PL PROJETO DE LEI 3019/2021
Projeto de Lei nº 3.019/2021
Proíbe os profissionais de saúde e as operadoras de planos de assistência ou seguro à saúde de exigir o consentimento de cônjuge, familiar ou companheiro(a) para realizar ou autorizar os procedimentos de inserção dos métodos contraceptivos no Estado de Minas Gerais.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Esta lei objetiva garantir a autonomia e assegurar o acesso à saúde e à liberdade reprodutiva e sexual das mulheres, bem como de homens trans e das pessoas não-binárias, agênero, e demais indivíduos que possam fazer uso de métodos contraceptivos no Estado de Minas Gerais.
Art. 2º – É vedada aos profissionais de saúde, bem como às operadoras de planos de assistência ou seguro à saúde, a exigência do consentimento de cônjuge, familiar ou companheiro(a) para realizar ou autorizar a realização de procedimentos contraceptivos, tais como: inserção de dispositivo intrauterino (DIU), implante contraceptivo, injeção anticoncepcional, dentre outros, no Estado de Minas Gerais.
Parágrafo único – Consideram-se abusivas as exigências descritas no caput deste artigo, sob pena de colocar em risco a saúde física e psíquica da mulher.
Art. 3º – O descumprimento das disposições desta lei sujeitará o infrator às penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos arts. 56 e 57, devendo a multa ser estipulada em regulamentação própria do Procon/MG e revertida para o Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor (FEDDC).
Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 13 de agosto de 2021.
Andréia de Jesus (Psol)
Justificação: Segundo disposição da Constituição Federal em seu art. 24 – “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (...) XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;”, de modo que “§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”, e “§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”.
Nesse sentido, ausente legislação geral acerca de métodos contraceptivos e visando proteger a autonomia da mulher e da consumidora (incluídas também outras pessoas portadoras de aparato reprodutivo feminino como homens trans e pessoas não-binárias ou agênero), cabe ao Estado de Minas Gerais, à luz da igualdade constitucional entre homens e mulheres, versar sobre a referida proibição. Ressalta-se a diferença entre método contraceptivo e método de esterilização, sendo este último definitivo, permanente, e sobre o qual já há disposição em Lei Federal (Lei nº 9.263/92).
É dever do Estado, conforme a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93, de 14 de novembro de 1983, e promulgada pelo Decreto nº 89.406, de 1º de fevereiro de 1984) não apenas consagrar o princípio da igualdade do homem e da mulher, mas também assegurar por lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio. E para tal devem ser adotadas “todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher”, abrangidas, aqui, as discriminações na esfera dos cuidados médicos “a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento familiar” (vide art. 12 da Convenção). Essa determinação também corrobora os princípios adotados pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pelo Decreto nº 1.973/1996.
O livre acesso a métodos contraceptivos é parte essencial da garantia do planejamento familiar, considerado pela Lei nº 9.263/92 como “parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde”, e que deve ser orientado por “ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade”.
Resta claro, desta forma, o dever do legislador em todas as esferas de atuar ativamente para a garantia dos princípios constitucionais e dos direitos humanos para as mulheres, em consonância com o entendimento da Suprema Corte conforme exposto na Cartilha de Proteção da Mulher: Jurisprudência do STF e Bibliografia Temática: “(...) uma efetiva igualdade substantiva de proteção jurídica da mulher contra a violência baseada em gênero exige atuação positiva do legislador, superando qualquer concepção meramente formal de igualdade, de modo a eliminar os obstáculos, sejam físicos, econômicos, sociais ou culturais, que impedem a sua concretização. Quando o ponto de partida é uma situação indesejável de desigualdade de fato, o fim desejado da igualdade jurídica (art. 5º, caput e I, da CF), materialmente, somente é alcançado ao se conferir aos desiguais tratamento desigual na medida da sua desigualdade” [ADC 19, rel. min. Marco Aurélio, voto da min. Rosa Weber, j. 9-2-2012, P, DJE de 29-4-2014].
A desigualdade de gênero persiste, e por isso se justifica a criação da presente Lei numa conjuntura em que planos de saúde de Minas Gerais têm exigido consentimento de maridos para realização do procedimento de inserção de DIU (dispositivo intrauterino), um método contraceptivo, em mulheres casadas, refletindo o machismo que vigora no estado. É urgente uma manifestação do poder legislativo mineiro para combater ativamente a discriminação contra a mulher, em respeito às garantias fundamentais da Constituição da República.
Assim, com o intuito de fomentar a discussão e a conscientização acerca desse importante tema, apresentamos o presente projeto de lei, para cuja aprovação contamos com o apoio de nossos nobres pares.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos, dos Direitos da Mulher e de Saúde para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.