PL PROJETO DE LEI 5103/2018

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 5.103/2018

Comissão de Cultura

Relatório

De autoria do deputado Durval Ângelo, a proposição em epígrafe disciplina a promoção, o fomento e o incentivo do audiovisual no âmbito do Estado.

A proposição foi distribuída à Comissão de Constituição e Justiça, para exame preliminar, e à Comissão de Cultura. A primeira concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do projeto, com a Emenda nº 1, que apresentou.

Vem agora o projeto a esta comissão, a quem cabe apreciar o seu mérito, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, XVII, do Regimento Interno.

Fundamentação

O projeto de lei em epígrafe disciplina a promoção, o fomento e o incentivo do audiovisual no âmbito do Estado.

No início da década de 1990 o setor audiovisual brasileiro sofreu um forte revés: o então presidente Fernando Collor de Mello, sob o argumento de que a cultura era uma questão de mercado e com objetivo de reduzir a estrutura da administração pública federal, promulgou normas que extinguiram os três principais órgãos que prestavam suporte ao setor audiovisual brasileiro: a Fundação do Cinema Brasileiro – FCB –, a Distribuidora de Filmes S/A – Embrafilme – e o Conselho Nacional de Cinema – Concine.

Estudo elaborado por Marcelo Ikeda, ex-servidor da Agência Nacional do Cinema – Ancine – e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará, afirma que a implantação dessas medidas teve forte impacto negativo para o setor audiovisual brasileiro: enquanto a participação de mercado de filmes brasileiros era superior a 30% no início dos anos 1980, em 1992, apenas três filmes nacionais foram lançados comercialmente, de modo que a participação de filmes nacionais no mercado de exibição foi inferior a 1%. Consequentemente, o mercado do audiovisual brasileiro resumia-se quase que exclusivamente à criação e veiculação de produções publicitárias, havendo também algumas poucas produções independentes para a televisão.

Mesmo a instituição da Lei Federal nº 8.313, de 23/12/1991 – Lei Rouanet – não foi capaz de reverter esse quadro, uma vez que a produção de obras audiovisuais, além de demandar mais tempo para ser concluída, também necessitava de montante de recursos significativamente maior que o de outras obras culturais.

Após pressões do setor audiovisual e de outros da sociedade civil, o governo do ex-presidente Itamar Franco criou, na estrutura do Ministério da Cultura, a Secretaria do Audiovisual e paralelamente instituiu a primeira norma direcionada especificamente ao setor, a Lei Federal nº 8.685, de 20/7/1993 – Lei do Audiovisual –, que retomava o apoio do Estado à produção audiovisual.

O incentivo previsto pela nova norma se baseava no modelo de renúncia fiscal, em que pessoas físicas ou jurídicas aportariam capital em determinado projeto e em contrapartida teriam o valor abatido no imposto de renda devido. Nesse novo modelo, o Estado apoiaria indiretamente a produção audiovisual, o que diferia substancialmente do modelo adotado até o final da década de 1980, em que a administração pública federal, por meio da Embracine, intervinha diretamente na produção e distribuição de obras audiovisuais.

Apesar da importância e relevância da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual, essas normas não foram incentivos suficientes para fortalecer o setor audiovisual, que ainda continuava em situação crítica. Somente em 2000, com a criação da Subcomissão de Cinema no Senado Federal, é que foram implantadas medidas que tornaram o setor audiovisual brasileiro mais robusto.

A Medida Provisória nº 2228-1, de 6/9/2001, criou a Ancine – órgão regulador, fomentador e fiscalizador da atividade cinematográfica e audiovisual no País –, instituiu os Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional – Funcines – e a possibilidade de programadoras estrangeiras de TV por assinatura investirem na produção de obras audiovisuais nacionais em troca da isenção de pagamento da Condecine – Contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional – Remessa. Além disso a Medida Provisória reformulou os mecanismos de incentivo previstos na Lei do Audiovisual, de forma a ampliar seu alcance e torná-los mais efetivos.

