PL PROJETO DE LEI 4795/2025
Projeto de Lei nº 4.795/2025
Reconhece o casamento religioso celebrado nos ritos das umbandas e das nações do candomblé.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica reconhecido, no âmbito do Estado, o casamento religioso celebrado conforme os ritos e as práticas próprias das religiões afro-brasileiras, especificamente das umbandas e das nações do candomblé, como expressão do exercício da liberdade religiosa, da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da valorização da diversidade cultural.
Art. 2º – O reconhecimento conferido por esta lei tem natureza religiosa, social e cultural, não produzindo efeitos civis automáticos, os quais permanecem regidos pela legislação federal aplicável.
Art. 3º – O casamento religioso celebrado nos termos dos ritos das umbandas ou das nações do candomblé poderá ser convertido em casamento civil, conforme o disposto no art. 1.515 da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e nos arts. 70 a 75 da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos).
Art. 4º – Para os fins previstos no art. 3º, será admitida, como documento hábil, a declaração de celebração religiosa de casamento, lavrada por autoridade religiosa das umbandas ou das nações do candomblé, contendo:
I – nome completo, número de documento de identidade, CPF e endereço dos nubentes;
II – data, local e hora da cerimônia religiosa;
III – nome completo e identificação da autoridade religiosa celebrante;
IV – identificação do templo, terreiro ou casa religiosa responsável pela celebração do rito matrimonial;
V – assinaturas da autoridade religiosa e de, no mínimo, duas testemunhas da comunidade.
Parágrafo único – A declaração poderá ser encaminhada ao Cartório de Registro Civil competente, acompanhada dos documentos exigidos pela legislação federal.
Art. 5º – São reconhecidos como autoridades religiosas habilitadas, para os fins desta lei, os sacerdotes ou sacerdotisas, babalorixás, ialorixás, tatetus, mametus, zeladores, zeladoras, pais e mães de santo, chefes de terreiro ou outras lideranças espirituais tradicionalmente reconhecidas pelas comunidades das umbandas e das nações do candomblé, reconhecidos por seus pares e com atuação notória em casas ou espaços religiosos estabelecidos no território mineiro.
Parágrafo único – O reconhecimento das autoridades religiosas observará os critérios internos das próprias comunidades e tradições afro-brasileiras, os critérios de autorreconhecimento de povos e comunidades tradicionais conforme normativas vigentes, com a garantia de ser preservada sua autonomia sociocultural, espiritual e organizacional, sem interferência estatal.
Art. 6º – É vedada às serventias extrajudiciais do Estado qualquer forma de recusa discriminatória, direta ou indireta, ao recebimento ou processamento de documentos oriundos de celebrações matrimoniais religiosas realizadas conforme os ritos das umbandas e das nações do candomblé, sob pena de responsabilização nos termos da legislação vigente.
Parágrafo único – A recusa injustificada ao reconhecimento da legitimidade dos ministros religiosos de que trata esta lei poderá configurar infração aos princípios da liberdade religiosa e da dignidade da pessoa humana, e será apurada pela Corregedoria-Geral de Justiça ou pelo Poder Judiciário, conforme o caso.
Art. 7º – O Poder Executivo e o Poder Judiciário poderão, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas de direitos humanos, igualdade racial e liberdade religiosa:
I – promover campanhas educativas sobre o reconhecimento dos casamentos nas tradições afro-brasileiras;
II – promover capacitação de agentes públicos e notariais quanto à diversidade religiosa e às prerrogativas das comunidades tradicionais de matriz africana;
III – apoiar ações de valorização das expressões culturais e religiosas da umbanda e do candomblé.
Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 12 de novembro de 2025.
Andréia de Jesus (PT), vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos e vice-presidenta da Comissão de Cultura.
Justificação: A proposta enquadra-se na competência comum dos estados para promover o acesso à cultura e na competência legislativa concorrente relativa à proteção das manifestações culturais, à promoção dos direitos humanos e à garantia do livre exercício dos cultos religiosos.
Cumpre destacar que iniciativa semelhante foi aprovada no Estado do Rio de Janeiro, por meio do Projeto de Lei nº 6.076/2025, que reconhece o casamento religioso celebrado nos ritos das umbandas e das nações do candomblé, servindo como importante precedente legislativo e referência de promoção da igualdade religiosa e valorização das tradições afro-brasileiras.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, em seus arts. 207 e seguintes, reafirma essas diretrizes ao determinar que o Estado assegure o pleno exercício dos direitos culturais, promovendo e difundindo as manifestações culturais da comunidade mineira, inclusive as de natureza imaterial, que expressem a identidade, a memória e os modos de viver dos diversos grupos formadores da sociedade.
Nesse contexto, o projeto de lei visa não apenas concretizar esses direitos constitucionais, mas também assegurar a liberdade de crença, preservar as expressões culturais e combater todas as formas de intolerância religiosa.
O projeto não cria novas regras de direito civil – matéria de competência privativa da União (art. 22, I, da CF/88) – mas apenas reconhece a legitimidade cultural e religiosa dos ritos matrimoniais afro-brasileiros e sua compatibilidade com a legislação federal existente (art. 1.515 do Código Civil e arts. 70 a 75 da Lei nº 6.015/1973). Assim, trata-se de norma de natureza declaratória e afirmativa, que concretiza direitos fundamentais sem invadir competência federal.
O reconhecimento dos casamentos religiosos das umbandas e das nações do candomblé representa uma ação afirmativa de valorização da cultura afro-brasileira e de combate à intolerância religiosa, atendendo aos objetivos fundamentais da República (art. 3º, IV, da CF/88) e aos princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, e art. 5º, caput e VI, Constituição Federal de 1988).
Em Minas Gerais, onde há milhares de terreiros e casas de culto de matriz africana, é dever do Estado assegurar tratamento isonômico entre as diversas tradições religiosas, contribuindo para o fortalecimento da diversidade cultural e para a redução da discriminação histórica que atinge essas comunidades.
A proposta, portanto, não interfere na laicidade do Estado, mas reafirma o princípio de neutralidade e igualdade entre credos, consolidando o direito à expressão plena da fé e das tradições afro-brasileiras.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Cultura, dos Direitos Humanos e de Administração Pública para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.