (art. 225, IV, CF; art. 214, IV, CEMG). Sendo o estudo de impacto e o licenciamento instrumentos constitucionais de proteção do meio ambiente, não cabe a sua flexibilização desarrazoada para favorecer os interesses econômicos em detrimento da proteção ambiental.
Especificamente quanto às atividades agrossilvipastoris, o próprio Supremo Tribunal Federal – STF já assentou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5.312 que a possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional não permite que Estado-Membro dispense a exigência de licenciamento para atividades potencialmente poluidoras e que “o desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris pode acarretar uma relevante intervenção sobre o meio ambiente, pelo que não se justifica a flexibilização dos instrumentos de proteção ambiental, sem que haja um controle e fiscalização prévios da atividade”. Assim, entendeu a Corte que, “a dispensa de licenciamento de atividades identificadas conforme o segmento econômico, independentemente de seu potencial de degradação, e a consequente dispensa do prévio estudo de impacto ambiental (art. 225, § 1º, IV, da CF) implicam proteção deficiente ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF), cabendo ao Poder Público o exercício do poder de polícia ambiental visando a prevenir e mitigar potenciais danos ao equilíbrio ambiental”.
Ademais, a alteração, que leva a um licenciamento simplificado das atividades agrossilvopastoris, independentemente de seu porte, vão na contramão da exigência de elaboração de estudo de impacto ambiental – EIA – e do respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA – no licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, dentre as quais se incluem os “projetos Agropecuários que contemplem áreas acima de 1.000 ha. ou menores, neste caso, quando se tratar de áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental”, conforme art. 2º, XVII, da Resolução Conama nº 1, de 23 de janeiro de 1986. É certo, pela leitura constitucional e pela decisão do STF, que as normas suplementares do Estados não podem contrariar as normas gerais editadas pela União (art. 24, §§ 2º a 4º, CF) e, caso o façam, incorrem, novamente, em extrapolação do poder regulamentar.
A questão se torna ainda mais profunda ao se considerar o acréscimo feito e aprovado de última hora, por proposta do setor empresarial, de suprimir o peso diferenciado para enquadramento do rigor do licenciamento nas áreas prioritárias para conservação, consideradas de importância biológica extrema ou especial, nas quais se pretende flexibilizar as modalidades de licenciamento para toda e qualquer atividade ou empreendimento. Nesse caso, a Constituição Federal prevê que para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, III).
O STF já decidiu que sequer as medidas provisórias podem veicular norma que altere espaços territoriais especialmente protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc. III, da Constituição da República e, se assim o fizer importaram diminuição da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da República (ADI 4717). Se nem mesmo medida provisória editada pelo Chefe do Executivo podem desproteger tais áreas, tampouco cabe fazer por meio de Deliberação Normativa do Conselho que deveria editar normas de proteção ambiental. A norma em questão a toda evidência viola os princípios da prevenção, da precaução e do não retrocesso ambiental, contrariamente à função socioambiental dos espaços protegidos.
A Constituição do Estado vai além ao prever que para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao Estado prevenir e controlar as formas de degradação ambiental; exigir a prévia anuência do órgão estadual de controle e política ambiental, para início, ampliação ou desenvolvimento de atividades, construção ou reforma de instalações capazes de causar, sob qualquer forma, degradação do meio ambiente, sem prejuízo de outros requisitos legais; proteger a fauna e a flora, a fim de assegurar a diversidade das espécies e dos ecossistemas e a preservação do patrimônio genético, vedadas, na forma da lei, as práticas que provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade; definir mecanismos de proteção à fauna e à flora nativas e estabelecer, com base em monitoramento contínuo, a lista de espécies ameaçadas de extinção e que mereçam proteção especial (art. 214, § 1º, III, IV, V, VI). Ademais, a Carta Estadual ainda garante proteção a determinados espaços específicos, uma vez que os remanescentes da Mata Atlântica, as veredas, os campos rupestres, as cavernas, as paisagens notáveis e outras unidades de relevante interesse ecológico constituem patrimônio ambiental do Estado e sua utilização se fará, na forma da lei, em condições que assegurem sua conservação (art. 214, § 7º). Ainda é relevante notar o mandamento de que o Estado promoverá o inventário, o mapeamento e o monitoramento das coberturas vegetais nativas e de seus recursos hídricos, para adoção de medidas especiais de proteção (art. 216, § 1º).
Uma vez que incumbe ao Estado a preservação ambiental, inclusive por meio da proteção específica de determinados espaços mapeados e a serem monitorados, os atos normativos devem servir à fiel execução da obrigação constitucional, não podendo ser editados em contrariedade às disposições constitucionais para autorizar a devastação dos espaços ambientalmente relevantes. Dessa forma, resta evidente que a Deliberação Normativa exorbitou do poder regulamentar, contrariando frontalmente as disposições constitucionais e normativas de proteção do meio ambiente.
Ante a relevância da matéria e a urgência na sua tramitação, conto com o apoio dos nobres pares para sustar os efeitos da Deliberação Normativa, garantindo o direito difuso e coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
– Publicado, vai o projeto à Comissão de Justiça, de Agropecuária e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 195, c/c o art. 102, do Regimento Interno.