PL PROJETO DE LEI 1328/2003

PROJETO DE LEI Nº 1.328/2003

Cria o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Estado, cria o Conselho Gestor do Programa e dá outras providências.

A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º - Fica criado o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Estado - PPCAAM -, para a proteção especial de crianças e adolescentes ameaçados de morte ou em risco de serem vítimas de homicídio, em virtude de envolvimento com atos infracionais ou por serem vítimas ou testemunhas de crimes ou de atos delituosos.

Art. 2º - Consideram-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, conforme o art. 2º da Lei Federal n.º 8.069, de 13 de julho de 1990.

Parágrafo único - A proteção especial desta lei aplica-se, em caráter excepcional, aos jovens entre 18 e 21 anos, quando forem egressos do cumprimento de medida sócio-educativa.

Art. 3º - Para promover a proteção especial, esta lei obedecerá aos princípios da Constituição Federal e da Lei Federal nº 8.069, de 1990.

Art. 4º - São objetivos do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Estado - PPCAAM -:

I - contribuir para garantir a vida e a integridade física e psicológica de crianças e adolescentes ameaçados de morte ou em risco de serem vítimas de homicídio;

II - contribuir para a segurança e garantia dos direitos das crianças e adolescentes ameaçados e de seus familiares.

Art. 5º - O Estado poderá realizar convênios com instituições governamentais e não governamentais, necessários à promoção da proteção especial, com vistas ao estabelecimento de uma rede de proteção.

Art. 6º - O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Estado - PPCAAM - será dirigido por um Conselho Gestor, de caráter deliberativo e permanente, vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes - SEDESE -, composto por onze representantes de órgãos governamentais e não governamentais afetos à defesa e à promoção dos direitos da criança e do adolescente, conforme se segue:

I - o Coordenador-Geral da equipe técnica do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Estado - PPCAAM -;

II - um representante da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes;

III - um representante da Secretaria de Estado de Defesa Social;

IV - um representante da Polícia Militar de Minas Gerais;

V - um representante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude;

VI - um representante do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Belo Horizonte;

VII - um representante da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte;

VIII - um representante do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente;

IX - um representante do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte;

X - um representante da entidade gestora do PPCAAM;

XI - um representante da Comissão Pastoral de Direitos Humanos da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Parágrafo único - Os representantes de que trata este artigo serão nomeados pelo Governador do Estado.

Art. 7º - Compete ao Conselho Gestor do PPCAAM a direção dos trabalhos do Programa, por meio de suas deliberações.

Art. 8º - São atribuições do Conselho Gestor do PPAAM-MG :

I - decidir sobre os pedidos de inclusão no Programa e sobre os desligamentos;

II - especificar o tipo de proteção necessária nos casos admitidos pelo Programa, orientado por parecer emitido pela equipe técnica do Programa;

III - propor ao poder público a realização de convênios com instituições governamentais e não governamentais para a execução das medidas de proteção;

IV - organizar e coordenar uma rede de proteção social entre instituições governamentais e não governamentais para atender às necessidades do Programa;

V - divulgar os objetivos do Programa;

VI - assegurar absoluto sigilo das providências tomadas, mantendo a salvo de qualquer ameaça de violação os dados referentes a cada caso examinado;

VII - solicitar aos Poderes do Estado a colaboração ou a cedência de servidor;

VIII - encaminhar proposta de estabelecimento de parceria e colaboração com o Programa Federal de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte;

IX - apresentar ao Chefe do Poder Executivo proposta orçamentária para o custeio das despesas com as medidas de proteção;

X - decidir sobre seu funcionamento, por meio de um Regimento Interno.

Parágrafo único - As deliberações do Conselho serão tomadas por maioria absoluta de seus membros.

Art. 9º - O Programa será executado por uma equipe técnica multidisciplinar, composta por profissionais das áreas de psicologia, serviço social, pedagogia e direito.

Art. 10 - Para a promoção da proteção pretendida, o PPCAAM deverá:

I - oferecer atendimento e acompanhamento psicológico, pedagógico, social e jurídico, bem como o abrigo, com proteção, em local seguro e sigiloso, a crianças e adolescentes ostensivamente ameaçados ou em risco de serem vítimas de homicídio e, se necessário, a seus familiares;

II - articular e criar uma rede solidária de proteção, acompanhamento e assistência a crianças e adolescentes ameaçados de morte ou em risco de serem vítimas de homicídio, composta de instituições públicas, privadas e organizações do terceiro setor, para a oferta de locais, serviços e voluntários para o apoio ao Programa;

III - desenvolver ações educativas para a defesa e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes;

IV - oferecer apoio, orientação e encaminhamento a serviços especializados para crianças e adolescentes ameaçados de morte ou em risco de serem vítimas de homicídio, bem como para seus familiares;

V - sistematizar a experiência do Projeto;

VI - implantar um Banco de Dados sobre violência, impunidade e informações derivadas das ações do Programa.

