PL PROJETO DE LEI 1467/2004

PROJETO DE LEI Nº 1.467/2004

Institui normas de conduta para os agentes políticos detentores de cargos, funções e empregos de chefia, direção e assessoramento no âmbito da administração pública estadual direta, indireta, autárquica e fundacional, incluídos os membros de órgãos colegiados, e dá outras providências.

A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º - Esta lei tem os seguintes objetivos:

I - tornar claras as regras éticas de conduta das autoridades da alta administração pública estadual, para que a sociedade possa aferir a integridade e a lisura do processo decisório governamental;

II - contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões éticos da administração pública estadual, a partir do exemplo dado pelas autoridades de nível hierárquico superior;

III - preservar a imagem e a reputação do administrador público cuja conduta esteja de acordo com as normas éticas estabelecidas nesta lei;

IV - estabelecer regras básicas sobre conflitos de interesses públicos e privados e limitações às atividades profissionais posteriores ao exercício de cargo público;

V - minimizar a possibilidade de conflito entre o interesse privado e o dever funcional das autoridades públicas da administração pública estadual;

VI - criar mecanismo de consulta, destinado a possibilitar o prévio e pronto esclarecimento de dúvidas quanto à conduta ética do administrador.

Art. 2º - As normas desta lei aplicam-se às seguintes autoridades públicas:

I - agentes políticos detentores de cargos, funções e empregos de chefia, direção e assessoramento no âmbito da administração pública estadual direta, indireta, autárquica e fundacional;

II - os membros de órgãos colegiados vinculados à administração pública estadual direta, indireta, autárquica e fundacional.

Art. 3º - No exercício de suas funções, as autoridades públicas deverão pautar-se pelos padrões da ética, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à clareza de posições e ao decoro, com vistas a motivar o respeito e a confiança do público em geral.

Parágrafo único - Os padrões éticos de que trata este artigo são exigidos da autoridade pública na relação entre suas atividades públicas e privadas, de modo a prevenir eventuais conflitos de interesses.

Art. 4º - Além da declaração de bens e rendas, a autoridade pública, no prazo de dez dias contados de sua posse, prestará ao departamento de recursos humanos do órgão em que for lotada, informações sobre sua situação patrimonial que, real ou potencialmente, possa suscitar conflito com o interesse público, indicando o modo pelo qual irá evitá-lo.

Art. 5º - As alterações relevantes no patrimônio da autoridade pública deverão ser imediatamente comunicadas ao órgão em que for lotada, especialmente quando se tratar de:

I - atos de gestão patrimonial que envolvam:

a) transferência de bens a cônjuge, ascendente, descendente ou parente na linha colateral;

b) aquisição, direta ou indireta, do controle de empresa;

c) outras alterações significativas ou relevantes no valor ou na natureza do patrimônio;

II - atos de gestão de bens cujo valor possa ser substancialmente afetado por decisão ou política governamental da qual tenha prévio conhecimento em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em “commodities”, contratos futuros e moedas para fim especulativo.

§ 1º - Em caso de dúvida sobre como tratar situação patrimonial específica, a autoridade pública deverá consultar formalmente o órgão em que for lotada.

§ 2º - A fim de preservar o caráter sigiloso das informações pertinentes à situação patrimonial da autoridade pública, uma vez conferidas por pessoa designada pelo órgão em que for lotada, serão elas encerradas em envelope lacrado, que somente será aberto por ordem judicial ou por determinação de comissão parlamentar de inquérito.

Art. 6º - A autoridade pública que mantiver participação superior a 5% (cinco por cento) do capital de sociedade de economia mista, de instituição financeira ou de empresa que negocie com o poder público tornará público este fato.

Art. 7º - A autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade.

Parágrafo único - É permitida a participação em seminários, congressos e eventos semelhantes, desde que tornada pública eventual remuneração, bem como o pagamento das despesas de viagem pelo promotor do evento, o qual não poderá ter interesse em decisão a ser tomada pela autoridade.

Art. 8º - É permitido à autoridade pública o exercício não remunerado de encargo de mandatário, desde que não implique a prática de atos de comércio ou quaisquer outros incompatíveis com o exercício do seu cargo ou função, nos termos da lei.

Art. 9º - No relacionamento com outros órgãos e funcionários da administração, a autoridade pública deverá esclarecer a existência de eventual conflito de interesses, bem como comunicar qualquer circunstância ou fato impeditivo de sua participação em decisão coletiva ou em órgão colegiado.

Art. 10 - As divergências entre autoridades públicas serão resolvidas internamente, mediante coordenação administrativa, não lhes cabendo manifestar-se publicamente sobre matéria que não seja afeta a sua área de competência.

Art. 11 - É vedado à autoridade pública opinar publicamente a respeito:

I - da honorabilidade e do desempenho funcional de outra autoridade pública estadual;

II - do mérito de questão que lhe será submetida, para decisão individual ou em órgão colegiado.

