PL PROJETO DE LEI 1072/2003

PROJETO DE LEI N° 1.072/2003

Dispõe sobre o patrimônio genético humano e dá outras providências.

A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º - Garante a todos os cidadãos do Estado do Minas Gerais a inviolabilidade e imperscrutabilidade de seu patrimônio genético sob qualquer pretexto, por qualquer órgão de segurança, de análise ou de pesquisa.

Parágrafo único - Cabe ao Estado garantir e resguardar o direito à dignidade, à identidade e à integridade de todos os indivíduos com relação ao seu patrimônio genético, proibindo a discriminação de pessoas ou membros de suas famílias baseando-se em informações genéticas ou serviços genéticos, observando as determinações impostas nos arts. 9º e 5º das Constituições Estadual e Federal, respectivamente.

Art. 2º - Para efeito desta lei, considera-se patrimônio genético o genoma e o proteoma individual de cada ser humano, em seu estado natural ou mesmo modificado por processo evolutivo, sem interferência de experimentos científicos de manipulação gênica.

§ 1º - O termo “patrimônio genético” não está relacionado com:

I - informação sobre o sexo ou a idade do indivíduo;

II - informação sobre as análises químicas de sangue, urina, fezes ou demais fluidos biológicos ou substâncias protoplasmáticas coletadas do corpo humano, exceto quando estas análises sejam genéticas;

III - informações sobre exames físicos ou qualquer outra informação relevante que permita avaliar ou determinar o estado de saúde do indivíduo.

§ 2º - O conteúdo desta lei não limita o normal exercício dos profissionais de saúde no tratamento de pacientes em que seja necessária a realização de estudos genéticos de qualquer natureza.

Art. 3º - Apenas aos indivíduos capacitados de exercer todos os atos da vida civil, ou aos seus responsáveis, quando esses indivíduos forem incapazes ou absolutamente incapazes, conforme determina o Código Civil em vigor, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, ou ao Poder Judiciário, nos termos da lei, é dado o direito de autorizar a acessibilidade ou divulgação de seu patrimônio genético individual, para fins específicos.

Parágrafo único - É expressamente proibido difundir ou tornar públicas, por qualquer meio de comunicação, as informações relativas ao patrimônio genético do indivíduo em qualquer outro caso que não os descritos no "caput" deste artigo.

Art. 4º - Ficam as instituições acadêmicas de ensino e pesquisa, federais e estaduais, no Estado de Minas Gerais autorizadas a pesquisar o patrimônio genético dos indivíduos que consentirem, previamente, a sua acessibilidade para fins científicos, visando ao aprimoramento das ciências relacionadas às pesquisas gênicas.

Parágrafo único - Não estão autorizadas as instituições acadêmicas a transferir o patrimônio genético de qualquer outra espécie animal que não a humana, ou mesmo de qualquer espécie vegetal para o patrimônio genético humano, salvo se comprovada a eficácia do experimento com aprovação da maioria dos membros da comunidade científica internacional.

Art. 5º - Fica vedado a qualquer pessoa, física ou jurídica, exigir como comprovante para ressarcimento do pagamento de estudos ou exames genéticos realizados em um indivíduo, por ordem médica, o resultado dos referidos exames.

Parágrafo único - Cabe aos profissionais de saúde emitir certificado declarando a realização de tais estudos ou exames. Em nenhum caso poderá ser exigido o resultado dos exames ou estudos para justificar o ressarcimento a que se refere o “caput” deste artigo.

Art. 7º - Ficam proibidas às pessoas físicas ou jurídicas:

I - solicitar análises genéticas previamente para definir ou determinar qualquer espécie de contrato;

II - requerer, recopilar, permutar ou comprar informações sobre o patrimônio genético de qualquer indivíduo;

III - entregar, sob qualquer pretexto, informações genéticas a outras pessoas físicas ou jurídicas ou mesmo a empresas ou pessoas que recopilem, compilem, publiquem ou difundam informações para outras pessoas físicas ou jurídicas ou, ainda, aos empregadores, informações sobre seus empregados, assim como às instituições educacionais, informações sobre seus educandos.

Art. 8º - É expressamente proibido aos empregadores:

I - impedir ou negar-se a contratar ou despedir qualquer pessoa, ou de alguma forma discriminar com relação a indenizações, termos, condições ou privilégios de emprego em razão da informação sobre o patrimônio genético de alguma pessoa ou de membros de sua família;

II - limitar, segregar ou classificar os empregados de forma a privá-los ou tentar privá-los de oportunidades de emprego ou promoções, ou de alguma forma afetar adversamente sua condição como empregado, devido às informações sobre o patrimônio genético relacionadas a eles ou a algum membro de sua família;

III - solicitar, requerer, recopilar ou comprar informações sobre o patrimônio genético de qualquer pessoa, específica ou não, ou de qualquer membro da família de determinada pessoa.

Art. 9º - Sem prejuízo ao disposto no artigo anterior, torna- se expressamente proibida às agências de emprego a prática de qualquer dos incisos do referido artigo, assim como fazer, ou tentar fazer, com que um empregador discrimine uma pessoa violando esta lei.

Art. 10 - É obrigatória a confidencialidade sobre o manejo de informações relativas ao patrimônio genético que se apresentem nos prontuários médicos ou em outros históricos relativos ao paciente, dos empregados. A violação dessa confidencialidade torna o seu agente responsável por danos e prejuízos na forma da lei.

