PL PROJETO DE LEI 3758/2025
Projeto de Lei nº 3.758/2025
Institui o programa Primeira Infância Melhor – PIM.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído o programa Primeira Infância Melhor – PIM – como parte integrante da política estadual de promoção e desenvolvimento da primeira infância, a ser implementado pelo Estado em parceria com os municípios ou organizações não governamentais.
§ 1º – O PIM tem por finalidade a promoção do desenvolvimento integral da criança, da gestação aos cinco anos de idade, com ênfase no período gestacional e na faixa etária de zero a três anos, complementando a ação da família e da comunidade.
§ 2º – O desenvolvimento integral da criança de que trata este artigo deverá abranger os aspectos físico, psicológico, intelectual e social da infância.
§ 3º – O PIM será implementado em todos os municípios do Estado com a colaboração dos setores responsáveis pelas áreas da educação, da saúde e da assistência social, de organizações não governamentais e de programas de orientação e apoio aos pais com filhos de até cinco anos de idade.
Art. 2º – O PIM será organizado em consonância com a doutrina da proteção integral da criança, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e em conformidade com o disposto nas Leis Federais nºs 8.069, de 13 de julho de 1990; 8.080, de 19 de setembro de 1990; 8.742, de 7 de dezembro de 1993; 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e na Lei nº 10.501, de 17 de outubro de 1991.
Art. 3º – As ações do PIM consistirão em:
I – apoiar e fortalecer as competências da família como primeira e mais importante instituição de cuidado e educação da criança nos primeiros anos de vida;
II – prestar apoio educacional e amparar as crianças para complementar as ações da família e da comunidade;
III – promover a articulação entre as políticas correlacionadas desenvolvidas nos municípios e territórios adscritos, fortalecendo as ações da atenção básica em saúde, proteção social básica e educação;
IV – prestar assistência social às crianças e às famílias beneficiadas por serviços de proteção social básica;
V – ofertar apoio e orientação relativos ao acesso ao sistema de ensino;
VI – promover a participação em atividades socioeducativas, culturais e desportivas voltadas às comunidades e famílias;
VII – prestar toda e qualquer orientação às famílias sobre cuidados de saúde da gestante e da criança, em articulação com os programas de saúde da mulher, da criança e da família;
VIII – ofertar apoio e orientação relativos ao acesso ao sistema de garantia de direitos e promover, junto às famílias, práticas sociais de caráter coletivo, participativo e solidário, envolvendo instituições, associações e movimentos sociais;
IX – ofertar apoio e orientação relativos ao acesso ao sistema de saúde, fortalecendo os saberes familiares sobre os cuidados com a saúde da gestante e da criança, priorizando crianças com deficiência física e mental;
X – promover ações de divulgação e sensibilização junto à sociedade e ao poder público, apoiando estratégias de ampliação dos conhecimentos sobre a primeira infância e de priorização desta etapa da vida nas políticas públicas.
Parágrafo único – As ações do poder público de que trata este artigo serão prestadas, predominantemente, no âmbito da família e das instituições comunitárias.
Art. 4º – As ações do PIM ficarão sob a responsabilidade, principalmente, das Secretarias de Estado da Saúde, da Educação, de Cultura e Turismo, de Desenvolvimento Social e de Justiça e Segurança Pública.
§ 1º – O Comitê Gestor do PIM, constituído pelos titulares das secretarias estaduais supracitadas ou por representantes por eles designados, terá como atribuição a coordenação político-institucional do PIM, conforme as metas e diretrizes gerais fixadas para sua implementação.
§ 2º – A Secretaria da Saúde exercerá a coordenação geral do PIM, com colaboração das demais secretarias.
Art. 5º – O Grupo Técnico Estadual − GTE −, constituído por representantes das secretarias referidas no caput do art. 4º desta lei, será o gestor operacional do PIM, com função de apoiar a implantação e a implementação da política, monitorar e avaliar a execução do PIM e os resultados gerais alcançados pelos municípios e pelas organizações não governamentais.
