PL PROJETO DE LEI 4355/2017

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 4.355/2017

Comissão de Direitos Humanos

Relatório

De autoria do governador do Estado, a proposição em epígrafe, encaminhada por meio da Mensagem nº 273/2017, “altera a Lei nº 18.974, de 29 de junho de 2010, que estabelece a estrutura da carreira estratégica de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, altera as tabelas de vencimento das carreiras policiais civis de que trata a Lei Complementar nº 84, de 25 de julho de 2005, e dá outras providências”.

A matéria foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça, de Direitos Humanos e de Administração Pública, tendo a primeira delas concluído pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da proposta na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Cabe, agora, a esta comissão emitir parecer sobre o mérito da proposição, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, V, do Regimento Interno.

Fundamentação

O Projeto de Lei nº 4.355/2017 pretende alterar a Lei n° 18.974, de 2010, que estabelece a estrutura da carreira estratégica de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, a fim de fixar reserva de vagas para negros em concurso público no âmbito do Curso Superior de Administração Pública – CSAP –, oferecido pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro.

A proposição estabelece que 20%, no mínimo, das vagas do concurso público de que trata a Lei nº 18.974 devem ser disponibilizadas para provimento por negros aprovados no certame, devendo ser especificado no edital do concurso, de maneira expressa, o total de vagas correspondentes à reserva. Poderão concorrer às vagas reservadas os candidatos que se autodeclararem, no ato da inscrição do concurso, pretos ou pardos, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Também conforme a proposta, havendo quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas, o mesmo será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5, ou diminuído para o número inteiro imediatamente inferior, no caso de fração menor que 0,5.

O projeto relaciona como sanções, na hipótese de declaração falsa do candidato, sua eliminação do concurso, o desligamento do CSAP ou, caso tenha sido nomeado, a anulação de sua admissão à carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. A aplicação de tais penalidades, sem prejuízo de outras cabíveis, será sujeita à realização de procedimento administrativo, assegurado ao candidato o contraditório e a ampla defesa.

De acordo com a proposição, os candidatos negros aprovados deverão concorrer concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, respeitando-se sua classificação. Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas destinadas à ampla concorrência não deverão ser computados para o preenchimento das vagas reservadas. Em caso de desistência do candidato negro aprovado em vaga reservada, a referida vaga deve ser provida pelo candidato negro aprovado em seguida. Na hipótese de não haver número suficiente de candidatos negros aprovados para ocupar as vagas reservadas, estas deverão ser revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação.

Por fim, o projeto determina que o disposto na futura norma não se aplicará aos concursos cujos editais já tenham sido publicados antes da sua entrada em vigor, estabelecendo que a nova lei terá vigência pelo prazo de 10 anos.

Durante sua tramitação, foi anexado à proposta, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno, o Projeto de Lei nº 4.332/2017, que “dispõe sobre o estabelecimento de cotas raciais para o ingresso de negros no Curso Superior de Administração Pública – CSAP – ministrado pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro”. O projeto anexado guarda semelhança com a proposição principal, diferenciando-se em alguns comandos: estabelece a obrigatoriedade da aplicação da reserva sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a três; prevê a nomeação dos candidatos aprovados segundo critérios de alternância e proporcionalidade, que considerem a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros; e impõe ao Poder Executivo o dever de regulamentar instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas e de monitorar constantemente sua aplicação, além de divulgar relatórios periódicos, inclusive pela internet.

A Comissão de Constituição e Justiça entendeu, em seu parecer, inexistirem óbices, seja do ponto de vista formal, seja material, à aprovação da matéria. Realçou a propriedade das políticas de ações afirmativas nas universidades públicas estaduais, destacando o tratamento próprio a ser dispensado aos cursos ofertados pelas escolas de governo, que visam à formação e ao aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira.

Considerou a inexistência, em Minas Gerais, de lei que institua reserva de vagas para concursos públicos em geral, o que justifica o projeto de lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo com esse propósito. Defendeu a constitucionalidade de medidas de ação afirmativa em concursos públicos, mencionando a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Constitucionalidade nº 41/2016, que declarou a constitucionalidade da Lei Federal nº 12.990, de 2014, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

A Comissão de Constituição e Justiça apresentou, ao final, o Substitutivo nº 1, com vistas a alterar a proposta inicial implementando algumas medidas trazidas no Projeto de Lei nº 4.332/2017, anexado à proposta sob análise. Assim, conforme o substitutivo, caberá ao Poder Executivo regulamentar instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas e para monitorar constantemente sua aplicação, além de divulgar relatórios periódicos, inclusive pela internet, e estabelecer a revisão do sistema de reserva de vagas no prazo de 10 anos – sem, contudo, prever o término da vigência da lei após esse período.

