PL PROJETO DE LEI 480/2015
PROJETO DE LEI Nº 480/2015
(Ex-Projeto de Lei nº 4.064/2013)
Dispõe sobre a negociação coletiva, o direito de greve e o afastamento de dirigentes sindicais no âmbito das administrações direta, autárquica e fundacional do Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º - Esta lei tem por objetivo regulamentar as relações de trabalho entre os servidores públicos e o Poder Executivo, definindo diretrizes para a negociação coletiva, o tratamento dos conflitos e o exercício do direito de greve no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional do Estado.
Parágrafo único - Para os fins desta lei, a categoria de servidores públicos compreende o conjunto de ocupantes de cargos efetivos ou em comissão, empregos e funções públicas na administração direta, autárquica e fundacional do Estado.
Art. 2º - A livre associação sindical, a negociação coletiva e o direito de greve são preceitos constitucionais indissociáveis do processo de democratização das relações de trabalho no âmbito da administração pública.
§ 1º - O disposto no caput deste artigo aplica-se a todos os servidores públicos.
§ 2º - O servidor público não poderá ser prejudicado, beneficiado, isento de um dever ou privado de qualquer direito em virtude do exercício da atividade ou da associação sindical.
§ 3º - A liberdade de associação sindical no setor público pressupõe o direito à negociação coletiva, inclusive como instrumento de solução de conflitos nas relações de trabalho.
Art. 3º - A representação sindical dos servidores públicos compreende os sindicatos, as federações, as confederações e as centrais sindicais.
§ 1º - No caso de inexistência de sindicato, caberá à federação representar a categoria na negociação coletiva.
§ 2º - Em caso de inexistência de federação, a categoria será representada pela confederação ou pela central sindical respectiva.
§ 3º - Nos casos a que se referem os §§ 1º e 2º deste artigo, a substituição será objeto de deliberação em assembleia geral da categoria convocada para esse fim.
CAPÍTULO II
DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Art. 4º - A negociação coletiva pautar-se-á pelo reconhecimento das partes e pelo respeito mútuo.
Art. 5º - Consideram-se condutas de boa-fé objetiva, entre outras:
I - participar da negociação coletiva;
II - formular e responder às propostas e contrapropostas que visem a promover o diálogo entre os atores coletivos;
III - prestar informações solicitadas pela entidade sindical com detalhamento e no prazo de 10 dias;
IV - preservar o sigilo das informações quando expressamente recebidas com esse caráter;
V - cumprir integralmente o acordado na mesa de negociação.
Parágrafo único - Configura prática antissindical a não observância das condutas enumeradas nos incisos deste artigo.
Art. 6º - A administração pública assegurará, como dever do Estado e direito dos servidores públicos, o diálogo e o fortalecimento das negociações coletivas.
Art. 7º - A negociação coletiva realizar-se-á por meio de sistema permanente de composição, entre a administração pública e as entidades sindicais formalmente constituídas, por meio de pauta de negociação apresentada pelas partes.
§ 1° - Fica assegurada, no mínimo, a negociação anual, sempre na mesma data, fixada pela categoria dos servidores públicos, para a revisão geral dos subsídios, dos vencimentos, dos proventos, das pensões, dos salários e das gratificações, a fim de preservar-lhes o valor real.
§ 2° - Dependendo do resultado de negociação coletiva, será assegurado aos servidores públicos em geral aumento real dos subsídios, dos vencimentos, das gratificações, dos proventos, das pensões e dos salários.
§ 3° - O Ministério do Trabalho e Emprego – MTE –, quando solicitado por qualquer das partes, poderá participar da negociação coletiva como mediador.
Art. 8º - O sistema de negociação coletiva será implementado por meio de mesas de negociação permanente.
§ 1º - Nas mesas de negociação permanente serão asseguradas a liberdade de pauta dos participantes e o direito à livre apresentação formal de pleitos.
§ 2º - O Estado, juntamente com os sindicatos representantes dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos ou em comissão, empregos e funções públicas da administração direta, autárquica e fundacional, no prazo de um ano contado da data de publicação desta lei, detalhará o funcionamento do sistema de negociação em lei específica, que garantirá que os processos negociais gerais e específicos sejam articulados entre si.
Art. 9º - Os sistemas de negociação serão organizados com a finalidade de:
I - assegurar a prerrogativa de instauração da negociação coletiva por qualquer das partes interessadas para tratar de questões gerais, especificas ou setoriais;
II - garantir a negociação coletiva sempre que houver demanda da categoria;
III - assegurar os mecanismos e os procedimentos de negociação na base de representação das entidades sindicais que integrarem o processo negocial, observadas as especificidades dos órgãos e das carreiras do serviço público;
IV - oferecer mecanismos eficazes ao tratamento de conflitos nas relações de trabalho;
V - definir procedimentos para a explicitação dos conflitos;
VI - firmar compromissos em que as representações compartilhem a defesa do interesse público por meio da implementação de instrumentos de trabalho que propiciem a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados à sociedade, considerando os princípios da solidariedade e da cooperação;
VII - assegurar mecanismos que garantam o cumprimento do que tenha sido negociado e acordado entre as partes.