Art. 6º – O PIM será executado pelos municípios ou por organizações não governamentais, mediante termo de adesão a ser celebrado entre o Estado e os municípios ou entre o Estado e organização não governamental.
Parágrafo único – No âmbito dos municípios, o PIM será coordenado pelos órgãos da administração municipal responsáveis pelas áreas da saúde, da educação e da assistência social.
Art. 7º – A equipe municipal do PIM será constituída pelos integrantes do Grupo Técnico Municipal − GTM − e por monitores e visitadores.
§ 1º – O GTM, constituído por representantes dos setores elencados no caput do art. 7º desta lei, será o gestor operacional do PIM, com função de implantar e implementar a política no município sob sua responsabilidade, monitorar e avaliar a execução do PIM e promover a articulação da rede de serviços municipal.
§ 2º – Os monitores serão responsáveis pela supervisão das ações dos visitadores junto às respectivas famílias e pela interlocução entre os visitadores, o GTM e a rede de serviços nas comunidades.
§ 3º – Os visitadores serão responsáveis pelo atendimento domiciliar e comunitário às famílias, por meio do desenvolvimento de atividades específicas.
Art. 8º – Para atuação no PIM, será exigida a seguinte escolaridade:
I – para membro do GTM: nível superior completo em áreas de educação, saúde, serviço social e ciências sociais, acrescido de curso introdutório específico oferecido pelo GTE, com duração mínima de 24 (vinte e quatro) horas;
II – para monitor: nível superior completo ou formação em andamento nas áreas de educação, saúde, serviço social e ciências sociais, acrescidos de curso introdutório específico oferecido pelo GTM, com duração mínima de 32 (trinta e duas) horas;
III – para visitador: ensino médio completo, acrescido de curso introdutório específico oferecido pelo GTM, com duração de 60 (sessenta) a 180 (cento e oitenta) horas.
Parágrafo único – Em hipótese excepcional e com parecer favorável do GTE, será admitida a formação em nível fundamental para o cargo de visitador, acrescida de curso introdutório específico oferecido pelo GTM, com duração mínima de 120 (cento e vinte) horas.
Art. 9º – A metodologia de atendimento às famílias prevê duas modalidades:
I – atendimento destinado às famílias com gestantes e crianças de até três anos, realizado em suas moradias, uma vez por semana;
II – atendimento destinado às famílias com gestantes e crianças de três até cinco anos, realizado em espaços comunitários, uma vez por semana.
Art. 10 – Para a execução do programa Primeira Infância Melhor, o Estado prestará assistência técnica e financeira aos municípios ou às organizações não governamentais.
§ 1º – A assistência financeira consistirá em repasse mensal de recursos do Fundo Estadual da Saúde para os respectivos fundos municipais de saúde, da assistência social e dos direitos da criança e do adolescente, e poderá ser complementada por outros incentivos financeiros regulamentados por portaria específica.
§ 2º – Os critérios para a assistência financeira prevista no parágrafo anterior serão fixados no Orçamento do Estado.
§ 3º – A assistência técnica será prestada pelo GTE.
§ 4º – As Secretarias de Estado de Educação e de Cultura e Turismo prestarão assistência técnica por meio de programas de capacitação dos recursos humanos necessários à implementação do PIM pelos municípios ou por organizações não governamentais.
Art. 11 – Os municípios que aderirem ao programa Primeira Infância Melhor preverão em seus orçamentos anuais recursos das áreas da saúde, educação, cultura e assistência social para financiamento e execução do programa.
Art. 12 – No caso de execução do PIM pelas organizações não governamentais, a assistência financeira e técnica do Estado será regulamentada por decreto do Poder Executivo.
Art. 13 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 13 de maio de 2025.
Doutor Jean Freire (PT), responsável da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes na 20ª Legislatura e vice-líder do Bloco Democracia e Luta.