Por seu turno, a Lei Federal nº 11.437, de 28/12/2016, além de criar o Fundo Setorial do Audiovisual – FSA –, alterou a Lei do Audiovisual de forma a ampliar o rol de mecanismos de apoio à produção audiovisual por meio de renúncia fiscal. Por fim, a Lei Federal nº 12.485, de 12/9/2011 – Lei da TV Paga –, ao determinar cotas de conteúdo nacional para os canais de televisão por assinatura, permitiu fomentar, sem o apoio massivo do erário, o mercado de conteúdo nacional para TV, ampliando a demanda de programadores e canais de televisão por conteúdo produzido por produtoras independentes.

A retomada do incentivo do Estado à produção audiovisual, que teve início na década de 1990 e se intensificou nos anos 2000, permitiu fortalecer e tornar mais robusto o setor audiovisual brasileiro. Foram essas medidas que permitiram a produção e veiculação de filmes como Central de Brasil, Cidade de Deus, Tropa de Elite, e de séries como Mandrake, 9mm e Filhos do Carnaval, todas produções nacionais bem-sucedidas. Marcelo Ikeda aponta que a atual participação de mercado de filmes brasileiros – em média entre 10 e 15% – é análoga à participação de obras audiovisuais nativas em vários países europeus.

Ademais, o fortalecimento do setor audiovisual brasileiro permitiu que este adquirisse relevância significativa na economia nacional, sendo um dos mais dinâmicos e inovadores. Em 2016, a Motion Picture Association Latin America – MPA-AL –, o Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual, e a Tendências Consultoria, lançaram estudo chamado “O Impacto Econômico do Setor Audiovisual Brasileiro”.

De acordo com o estudo, o setor empregava 169.000 pessoas em 2014, ou o equivalente a 0,3% do total de vínculos registrados no setor de serviços naquele ano. Além disso, para cada emprego direto no setor eram gerados dois novos empregos em outros setores da economia, resultado do aumento da demanda por insumos. O estudo também revelou que o setor teve faturamento bruto de R$44,8 bilhões e valor adicionado – montante efetivamente agregado à economia nacional pelo setor – de R$18,6 bilhões, valor correspondente a 0,38% do Produto Interno Bruto – PIB – brasileiro no período.

Os dados acima indicam que o incentivo governamental ao setor audiovisual, além de fortalecer esse setor, também fomenta outros setores econômicos e gera retornos significativos para a economia. Desse modo, consideramos meritório o projeto em análise, já que busca estimular a criação de mecanismos próprios de fomento ao setor audiovisual em Minas Gerais, sobretudo se considerarmos que o setor audiovisual mineiro tem ganhado cada vez mais destaque no cenário nacional. Um dos exemplos mais relevantes é o polo audiovisual da Zona da Mata, cujas principais atividades se concentram no Município de Cataguases.

A implantação de um arranjo produtivo voltado à atividade audiovisual na região permitiu a implantação de diversos equipamentos culturais – como o Centro Cultural e Memorial Humberto Mauro, a Escola Fábrica do Futuro, a Escola Municipal do Audiovisual – e a produção de obras como Meu Pé de Laranja Lima, Pequenas Lonas e Menino no Espelho.

Apesar disso, a maior parte recursos direcionados ao fomento do setor mineiro são oriundos dos mecanismos federais anteriormente detalhados. Tome-se como exemplo o Programa de Desenvolvimento do Audiovisual Mineiro – Prodam –, uma das ações de apoio mais relevantes executadas pelo Estado, cuja maior parte dos recursos origina-se de mecanismos de fomento do Fundo Setorial do Audiovisual e da Ancine.

Além disso, no ordenamento jurídico mineiro não há menção a incentivos específicos para o setor audiovisual. No Plano Estadual de Cultura há ações esparsas direcionadas ao fomento da produção audiovisual independente. Por sua vez, nos atuais mecanismos de incentivo à cultura estadual – Fundo Estadual de Cultura, apoio a projetos por meio de renúncia fiscal do ICMS ou de desconto na dívida ativa – o setor audiovisual tem o mesmo tratamento que os outros setores culturais, o que não ocorre, por exemplo, no Fundo Nacional de Cultura, em que os recursos arrecadados por meio da Condecine são totalmente direcionados ao Fundo Setorial do Audiovisual e só podem ser aplicados no fomento a projetos audiovisuais.