Art. 10 - É assegurado à entidade sindical o estabelecimento da pauta de negociação, que deverá ser aprovada pela assembleia geral, para a qual deverá ser convocada toda a categoria, na forma do estatuto da entidade.
Art. 11 - É obrigatória a participação dos representantes legais na negociação coletiva.
Art. 12 - A assinatura da convenção coletiva ou do acordo coletivo dependerá da anuência da categoria, mediante deliberação em assembleia geral, para a qual deverá ser convocada toda a categoria, na forma do estatuto da entidade sindical.
Art. 13 - Os acordos firmados são bilaterais, vinculando as partes à adoção das providências para sua efetivação e sua manutenção.
Art. 14 - Caberá ao titular do respectivo Poder homologar as proposições apresentadas por meio do sistema de negociação permanente.
Parágrafo único - A atribuição de que trata o “caput” deste artigo poderá ser exercida por delegação de competência.
Art. 15 - Os acordos resultantes da negociação coletiva serão registrados em instrumentos firmados pelas partes e publicados no diário oficial do Estado de Minas Gerais.
§ 1º - Dos instrumentos firmados pelas partes constará, no mínimo a abrangência, a aplicabilidade, os prazos e a vigência do quanto acordado.
§ 2º - Os instrumentos firmados deverão ser protocolizados no MTE.
Art. 16 - É irrevogável e irretratável a convenção coletiva ou o acordo coletivo resultante do processo de negociação coletiva.
Parágrafo único - Os acordos ou instrumentos resultantes da negociação coletiva possuem ultratividade e serão prorrogados automaticamente até que outro seja firmado ou pactuado.
Art. 17 - Compete à administração pública adotar as providências administrativas para efetivação do acordo e, quando for o caso, encaminhar, no prazo de 30 dias, respeitados os ciclos orçamentários e outros prazos legais devidamente comprovados, os projetos de lei que disciplinem o acordado para a apreciação do Poder Legislativo.
CAPÍTULO III
DA APLICAÇÃO DO DIREITO DE GREVE
Art. 18 - É reconhecido o direito de greve dos servidores públicos, competindo-lhes decidir livremente sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam, por meio dele, defender.
Art. 19 - Entende-se por greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação de serviços ou atividades da administração direta, autárquica e fundacional do Estado.
Art. 20 - É assegurado o direito de greve dos servidores públicos, sendo expressamente vedada a contratação de trabalhadores substitutos, enquanto perdurar a paralisação.
§ 1° - Em nenhuma hipótese, as medidas adotadas pelo Estado relativamente às greves poderão violar ou constranger os direitos e as garantias fundamentais dos servidores públicos.
§ 2º - É vedado ao Poder Executivo adotar medidas para constranger o servidor público ao comparecimento ao trabalho e para frustrar a divulgação do movimento grevista.
Art. 21 - É assegurado aos grevistas o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir os demais servidores a aderirem à greve, a arrecadar fundos de greve e a divulgar livremente o movimento grevista.
Parágrafo único - É livre o acesso dos dirigentes e representantes sindicais aos locais de trabalho ou de prestação de serviços.
Art. 22 - A entidade sindical que convocar a greve deverá notificar o órgão ou a entidade pertinente no prazo de quarenta e oito horas, contadas a partir da aprovação pela assembleia geral da deflagração da greve.
Art. 23 - Os servidores grevistas deverão garantir a manutenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos serviços e atividades considerados inadiáveis, assim entendidos os serviços e as atividades destinados a garantir o atendimento das necessidades da população.
Parágrafo único - São necessidades da população, supridas por meio de atividades inadiáveis, aquelas que, se não forem atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Art. 24 - A participação do servidor em movimento grevista não será critério de avaliação de desempenho e de avaliação de índices de produtividade ou justificativa de incapacidade para desempenho da função pública e não se configurará em faltas ao trabalho.
§ 1° - Nenhum servidor público sofrerá sanções, punições e discriminação ou terá instaurado contra si procedimento disciplinar por participar de greve, salvo por justo motivo devidamente comprovado em processo administrativo disciplinar, garantido o contraditório e a ampla defesa.
§ 2° - O descumprimento do disposto no caput deste artigo será considerado como prática antissindical.
Art. 25 - As faltas ao trabalho em decorrência de greve não poderão gerar desconto em folha de pagamento, sendo sua compensação feita mediante acordo entre as partes.
Art. 26 - A participação de dirigentes sindicais nos processos negociais, formalmente constituídos, decorrentes de greve não configurará falta ao trabalho.