Justificação: Inspirado na Lei nº 12.544, de 3 de julho de 2006, que institui o programa Primeira Infância Melhor – PIM – no Estado do Rio Grande do Sul, esta proposição tem como objetivo assegurar apoio às famílias mineiras, com base em sua cultura e suas experiências, na promoção do desenvolvimento integral das crianças, desde a gestação até os seis anos de idade.
Com atendimento prioritário a famílias em situação de vulnerabilidade, famílias com gestante e famílias com criança de até três anos de idade, as ações do PIM impactam na melhoria das condições de saúde, educação e desenvolvimento social, incidindo sobre a transmissão intergeracional das desigualdades. Dentre essas ações, destaca-se a promoção dos direitos na primeira infância, o fortalecimento da parentalidade positiva e da prontidão para aprendizagem, a ampliação da escolaridade, a redução da morbimortalidade materno-infantil, das violências, das desigualdades e a ruptura dos ciclos de pobreza.
Os atendimentos do PIM ocorrem por meio de visitas domiciliares e atividades em grupo realizados periodicamente a famílias com gestantes e crianças menores de seis anos. Em alguns casos excepcionais, o atendimento às famílias pode ser feito de forma híbrida, associando visitas presenciais e remotas.
As ações têm como foco a promoção do desenvolvimento infantil integral e da parentalidade positiva, bem como a identificação de potencialidades e necessidades das famílias que devem ser articuladas em rede, visando a integralidade do cuidado.
A participação das famílias é voluntária e ocorre mediante convite e ciência dos objetivos e das ações que serão desenvolvidas. A data e o horário dos atendimentos devem ser acordados, considerando-se o melhor interesse da família. Caso queira desligar-se do PIM, a família não sofrerá nenhum prejuízo no recebimento de benefícios socioassistenciais.
Os atendimentos são planejados a partir do Plano Singular de Atendimento, construído em diálogo permanente com a família e com os profissionais da rede de serviços que realizam o acompanhamento dela, por meio do qual é possível reconhecer as especificidades de cada família e traçar as ações a serem desenvolvidas. Nesses atendimentos, busca-se desenvolver conhecimentos de saúde, educação, cultura e desenvolvimento social e utiliza-se a ludicidade como uma abordagem que incorpora brincadeiras e jogos e valoriza o potencial brincante das crianças e das famílias nos processos de ensino e aprendizagem.
A política dispõe de guias de orientação, instrumentos e formações que apoiam o visitador no planejamento e execução dos atendimentos, além do suporte permanente do Grupo Técnico Municipal – GTM – e de monitores e supervisores.
A metodologia do Primeira Infância Melhor – PIM – tem seu suporte teórico firmado nas contribuições de estudiosos sobre a temática do desenvolvimento infantil, tendo como base as primeiras relações do bebê com o mundo. Está fundamentada nos pressupostos de Lev Vygotsky, Jean Piaget, John Bowlby, Donald Winnicott e Jerome Bruner, além dos recentes estudos da neurociência. Essa metodologia trabalha, igualmente, com referências multidisciplinares, visando o desenvolvimento integral da infância dentro da perspectiva de uma educação não formal.
Lev Vygotsky tomou como base seu conceito de zona de desenvolvimento proximal, que focaliza a aprendizagem que parte daquilo que o sujeito já sabe, tendo como horizonte aquilo que ele tem potencialidade de aprender. Isso significa, pois, a importância do outro como intermediador da relação da criança com o mundo. Nesse processo, põem-se em evidência as qualidades especificamente humanas do cérebro, conduzindo-se a criança a atingir novos níveis de desenvolvimento. “A criança fará amanhã sozinha aquilo que hoje é capaz de fazer em cooperação”, (1979).
Sobretudo, as ações do PIM inspiram-se na concepção de que a interação dos sujeitos com seu meio social e cultural tem papel preponderante no seu processo de aprendizagem. Para Vygotsky, a formação se dá em uma relação dialética entre o sujeito e a sociedade ao seu redor – ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem, criando uma trama de significados singulares para cada um. Tais singularidades são a base para as ações desenvolvidas pela política junto às famílias.
