PL PROJETO DE LEI 3963/2013
PROJETO DE LEI Nº 3.963/2013
Dispõe sobre a exclusão de cláusula de inalienabilidade constante de escritura de doação de bem imóvel realizada pelo Estado, nos termos da Lei nº 14.381, de 13 de novembro de 2002.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º - Fica excluída a cláusula de inalienabilidade contida na escritura pública de doação lavrada a fls. 90 do Livro 1.296 N do Cartório do 9º Ofício de Notas de Belo Horizonte, realizada por força da Lei nº 14.381, de 13 de novembro de 2002.
Art. 2º - Em decorrência do comando contido no artigo anterior, fica o Estado autorizado a proceder à rerratificação da escritura pública de doação de imóvel ao Município de Cataguases, lavrada a fls. 90 do Livro 1.296 N do Cartório do 9º Ofício de Notas de Belo Horizonte, realizada por força da Lei nº 14.381, de 13 de novembro de 2002, com a exclusão da cláusula de inalienabilidade dela constante, retificando-se o referido instrumento nessa parte e ratificando-se todos os demais termos da referida escritura.
Parágrafo único - O imóvel objeto da escritura referida no “caput” é constituído pelas matrículas 23.440 e 23.443, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Cataguases, já que o registro anterior de nº 12.881, a fls. 68 v° do Livro 3-AK, não existe mais, uma vez que era a denominada transcrição, na forma dos registros anteriores à Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), e foi extinto com o registro da escritura de doação do Estado para o Município de Cataguases, dando ensejo à matrícula 23.440, como se vê da atual matrícula 23.443, na qual consta menção dos registros anteriores.
Art. 3º - Fica convalidada a doação ao Município de Cataguases, pelo Estado, do bem imóvel constituído de área de 3.000m² (três mil metros quadrados), sem o gravame da inalienabilidade, adquirido conforme registro de nº 12.881, a fls. 68 v° do Livro 3–AK, lavrado em 13 de junho de 1958, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Cataguases, bem como os atos referentes a esse imóvel praticados posteriormente pelo Município de Cataguases, por meio da edição de leis.
Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 16 de abril de 2013.
Sebastião Costa
Justificação: Através da Lei n° 14.381, de 13/9/2002, o Estado doou ao Município de Cataguases, sem o gravame da inalienabilidade, terreno de sua propriedade que se encontra na base territorial desse Município.
Ocorre que, embora na lei acima citada não tenha constado cláusula de inalienabilidade, o referido gravame constou na lavratura da escritura pública de doação.
Como é de conhecimento geral, atualmente o Estado pode, mediante lei autorizativa, doar bens a Municípios e até mesmo a particulares, o que foi permitido pelo Supremo Tribunal Federal através da decisão preferida na ADI 927-3, a qual determinou em medida cautelar a suspensão da alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666, de 1993.
Por outro lado, o bem doado (um terreno abandonado) insere-se na classe de bens dominicais que não estão destinados ao uso geral, diferentemente dos bens de uso comum, destinados ao uso indeterminado e indistinto de toda a população, como os rios, as ruas, as praças e os mares.
Como é cediço, até mesmo os bens de uso comum podem ser doados mediante lei autorizativa, operando os efeitos do instituto jurídico da desafetação, sendo certo que os bens dominicais, por não estarem afetados, não precisam ser desafetados para que ocorra sua alienação, por constituírem parte do patrimônio disponível do Estado.
Ainda assim, neste caso, houve a edição, por parte do Estado, de lei autorizativa da doação do terreno (Lei nº 14.381, de 13/9/2002), lei essa em que não constou cláusula de inalienabilidade.
No que se refere à convalidação e invalidação de atos administrativos, em princípio, a administração apenas pode e deve emitir atos válidos, ou seja, adaptados ao modelo geral.
Verifica-se que a administração, em razão, principalmente, dos princípios da restritividade e da indisponibilidade do interesse público, prima por retirar do mundo jurídico os atos administrativos ilegais, inoportunos ou inconvenientes.
O princípio da legalidade envolve a sujeição do agente público não só à lei aplicável ao caso concreto, mas também, no Estado Constitucional de Direito, ao regramento jurídico e, especialmente, aos princípios constitucionais.
No ensinamento de Marino Pazzaglini Filho, em sua obra “Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública” (São Paulo: Atlas, 2000), “o princípio da legalidade é a pedra de toque do Estado de Direito e pode ser traduzido na máxima: a administração pública só pode atuar conforme a lei, devendo-se dizer que o princípio da legalidade era entendido como superior dentro da administração pública”.
No entanto, atualmente vive-se o Estado Constitucional de Direito, voltado para a principiologia de maneira mais acirrada que a letra da lei, ocorrendo certa relativização do princípio da legalidade como princípio superior na administração pública.
O legislador, ao elaborar a lei, deve, obviamente, obedecer à Constituição. Não nos demoraremos, porém, em demonstrar essa acaciana verdade. O que queremos enfatizar é que não só ele deve fazê-lo, mas, mais até que o legislador, o administrador público e o Juiz, para não serem senhores, mas servidores da lei, estão intensamente subordinados à Constituição, inclusive à sua principiologia, visto que é a ela, antes da própria lei, que devem mirar no desempenho de suas funções.
Para Weida Zancaner (in “Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos”. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001), “o princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurada, mas não estabelece que a ordem jurídica deve ser restaurada pela extinção do ato inválido”; e “há duas formas de recompor a ordem jurídica violada, em razão dos atos inválidos, quais sejam, a invalidação e a convalidação”. Assim, o princípio da legalidade, que, no primeiro momento, faria supor que a administração devesse invalidar o ato, apresenta formas de recompor a ordem jurídica, até mesmo pela economia da administração pública. Até porque seguir o princípio da legalidade de maneira formalista e invalidar atos que poderiam perfeitamente ser convalidados é ignorar todos os demais princípios e privilegiar o legalismo, ato inadmissível no Estado Constitucional de Direito.