Naturalmente, não há como comparar a arrecadação e as finanças da União com a dos Estados e por essa razão, a instituição de mecanismo de fomento semelhante ao Fundo Setorial do Audiovisual pode não ser a medida mais adequada para a realidade dos Estados. No entanto, tendo em vista que a produção de obra audiovisual envolve profissionais de diversos segmentos culturais – músicos, atores, técnicos, compositores, escritores, figurinistas, dentre outros –, no entendimento desta comissão a existência de incentivos direcionados especificamente ao setor audiovisual pode contribuir para o fortalecimento do setor cultural como um todo.

Iniciativas como a do projeto de lei em questão, além de contribuírem para o desenvolvimento de Minas Gerais, estão alinhadas com o entendimento desta comissão de que a cultura é peça chave para o desenvolvimento da sociedade. Entendemos que a cultura, enquanto instrumento de coesão social e de identidade de uma nação, deve ser parte essencial de qualquer política voltada ao desenvolvimento social e econômico e pode contribuir sobremaneira para combater a desigualdade e intolerância.

Ao analisar a proposição em tela, a Comissão de Constituição e Justiça apresentou emenda com o objetivo de suprimir menções à criação de programa estadual destinado a apoiar o setor, uma vez que essa é uma atribuição privativa do chefe do Poder Executivo. Concordamos com o posicionamento da comissão que nos antecedeu.

Entretanto, parece-nos que a emenda apresentada não é suficiente para sanar alguns problemas identificados por esta Comissão de Cultura em relação à técnica legislativa e à precisão técnica de termos e conceitos empregados no projeto. Apresentamos, portanto, o Substitutivo nº 1 ao projeto, em que incorporamos o conteúdo da Emenda nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça, e aperfeiçoamos o texto.

Esta comissão entende que o projeto em análise é meritório e poderá contribuir sobremaneira para o fortalecimento não apenas do setor audiovisual mineiro, mas de todo o setor cultural. Somos, portanto, favoráveis à sua aprovação.

Conclusão

Diante do exposto, somos pela aprovação, no 1º turno, do Projeto de Lei nº 5.103/2018, na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado. Com a aprovação do Substitutivo apresentado, fica prejudicada a Emenda nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui a política de fomento ao audiovisual no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica instituída a política de fomento ao audiovisual no Estado, voltada para a promoção e o incentivo à cadeia produtiva do audiovisual em Minas Gerais.

Parágrafo único – A política de que trata esta lei abrange todas as etapas e atividades relacionadas com o audiovisual, incluindo a elaboração de projetos, a pesquisa, a criação, a produção, a finalização, a distribuição, a difusão, a divulgação e a exibição de obras audiovisuais, o desenvolvimento de novas tecnologias, a formação, a publicação de obras que versem sobre o audiovisual, a crítica e a preservação do patrimônio audiovisual.

Art. 2º – Para os efeitos desta lei, considera-se:

I – desenvolvimento de obra audiovisual a criação de roteiros, estruturas narrativas ou projetos originais ou adaptados para a realização das etapas de produção, finalização e distribuição de uma obra audiovisual em um determinado formato;

II – produção as atividades de elaboração, composição, constituição ou criação de conteúdos audiovisuais em qualquer meio ou suporte para a realização de uma obra audiovisual, desde a fase de pré-produção até a finalização;

III – finalização todos os processos relativos à realização da obra audiovisual após a captação de imagens e sons e até a confecção de cópias para exibição;

IV – distribuição a fase de distribuição comercial ou gratuita de uma obra audiovisual para salas de cinema, circuitos alternativos de exibição ou qualquer outro segmento de mercado, podendo abranger a feitura de cópias em diversos formatos, bem como a concepção e a preparação dos diferentes materiais e peças de divulgação;

V – segmentos de mercado os mercados de salas de exibição, vídeo doméstico em qualquer suporte, radiodifusão de sons e imagens, comunicação eletrônica de massa por assinatura ou quaisquer outros mercados que veiculem obras audiovisuais, incluídas as novas mídias e os novos canais de difusão de conteúdo audiovisual;

VI – difusão as atividades que permitem ao público tomar conhecimento de uma obra audiovisual e a ela ter acesso;