Art. 11 - É expressamente proibido às instituições de ensino:

I - impedir ou negar-se a matricular, expulsar ou ainda solicitar o afastamento da instituição de qualquer pessoa ou de alguma forma discriminar com normas, termos, condições ou privilégios educacionais em razão da informação sobre o patrimônio genético alguma pessoa ou membros de sua família;

II - limitar, segregar ou classificar os educandos de forma a privá-los ou tentar privá-los de oportunidades educacionais, classificações ou aprovações, ou de alguma forma afetar adversamente sua condição como estudante devido às informações sobre o patrimônio genético relacionadas a eles ou a algum membro de sua família;

III - solicitar, requerer, recopilar ou comprar informações sobre o patrimônio genético de qualquer pessoa, específica ou não, ou de qualquer membro da família de determinada pessoa.

Art. 12 - É obrigatória a confidencialidade sobre o manejo de informações relativas ao patrimônio genético que se apresentem nos prontuários médicos ou em outros históricos relativos ao paciente, dos educandos. A violação dessa confidencialidade torna a instituição de ensino responsável por danos e prejuízos na forma da lei.

Parágrafo único - O educando poderá conceder acesso ao seu patrimônio genético, expresso por escrito e, quando necessário, autorizado por seus responsáveis legais, conforme determina o disposto no art. 3º desta lei, aprovando a inconfidencialidade de tais dados para os fins descritos no art. 4º desta lei ou para um fim específico que não venha a prejudicá-lo dentro de sua instituição de ensino.

Art. 13 - Os órgãos públicos do Estado de Minas Gerais estão autorizados a utilizar a informação sobre o patrimônio genético exclusivamente, com fins estatísticos, garantindo o anonimato, para a aplicação de políticas públicas, respeitando as determinações apresentadas nesta lei.

Art. 14 - Todo cidadão tem direito de acesso aos dados de seu patrimônio genético, respeitadas as determinações apresentadas nesta lei.

Parágrafo único - É prioritário o respeito ao direito do cidadão de decidir se quer ou não ser informado sobre seu patrimônio genético.

Art. 15 - O Estado de Minas Gerais adota como programa para regulação e interpretação das condutas relacionadas com as investigações sobre o genoma e o proteoma humano e suas aplicações a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO, de 11 de novembro de 1997.

Art. 16 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 17 - Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Reuniões, 11 de setembro de 2003.

Ricardo Duarte

Justificação: As informações detalhadas sobre o DNA e o mapeamento genético dos organismos devem revolucionar as explorações biológicas.

Pode-se antecipar alguns dos benefícios que tal avanço na ciência poderá trazer para a humanidade, sem esquecer que alguns poderão nos surpreender. Na medicina, por exemplo, o conhecimento sobre como os genes contribuem para a formação de doenças que envolvem um fator genético - como o câncer, por exemplo - levará a uma mudança da prática médica.

Ênfase será dada à prevenção da doença em vez de ao tratamento do doente. Novas tecnologias clínicas deverão surgir baseadas em diagnósticos de DNA; novas terapias baseadas em novas classes de remédios; novas técnicas imunoterápicas; prevenção em maior grau de doenças pelo conhecimento das condições ambientais que podem desencadeá-las; possível substituição de genes defeituosos por meio da terapia genética; produção de drogas medicinais por organismos geneticamente alterados.

O conhecimento da genética humana auxiliará muito o conhecimento da biologia de outros animais, uma vez que esta não é muito diferente da biologia humana, permitindo também seu aperfeiçoamento e tornando os animais domésticos, por exemplo, mais resistentes a doenças.

As tecnologias, os recursos biológicos e os bancos de dados gerados pela pesquisa sobre o genoma terão grande impacto nas indústrias relacionadas à biotecnologia, como a agricultura, a produção de energia, o controle do lixo, a despoluição ambiental.

Porém os impressionantes avanços da ciência na sociedade pós- revolução gênica não podem ser separados de uma profunda consciência ética e da valorização da vida humana. Não podemos esquecer que a vida humana é mais do que a mera expressão de um programa genético escrito na química do DNA.

Todo ser humano tem uma identidade genética própria, segundo declaração da UNESCO, aprovada em 1997, que invoca os princípios democráticos de igualdade, dignidade e respeito mútuo entre os homens. O genoma humano é propriedade inalienável de toda pessoa e, por sua vez, um componente fundamental de toda a humanidade. Dessa maneira, ele deve ser respeitado e protegido como característica individual e específica, pois todas as pessoas são iguais no que se refere a seus genes, afinal unicidade e diversidade são propriedades de grande valor da natureza humana (Clotet, 1995.).

Nossa intenção, com este projeto, é preservar aquilo que possuímos de mais determinante de nossa existência, nossas características genéticas, que são determinantes tanto de diversas enfermidades como das nossas diversas potencialidades. Tais características não devem e não podem ser usadas como instrumento para criar diferenças entre os indivíduos ou permitir formas de discriminação e segregação em nossa sociedade. Pretendemos preservar o direito dos indivíduos sobre as determinações gênicas de seu corpo.

Preservar a identidade genética para evitar uma ciência sem consciência é reconhecer que as investigações sobre o genoma humano e suas aplicações abrem imensas perspectivas para melhorar a saúde dos indivíduos e de toda a humanidade, desde que respeitem plenamente os direitos da pessoa humana e proíbam toda forma de discriminação fundada em características genéticas.

- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Direitos Humanos e de Saúde para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.