Com Jean Piaget, o PIM alinha-se às concepções teóricas que contemplam as faixas etárias que lhe são prioritárias, ou seja, que compreendem as crianças de até seis anos. Para o autor, o desenvolvimento humano obedece a certos estágios hierárquicos que se sucedem a partir do nascimento, até se consolidarem, por volta dos 16 anos de idade. A ordem desses estágios seria, segundo Piaget, “invariável e inevitável” para todos os indivíduos. Mais especialmente, dizem respeito ao PIM os estágios: a) “sensório-motor” (do nascimento aos dois anos), em que a criança desenvolve um conjunto de “esquemas de ação” sobre o objeto, que lhe permitem construir um conhecimento físico da realidade; b) “pré-operatório” (dos dois aos seis anos), em que a criança inicia a construção da relação causa e efeito, bem como das simbolizações. É a chamada idade dos porquês e do faz de conta. Como se percebe, tais concepções dão significativo suporte à estratégia do brincar, utilizada pelo PIM em suas atividades.
John Bowlby, por sua vez, traz a Teoria do Apego. Dentre as diferentes formas de apego, a mais adequada é aquela em que o outro pode ser percebido como uma base segura, a partir da qual o indivíduo poderá explorar o mundo e experimentar outras relações. Assim, um modelo seguro de apego desenvolverá expectativas positivas em relação ao mundo. O estabelecimento de apegos seguros na infância tendem fortemente ao desenvolvimento saudável dos indivíduos. Bowlby (1990) enfatiza que “variável alguma tem mais profundos efeitos sobre o desenvolvimento da personalidade do que as experiências infantis no seio da família: a começar dos primeiros meses e da relação com a mãe”.
Já em Donald Winnicott o PIM encontra total afinidade em sua concepção sobre a relação saudável que se desenvolve entre o ambiente e o bebê, da qual emergem os fundamentos da constituição da pessoa e do desenvolvimento emocional e afetivo da criança. Segundo esse teórico, cada ser humano traz consigo um potencial de “vir-a-ser”, potencial para amadurecer e se tornar um indivíduo independente e criativo. Winnicott ressalta que a qualidade das relações estabelecidas favorecem ou dificultam o potencial de saúde da criança.
Jerome Bruner foi agregado ao PIM pela referência às populações indígenas, aos quilombolas e a mulheres no cárcere. A temática da diversidade, cujo foco as políticas nacionais têm considerado como necessário e urgente, igualmente encontra espaço assegurado nas ações do PIM, que se coloca ajustado às políticas de inclusão, levando em conta as diferenças culturais e étnicas, reconhecidamente abundantes no Estado. Sua teoria inclui a revitalização das culturas a partir das próprias comunidades, promovendo o fortalecimento da autoestima e da identidade étnico-racial.
A neurociência, que confirma as performances do funcionamento do cérebro, sua plasticidade e capacidade de conexões neuronais, comprovam a importância do estímulo em tempo adequado para o desenvolvimento integral do bebê. O impacto do ambiente é extremamente significativo, não apenas influenciando a direção do desenvolvimento, mas também como o complexo circuito do cérebro humano é conectado. As experiências nos primeiros meses de vida dão forma para posteriores funções psicológicas, tais como percepção, memória, emoções e até pensamentos e comportamentos: são todos produtos da atividade dos circuitos neuronais. É por isso que as vivências – positivas ou negativas – que as crianças têm nos seus primeiros anos de vida influenciam como seus cérebros se configurarão como adultos no futuro.
O programa Primeira Infância Melhor já é uma das politicas públicas intersetoriais mais bem avaliadas e replicadas por outros países e estados, desenvolvido com o objetivo de promover melhoria das condições de saúde, educação e desenvolvimento social, incidindo sobre a transmissão intergeracional das desigualdades das crianças mineiras. Desse modo, conto com o apoio dos nobres pares na aprovação desta proposição.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Doutor Jean Freire. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 2.915/2021, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.