Art. 11 - A proteção será sempre proposta ao Ministério Público, por meio das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, ou ao Juizado da Infância e Juventude, pelo interessado, por seus familiares ou por entidade que promova o acompanhamento da criança e do adolescente ou de sua família, observando-se os seguintes procedimentos:

I - apresentação de requerimento formal de proteção, a ser disponibilizado para as instituições que trabalham com crianças e adolescentes;

II - apresentação de relatório detalhado do caso, contendo a identificação da pessoa a ser protegida, histórico das ameaças sofridas, histórico familiar e procedimentos já adotados para proteger a pessoa;

III - apresentação de cópia de toda a documentação civil da pessoa a ser protegida;

IV - apresentação da documentação jurídica do caso;

V - declaração emitida pela entidade demandante com referências do trabalho que desenvolve, sempre que possível instruída com documentos.

Art. 12 - Nos casos em que se verificar alto risco para a criança e o adolescente, seus familiares, entidades envolvidas com o caso ou mesmo para a equipe técnica, o Promotor de Justiça ou o Juiz deverão solicitar escolta policial para dar suporte aos primeiros atendimentos.

Art. 13 - Os primeiros atendimentos serão realizados em locais alternados, providenciados pelo poder público, para preservar o sigilo do Programa e os locais utilizados para atendimento.

Art. 14 - Recebida a solicitação de proteção, encaminhada pelo Ministério Público ou pelo Juizado, a equipe técnica do Programa realizará as seguintes diligências, com objetivo de levantar informações para estabelecer a melhor estratégia de proteção para o caso:

I - oitiva dos representantes legais ou dos técnicos da instituição que constatou a situação de ameaça e demandou a proteção;

II - oitiva da criança ou do adolescente demandante;

III - oitiva dos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente demandante;

IV - oitiva de representantes legais, técnicos de outras instituições ou demais testemunhas, que possam prestar informações valiosas na instrução do requerimento de proteção, caso existam;

V - levantamento da situação jurídica do adolescente.

Art. 15 - No ato do recebimento da solicitação de proteção ou no curso das diligências previstas no art. 14, a equipe técnica poderá realizar uma pré-análise do caso e decidir, de modo fundamentado, se há procedimentos de urgência a serem adotados para garantir a proteção do demandante.

Art. 16 - As medidas de urgência poderão ser adotadas quando:

I - for constatado, pela equipe técnica do Programa, que a ameaça ocorreu nas últimas 24 horas;

II - estiver próximo o término do prazo fixado pelo agente ameaçador para implementar os atos atentatórios à vida da criança ou do adolescente;

III - houver provas de que a ameaça ocorreu e indícios suficientes de sua autoria;

IV - for manifestado o desejo, por parte da criança, do adolescente ou de seus pais ou responsáveis, de representar acerca dos fatos de que são vítimas;

V - houver pedido de escolta policial para o atendimento, por solicitação do Ministério Público ou do Juizado.

Art. 17 - A equipe técnica do Programa poderá adotar os seguintes procedimentos de urgência:

I - as medidas de proteção do art. 101 da Lei Federal n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, mediante requerimento que será apresentado ao Juiz;

II - a remoção da criança, do adolescente ou de seus familiares para um local de proteção, em caráter temporário e provisório, até a análise final do caso;

III - a manutenção de contato diário com pessoas responsáveis pela vítima, para proceder à remoção da criança ou do adolescente para um local de proteção, no caso de novas ocorrências;

IV - a solicitação de escolta policial para traslados e para proteção nos momentos de atendimento;

V - a orientação dos envolvidos com o caso para preservação do sigilo das informações e adoção de novos procedimentos na rotina diária, sugeridos pela equipe técnica do Programa.

Art. 18 - A equipe técnica do Programa, após realizar as diligências e os procedimentos referidos nos artigos anteriores, deverá elaborar um parecer, com a fundamentação e o voto do psicólogo, da assistente social, do pedagogo e do advogado, opinando pelo deferimento ou indeferimento do pedido de inclusão no Programa.

Parágrafo único - O parecer deverá conter:

I - a história de vida da criança ou adolescente;

II - a narrativa dos fatos constitutivos da ameaça;

III - a caracterização do ameaçador;

IV - a estratégia de proteção a ser adotada pelo Programa;

V - a planilha de custos referente à(s) medida(s) de proteção indicada(s);

VI - a previsão de prazo de permanência no Programa.