Art. 12 - As propostas de trabalho ou de negócio futuro no setor privado, bem como qualquer negociação que envolva conflito de interesses, deverão ser imediatamente informadas pela autoridade pública ao órgão em que for lotada, independentemente da sua aceitação ou rejeição.

Art. 13 - Após deixar o cargo, a autoridade pública não poderá:

I - atuar em benefício ou em nome de pessoa física ou jurídica, inclusive sindicato ou associação de classe, em processo ou negócio do qual tenha participado, em razão do cargo;

II - prestar consultoria a pessoa física ou jurídica, inclusive sindicato ou associação de classe, valendo-se de informações não divulgadas publicamente a respeito de programas ou políticas do órgão ou da entidade da administração pública estadual a que esteve vinculado ou com que tenha tido relacionamento direto e relevante nos seis meses anteriores ao término do exercício de função pública.

Art. 14 - Na ausência de lei dispondo sobre prazo diverso, será de quatro meses, contados da exoneração, o período de interdição para atividade incompatível com o cargo anteriormente exercido, obrigando-se a autoridade pública a observar, neste prazo, as seguintes regras:

I - não aceitar cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica com a qual tenha mantido relacionamento oficial direto e relevante nos seis meses anteriores à exoneração;

II - não intervir, em benefício ou em nome de pessoa física ou jurídica, junto a órgão ou entidade da administração pública estadual com que tenha tido relacionamento oficial direto e relevante nos seis meses anteriores à exoneração.

Art. 5º - Se a autoridade pública for detentora do maior cargo do órgão em que for lotada, as informações de que trata esta lei serão prestadas à autoridade imediatamente superior.

Art. 16 - A violação das normas estipuladas nesta lei acarretará, conforme sua gravidade, as seguintes providências:

I - advertência, aplicável às autoridades no exercício do cargo;

II - censura ética, aplicável às autoridades que já tiverem deixado o cargo.

Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade hierarquicamente superior.

Art. 17 - O processo de apuração de prática de ato em desrespeito ao preceituado nesta lei será instaurado pela autoridade hierarquicamente superior, de ofício ou em razão de denúncia fundamentada.

§ 1º - À autoridade pública será enviado oficio para manifestar-se no prazo de cinco dias.

§ 2º - O eventual denunciante, a própria autoridade pública, bem como a autoridade hierarquicamente superior, de ofício, poderão produzir prova documental.

§ 3º - A autoridade hierarquicamente superior poderá promover as diligências que considerar necessárias, bem como solicitar parecer de especialista quando julgar imprescindível.

§ 4º - Concluídas as diligências mencionadas no parágrafo anterior, a autoridade hierarquicamente superior enviará ofício à autoridade pública para nova manifestação, no prazo de três dias.

§ 5º - Se a autoridade hierarquicamente superior concluir pela procedência da denúncia, adotará uma das penalidades previstas no artigo anterior, com comunicação ao denunciado.

Art. 18 - A autoridade hierarquicamente superior, se entender necessário, poderá fazer recomendações ou sugerir ao Governador do Estado normas complementares, interpretativas e orientadoras das disposições desta lei, bem como responderá às consultas formuladas por autoridades públicas sobre situações específicas.

Art. 19 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 20 - Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Reuniões, 22 de março de 2004.

Adalclever Lopes - Leonardo Quintão.

Justificação: Submetemos à elevada consideração desta Assembléia Legislativa a anexa proposta de lei que “institui normas de conduta para os agentes políticos detentores de cargos, funções e empregos de chefia, direção e assessoramento no âmbito da administração pública estadual direta, indireta, autárquica e fundacional, incluídos os membros de órgãos colegiados, e dá outras providências”.

Este projeto de lei, antes de tudo, valerá como compromisso moral das autoridades integrantes da alta administração estadual com o Governador do Estado, proporcionando elevado padrão de comportamento ético, capaz de assegurar, em todos os casos, a lisura e a transparência dos atos praticados na condução da coisa pública.

A conduta dessas autoridades, ocupantes dos mais elevados postos da estrutura do Estado, servirá como exemplo a ser seguido pelos demais servidores públicos, que, não obstante sujeitos às diversas normas fixadoras de condutas exigíveis, tais como o Estatuto do Servidor Público, a Lei de Improbidade e o próprio Código Penal Brasileiro, além de outras de menor hierarquia, ainda assim, sempre se sentirão estimulados por demonstrações e exemplos de seus superiores.

Além disso, é de notar que a insatisfação social com a conduta ética do Governo – Executivo, Legislativo e Judiciário – não é um fenômeno exclusivamente brasileiro e circunstancial. De modo geral, todos os países democráticos desenvolvidos, conforme demonstrado em recente estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE -, enfrentam o crescente ceticismo da opinião pública a respeito do comportamento dos administradores públicos e da classe política. Essa tendência parece estar ligada principalmente a mudanças estruturais no papel do Estado, que passou a atuar mais como regulador da atividade econômica e como poder concedente da exploração, por particulares, de serviços públicos antes sob regime de monopólio estatal.