CAPÍTULO IV
DO AFASTAMENTO DE DIRIGENTES SINDICAIS
Art. 27 - Para atender ao disposto nesta lei, fica assegurado aos servidores públicos o afastamento dos respectivos cargos, empregos ou funções exercidas, quando investidos em mandato de dirigente sindical ou em mandato no conselho fiscal de entidade sindical.
§ 1° - A lei de que trata o caput deste artigo garantirá o livre exercício da atividade sindical.
§ 2° - Na existência de lei ou acordo anterior que já regulamente a matéria, prevalecerá a norma que for mais favorável ao servidor público e ao exercício da atividade sindical.
Art. 28 - Fica assegurada a dispensa de ponto da comissão de servidores públicos, designada pela direção de seu respectivo sindicato, o servidor que participar da mesa de negociação coletiva.
Art. 29 - O direito de afastamento dos dirigentes sindicais se aplica a sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais.
Art. 30 - São assegurados ao dirigente sindical afastado para exercer mandato classista todos os direitos, garantias e vantagens pessoais ou decorrentes do cargo, emprego ou função.
Art. 31 - Sob pena de violação do direito à livre atividade sindical, é garantida a inamovibilidade do dirigente sindical até um ano após o término do mandato, salvo por solicitação e anuência expressa do próprio servidor.
Art. 32 - O ônus do afastamento de servidores para desempenho de mandato sindical será de responsabilidade do órgão ou do ente com o qual o servidor tenha vínculo.
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 33 - A inobservância dos princípios referidos nesta lei acarretará a aplicação de penalidades ao infrator.
Art. 34 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 12 de março de 2015.
Celinho do Sinttrocel
Justificação: O direito de greve dos servidores públicos está previsto no inciso VII do art. 37 da Constituição da República, in verbis:
“Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
Esse artigo está inserido no capítulo que cuida da administração pública (Capítulo VII do Título III). A previsão nele constante decorre do regime jurídico diferenciado aplicado ao serviço público, que tem como um de seus pressupostos atender aos interesses da coletividade.
Por outro lado, o regime jurídico diferenciado aplicado a trabalhadores da iniciativa privada e a servidores públicos não lhes pode impor violação a direitos fundamentais, na medida em que são todos trabalhadores.
Não se pode anuir à assertiva de que apenas os trabalhadores da iniciativa privada podem exercer o direito de greve, quando legítima, com base na Lei nº 7.783, de 1989, que apenas a eles aproveita, sob pena de se estar reduzindo a categoria do servidor público a uma subcategoria. Isso seria colocar o servidor público em situação inferior à dos demais trabalhadores, impedindo-o de exercer um direito reconhecido e consagrado pela Constituição Federal, por inércia do Legislativo. Cuida-se, pois, de verdadeira desigualdade.
Além disso, sendo o direito de greve um corolário do direito ao trabalho e, portanto, um direito humano, não pode ele retroceder (cláusula do não retrocesso), porque resultante de evolução e de conquistas históricas da humanidade.
Nessa esteira, em que pesem as decisões contrárias, a Corte Especial do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, já em 2002, ainda que por decisão majoritária, assim decidia:
"O governo está ficando refém de sua odiosa política de amesquinhamento do servidor público com o achatamento perverso dos salários e o corte de vantagens já auferidas há anos. As greves estão estourando em diversos setores da administração, direta ou indireta. Nesse momento temos greve dos professores, dos servidores da previdência, da Imprensa Nacional. Paralisações de outros serviços já ocorreram. Essa desastrosa política está levando o país ao caos.
Outras paralisações, sem dúvida, acontecerão. Ninguém faz greve por prazer, diversão. O governo age de maneira insensível com os grevistas. A alegação de sempre é que as greves são 'motivadas por interesses corporativos, políticos e pessoais'. Alegação que não convence ninguém, nem a ele próprio. São atos de força que pratica. Não dialoga com o servidor grevista. E quando, raras vezes e já numa situação crítica, resolve conversar, faz acertos, para logo depois voltar atrás. É triste o que acontece. Muito triste. Está na hora de o governo dialogar com os grevistas da imprensa nacional e apresentar uma digna proposta de acordo".
Nesse passo e na esteira da conhecida provocação de Norberto Bobbio, vale ponderar: um direito que não pode ser exercido pode ser considerado um direito? "Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o 'programa' é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de 'direito'?”.
Dialogando sob essa ótica, cabe lembrar ser competência exclusiva do Estado regulamentar as matérias relativas a seus servidores, conforme a Constituição do Estado:
“TÍTULO III - DO ESTADO
CAPÍTULO I - DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
Seção V - Dos Servidores Públicos
Subseção II - Dos Servidores Públicos Civis
Art. 33 - O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
Assim sendo, este projeto pretende dar eficácia a preceitos da Constituição do Estado. Como ainda não houve a necessária regulamentação do direito de greve, nem se instituíram meios legais para seu exercício, é urgente que se aprove este projeto.
- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Administração Pública para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.