Art. 19 - O prazo para elaboração do parecer da equipe técnica será de até cinco dias, prorrogável por mais cinco, contados do dia em que o caso for apresentado à Coordenação do Programa.

Art. 20 - O parecer da equipe técnica será apresentado por sua Coordenação-Geral ao Conselho Gestor do Programa, para apreciação do caso e decisão final, na primeira reunião subseqüente ao término do prazo para elaboração de parecer.

Art. 21 - As despesas decorrentes da execução do Programa de que trata esta lei correrão por conta de dotação orçamentária da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes, bem como de outras dotações orçamentárias destinadas a prover o Programa.

Art. 22 - Esta lei será regulamentada pelo Poder Executivo no prazo de noventa dias a contar de sua publicação.

Art. 23 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 24 - Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Reuniões, 17 de dezembro de 2003.

André Quintão

Justificação: Há um número crescente de crianças e adolescentes que, por diversas razões, se encontram em situação de risco de vida, ameaçados de morte por distintos personagens e em diversas circunstâncias. As situações são as mais singulares, mas é possível desenhar uma tipologia simples das mesmas. Não que esta tipologia pretenda abarcar todos os casos possíveis, apenas dá uma idéia dos casos mais encontrados em que crianças e adolescentes se encontram sob risco de vida. Tais situações referem-se a relações e espaços sociais variados, desde as que ocorrem no interior dos estabelecimentos de medidas sócio-educativas até o âmbito do lar, passando por espaços fechados, como as escolas, ou abertos, como os bairros ou as ruas.

As situações de ameaça de morte envolvem, sobretudo, mas não exclusivamente, crianças e adolescentes pobres, de baixa escolaridade, do gênero masculino, em conflito ou não com a lei. Portanto, crianças e adolescentes expostos à rua, em situação de exclusão social e, muitas vezes, de rejeição familiar.

Assusta, no entanto, que as situações de ameaça de morte envolvam, cada vez mais, crianças em tenra idade. A redução da idade das pessoas envolvidas no tráfico, por exemplo, é um fato comprovado por pesquisas.

O crescimento de crimes violentos entre os adolescentes têm resultado na maior letalidade dos conflitos, o que também pode ser explicado pelo aumento no uso de armas de fogo e pela mudança nas formas de resolução de conflitos, sendo estes cada vez mais letais.

Observa-se um crescimento no envolvimento dos jovens no mundo do crime violento, acompanhado pela crescente vitimização desse grupo. Outro fator é o crescimento do envolvimento de jovens no tráfico de drogas o que resultaria em conflitos ligados a dívidas e disputa por ponto de venda de drogas. Sabe-se, também, que muitos adultos pressionam os adolescentes a assumirem a culpa pelos seus delitos.

As situações mais comuns da ameaça de morte a crianças e adolescentes são sete: envolvimento com tráfico de drogas; disputa entre grupos rivais; confronto com grupos de extermínio; pressão de adultos para os jovens assumirem a culpa dos seus atos infracionais ou participarem de atos ilícitos; dificuldade de resolução de conflitos e aumento do uso de armas de fogo; prostituição; disputas no interior de estabelecimentos socioeducativos.

O processo histórico de consolidação da cidadania de crianças e adolescentes no Brasil, quando confrontado com o quadro de violência de que têm sido vítimas, de modo mais geral na sociedade e, de modo mais específico, quanto a ameaças pessoais de morte, indica a necessidade de elaboração de uma legislação que amplie a proteção integral exaltada no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Carta Magna pugna pela vida como direito fundamental dos cidadãos e, certamente, das crianças e adolescentes como tais, devendo-se garantir mecanismos de proteção à vida no seu dia-a-dia e restringindo-se o mínimo possível os demais direitos, em face do reconhecimento constitucional da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente proclamam, ainda, a garantia de que a proteção aos direitos das Crianças e Adolescentes será dada a prioridade absoluta.

Considerando o quadro atual de violência existente na sociedade, bem como as determinações constitucionais e legais acerca de crianças e adolescentes, tornou-se quase uma imposição a criação de um Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes vitimizados pelas ameaças de morte.

Assim, a criança e o adolescente na condição de prioridade absoluta, reconhecida juridicamente em nível constitucional, internacional e por lei ordinária, nos casos de ameaça à integridade física ou moral, passa a exigir a construção normativa de uma medida de proteção, de modo que, nessa hipótese, o poder público assegure o exercício da cidadania infantil, motivo pelo qual se justifica esta proposição legislativa.

- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, do Trabalho e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.