VII – exibição a apresentação de obra audiovisual em ambiente aberto ou fechado, a partir de qualquer suporte ou meio, mediante o uso de qualquer tecnologia, em caráter público ou privado, com ou sem finalidade comercial;

VIII – preservação as ações técnicas voltadas para a perpetuação da obra e dos documentos, textos e artefatos com ela relacionados;

IX – formação as atividades que proporcionem o acesso, a ampliação ou o aprimoramento de conhecimentos, competências, capacidades, habilidades, atitudes e formas de comportamento exigidos para o exercício das funções e atividades do setor do audiovisual;

X – pesquisa os processos sistemáticos de construção do conhecimento que têm como objetivo gerar novos conhecimentos ou corroborar ou refutar conhecimento preexistente;

XI – publicação a preparação e a entrega de produtos que versem sobre temas afetos ao audiovisual, em suporte impresso ou digital, incluindo livros, catálogos, ensaios críticos, artigos, cadernos, revistas ou websites especializados.

Art. 3º – A política de que trata esta lei rege-se pelos seguintes princípios:

I – liberdade de expressão e criação artística, vedada qualquer espécie de censura;

II – reconhecimento e inclusão das diferentes identidades culturais;

III – respeito à diversidade, à pluralidade e aos direitos humanos;

IV – valorização da inovação, da experimentação e da pesquisa de linguagem;

V – transparência na destinação de recursos para o audiovisual e nos processos de seleção dos produtos que serão objeto de ações de incentivo ou fomento pelo Estado;

VI – motivação dos critérios de julgamento, com disposições claras e parâmetros objetivos, nos processos de seleção realizados pela administração pública para o fomento do audiovisual;

VII – representatividade étnico-racial e paridade de gênero na composição das instâncias de julgamento dos processos seletivos realizados pela administração pública para o audiovisual.

Art. 4º – São objetivos da política de que trata esta lei:

I – estimular a produção audiovisual em todas as regiões do Estado;

II – contribuir para o fortalecimento da cadeia produtiva e dos arranjos produtivos do setor audiovisual;

III – promover a articulação da política de fomento ao audiovisual com as demais políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, por seus municípios e pela União;

IV – estimular a produção audiovisual independente e sua interação com os setores de exibição, distribuição e difusão de obras audiovisuais;

V – promover novos talentos e primeiras obras;

VI – estimular a formação contínua de profissionais do audiovisual;

VII – contribuir para a formação de público, especialmente por meio do apoio a mostras, festivais, cineclubes e circuitos de exibição alternativos;

VIII – promover o amplo acesso do público às obras audiovisuais que tenham sido objeto de ações de incentivo ou fomento pelo Estado, com sua disponibilização nos equipamentos culturais audiovisuais do Estado;

IX – promover a valorização e a preservação do patrimônio audiovisual;

X – garantir e estimular a participação da sociedade civil na definição das ações da política de que trata esta lei e dos processos seletivos na área do audiovisual;

XI – promover medidas que garantam a acessibilidade das obras audiovisuais às pessoas com deficiência;

XII – promover a diversidade cultural, a cidadania e a inclusão social na produção audiovisual do Estado;

XIII – incentivar, fomentar e promover a difusão da produção audiovisual popular e da periferia;

XIV – estimular, fomentar e promover a difusão da produção audiovisual entre os povos indígenas de Minas Gerais;

XV – estimular o empreendedorismo e a formalização do trabalho na área de audiovisual;

XVI – estimular o desenvolvimento de infraestrutura e serviços e facilitar a aquisição de equipamentos relacionados com o setor audiovisual no Estado;

XVII – promover e estimular o desenvolvimento de atividades relativas à pesquisa, ao pensamento crítico-reflexivo e à produção acadêmica na área do audiovisual.

Art. 5º – Na implementação da política de que trata esta lei, serão adotadas ações de promoção, fomento e incentivo voltadas para, entre outras, as etapas de desenvolvimento de projetos, produção, finalização, distribuição, difusão, formação, desenvolvimento tecnológico, publicação e preservação do audiovisual.

Art. 6º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 21 de novembro de 2018.

Bosco, presidente e relator – Elismar Prado – Carlos Pimenta.