Em conseqüência, o setor público passou a depender cada vez mais do recrutamento de profissionais oriundos do setor privado, o que aumentou a possibilidade de conflito de interesses e a necessidade de controle sobre as atividades privadas do administrador público.

Nesse novo cenário, é natural que a expectativa da sociedade a respeito da conduta do administrador público se tenha tornado mais exigente. E está claro que mais importante do que investigar as causas da insatisfação social é reconhecer que ela existe e que se trata de uma questão política intimamente associada ao processo de mudança cultural, econômica e administrativa que o Estado, o País e o mundo atravessam.

A resposta ao anseio por uma administração pública orientada por valores éticos não se esgota na aprovação de leis mais rigorosas, até porque leis e decretos em vigor já dispõem abundantemente sobre a conduta do servidor público, porém em termos genéricos ou então a partir de uma ótica apenas penal.

Na realidade, grande parte das atuais questões éticas surge na zona cinzenta – cada vez mais ampla - que separa o interesse público do interesse privado. Tais questões, em geral, não configuram violação de norma legal, mas, sim, desvio de conduta ética. Como esses desvios não são passíveis de punição específica, a sociedade passa a ter a sensação de impunidade, que alimenta o ceticismo a respeito da licitude do processo decisório governamental.

Por essa razão, o aperfeiçoamento da conduta ética do servidor público não é uma questão a ser enfrentada mediante proposição de mais um texto legislativo, que crie novas hipóteses de delito administrativo. Ao contrário, esse aperfeiçoamento decorrerá da explicitação de regras claras de comportamento e do desenvolvimento de uma estratégia específica para sua implementação.

Na formulação dessa estratégia, partiu-se do pressuposto de que a base ética do funcionalismo de carreira é estruturalmente sólida, pois deriva de valores tradicionais da classe média, onde ele é recrutado. Rejeita-se, portanto, o diagnóstico de que se está diante de um problema "endêmico" de corrupção, pois essa visão, além de equivocada, é injusta e contraproducente, sendo capaz de causar a alienação do funcionalismo em relação ao esforço de aperfeiçoamento que a sociedade está a exigir.

Dessa forma, o ponto de partida foi a tentativa de prevenir condutas incompatíveis com o padrão ético almejado para o serviço público, tendo em vista que, na prática, a repressão nem sempre é muito eficaz. Assim, reputa-se fundamental identificar as áreas da administração pública em que tais condutas podem ocorrer com maior freqüência e dar-lhes tratamento específico.

Essa tarefa de envergadura deve ter início pelo nível mais alto da administração que detém poder decisório. Uma vez assegurado o cumprimento do disposto neste projeto, o trabalho de difusão das novas regras nas demais esferas da administração por certo ficará facilitado.

Outro objetivo é que o projeto apresentado constitua fator de segurança do administrador público, norteando o seu comportamento enquanto no cargo e protegendo-o de acusações infundadas. Na ausência de regras claras e práticas de conduta, corre-se o risco de fazer com que o cidadão honesto se sinta inibido em aceitar cargo público de relevo.

Além disso, buscou-se criar mecanismo ágil de formulação dessas regras e de sua difusão e fiscalização, além de uma instância à qual os administradores possam recorrer em caso de dúvida e de apuração de transgressões.

Na verdade, o projeto trata de um conjunto de normas às quais se sujeitem as pessoas nomeadas pelo Governador do Estado para ocupar qualquer dos cargos nele previstos, sendo certo que a transgressão dessas normas não implicará, necessariamente, violação de lei, mas, principalmente, descumprimento de um compromisso moral e dos padrões qualitativos estabelecidos para a conduta da alta administração. Em conseqüência, a punição prevista é de caráter político: advertência e "censura ética". Além disso, é prevista a sugestão de exoneração, dependendo da gravidade da transgressão.

A linguagem da proposta de lei é simples e acessível, evitando-se termos jurídicos excessivamente técnicos. O objetivo é assegurar a clareza das regras de conduta do administrador, de modo que a sociedade possa sobre ele exercer o controle inerente ao regime democrático.

Além de comportar-se de acordo com as normas estipuladas, o projeto exige que o administrador observe o decoro inerente ao cargo. Ou seja, não basta ser ético; é necessário também parecer ético, em sinal de respeito à sociedade.

A medida proposta visa a melhoria qualitativa dos padrões de conduta da alta administração, de modo que os dispositivos do projeto de lei poderão informar a atuação das altas autoridades estaduais.

Estas, as razões que fundamentam a proposta que ora submetemos à elevada consideração dos nobres pares.

- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Administração Pública para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.