Nem sempre é necessária a invalidação para ver a ordem restaurada. Quando houver possibilidade de convalidar, tal procedimento se torna obrigatório. Em síntese, a administração pública estaria obrigada a invalidar seus atos ilegais; no entanto, quando houver possibilidade de convalidar, tal procedimento se torna obrigatório. Não se trata de discricionariedade administrativa, em que se tem liberdade de escolher livremente entre as alternativas de convalidar ou invalidar, ressalvada uma única hipótese: tratar-se de vício de competência em ato de conteúdo discricionário que não tenha produzido efeitos em face de terceiros de boa-fé.
O Ministro Gomes de Barros (RSTJ, a. 3 (24), 195-249, agosto de 1991), na qualidade de relator em decisão do STJ, assim se pronunciou sobre o tema: “A regra contida no verbete nº 473 da Súmula 473 do STJ deve ser entendida com algum temperamento: no atual estágio do direito brasileiro, a Administração pode declarar a nulidade de seus próprios atos, desde que, além de ilegais, eles tenham causado lesão ao Estado, sejam insuscetíveis de convalidação e não tenham servido de fundamento a ato posterior praticado em outro pleno de competência”.
Portanto, “a contrario sensu”, se o ato pode ser convalidado, a medida que se impõe é a da convalidação.
Com efeito, a convalidação visa a restauração não somente do princípio da legalidade, mas da principiologia como um todo e, principalmente, a estabilidade das relações constituídas, pelo princípio da segurança jurídica.
Neste contexto e com fundamento na teoria dos princípios, quando possível a convalidação dos atos administrativos, a administração não poderá negar-se a fazê-lo, não devendo seguir de maneira totalmente formalista, mas voltando-se para a Constituição e a aplicabilidade de seus princípios.
Também é importante salientar, para a solução do caso em questão, que somente podem ser convalidados os atos que possam ser validamente reproduzidos no presente.
Existe ainda uma relativização do poder-dever de invalidar, a desconstituição de todos os efeitos do ato, que envolve, em algumas situações, alguns aspectos a serem considerados, como, por exemplo, prejuízos causados a terceiros de boa-fé.
Seabra Fagundes, em sua obra “O controle dos actos administrativos pelo Poder Judiciário”, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, assevera: “se a invalidez do ato jurídico, como sanção à infringência à lei, importa consequências mais nocivas que as decorrentes de sua validade, é o caso de deixá-lo subsistir”.
O princípio da segurança jurídica, trazido por Zancaner, “coincide na realidade com os princípios fins do Estado, na medida que a vida em sociedade gera a necessidade por parte dos indivíduos que a integram de poder prever a ação dos poderes públicos”.
Pode-se depreender que o princípio geral da segurança jurídica deve estar presente em todos os atos do poder público, sejam de natureza jurisdicional, legislativa ou administrativa.
Em síntese, com base na lição de Zancaner, podemos dizer que, se um ato jurídico produziu situação jurídica ampliativa de direito, mormente tendo ocorrido certo lapso de tempo desde a instauração da relação e existindo regra ou princípio de direito que lhe teria servido de amparo se estivesse validamente constituída, somada à boa-fé por parte do beneficiário, estamos diante de barreiras ou limites ao dever de invalidar, e o ato jurídico deve ser convalidado.
Utilizando-se da teoria da aparência, o Supremo Tribunal Federal não invalida os atos praticados por funcionário público investido em cargo público, ainda que por lei inconstitucional, protegendo-se assim a aparência da legalidade dos atos em favor de terceiros de boa-fé.
Portanto, a questão da invalidade dos atos administrativos encontrar-se-ia inserida num confronto em que, de um lado, está o princípio da legalidade e, de outro, o princípio da segurança jurídica, nem sempre devendo ser aquele privilegiado em detrimento deste: deve-se analisar o caso concreto.
Saliente-se que o princípio que for utilizado em certo caso concreto em detrimento de outro não excluirá a existência deste no âmbito jurídico: apenas, naquele momento, optou-se pelo princípio “x” em detrimento do princípio “y”.
E o princípio da legalidade não é visto mais como no Estado Legal de Direito, não tendo superioridade em relação a outros princípios no moderno Estado Constitucional de Direito. O princípio da legalidade serve para que a ordem jurídica seja restaurada, inclusive pela convalidação dos atos administrativos, por ser esta uma forma de restauração da ordem jurídica que foi violada.
Corroborando o raciocínio, trazemos à tona o art. 55 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo): “Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos administrativos que apresentem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela administração”.
Assim, devendo a questão da invalidação ou da convalidação do ato administrativo ser tratada no âmbito do caso concreto e considerando os princípios aqui referenciados, temos que:
1 - operou-se uma doação feita ao Município de Cataguases, tendo sido observados os requisitos legais para tal;
2 - transcorreu um grande lapso de tempo desde então, tendo sido realizadas as obras e cumprido o que a lei exigia;
3 - todo o processo foi permeado de boa-fé, acreditando-se na aparência de legalidade em todos os atos praticados, o que reclama a aplicação do princípio da segurança jurídica;
4 - o que se reclama, em tese, é que o bem foi doado pelo Estado com cláusula de inalienabilidade, sendo que tal cláusula somente constou da escritura pública de doação, e não, da lei autorizadora da doação ao Município de Cataguases;
5 - o Estado pode, mediante lei autorizativa, doar bens.
Diante do exposto, considerada a relevância da matéria, submete-se este projeto à apreciação dos nobres pares.
- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.