Posteriormente, a deputada Marília Campos apresentou a esta comissão proposta de emenda ao projeto, com vistas a ampliar seu objeto. De acordo com a sugestão, 40% das vagas do concurso público de que trata a Lei nº 18.974 deverão ser reservadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, sendo metade desse percentual para estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas e metade para estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita.

Ao analisar o mérito, verificamos a oportunidade e a relevância da proposição.

Cumpre registrar que as ações afirmativas, também denominadas ações positivas, discriminação positiva ou discriminação reversa, englobam um número de iniciativas diversas, incluindo a produção legislativa e a estruturação de políticas públicas voltadas para a oferta de oportunidades iguais para todos, considerando-se as desigualdades de fato existentes. Trata-se de propiciar, em certa medida, uma espécie de compensação em face de processos históricos de marginalização e de discriminação. Tais ações são consideradas, assim, instrumentos que viabilizam a chamada igualdade material, consagrada na Constituição Federal de 1988, desde seu preâmbulo, e também no caput do seu art. 5º. No caso das ações afirmativas, o fim igualitário é buscado oferecendo-se condições desiguais aos desiguais, na medida de sua desigualdade, a fim de que se equiparem e desfrutem de condições efetivas de igualdade.¹

Primeiramente pensadas nos Estados Unidos na década de 1960, as affirmative actions tinham o objetivo inicial de promover a igualdade entre brancos e negros e significaram uma mudança de atitude do Estado, na medida em que podem ser interpretadas como o abandono da atitude – em tese – neutra para se adotar uma política corretiva ou, pelo menos mitigadora, de uma situação histórica de marginalização. Importante frisar que não se trata da implementação de políticas antidiscriminatórias, que lidam com proibições, mas sim de meios de intervenção que visam a uma forma de reparação e ao fim de práticas discriminatórias. As ações afirmativas constituem, portanto, poderoso instrumento para diminuir as diferenças sociais e culturais construídas historicamente, pois buscam uma igualdade efetiva de oportunidades para todos.²

Em se tratando das ações afirmativas no Brasil, que objetivam reverter o quadro de desigualdade baseado na discriminação racial, vale lembrar o Decreto Federal nº 4.228, de 2009, que instituiu o Programa Nacional de Ações Afirmativas. Em 2014, foi editada a Lei Federal nº 12.990, já mencionada, que assegurou a reserva de vagas para negros em concursos públicos no âmbito federal. Especificamente sobre a política de cotas em Minas Gerais, destacamos a edição da Lei nº 15.259, de 2004, que instituiu sistema de reserva de vagas na Universidade do Estado de Minas Gerais e na Universidade Estadual de Montes Claros, recentemente revogada pela Lei nº 22.570, de 2017, a qual, com mais abrangência, dispõe sobre as políticas de democratização do acesso e de promoção de condições de permanência dos estudantes nas instituições de ensino superior mantidas pelo Estado.

O projeto em tela, por sua vez, trata da implantação de cotas raciais no CSAP, ofertado pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho. Objetiva regulamentar a reserva de vagas para candidatos negros, possibilitando-lhes o acesso em curso de nível superior que se configura em etapa para aprovação em concurso público e ingresso na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Nessa perspectiva, fundamental ressaltar que a garantia do acesso de estudantes negros às escolas de governo, possibilitando-lhes o protagonismo na formulação e execução das políticas públicas, reveste-se em ferramenta relevante para a consecução de mudanças estruturais nas ações governamentais, a partir do sentimento de pertencimento dos novos gestores.

Desse modo, considerando a importância da multiplicidade de pensamentos advindos de uma diversidade de gestores públicos, entendemos conveniente acatar a proposta de emenda apresentada a esta comissão, estabelecendo a reserva de vagas para outras categorias de candidatos. Para tanto, apresentamos, ao final deste parecer, o Substitutivo nº 2, que leva em conta a referida proposta e incorpora o conteúdo do Substitutivo nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça.

Dessa forma, o Substitutivo nº 2 inova o projeto original ao fixar que, das vagas previstas no edital do concurso para a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, serão reservadas, no mínimo, além de 20% para negros (em simetria com a Lei Federal nº 12.990), 3% para indígenas (em sintonia com o previsto no § 1º do art. 2º da Lei nº 22.570) e 17% para candidatos de baixa renda que sejam egressos de escola pública. Estabelece, ainda, que poderão concorrer às vagas reservadas para negros, os candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos, conforme nomenclatura utilizada pelo IBGE; às vagas reservadas para indígenas, os candidatos que se autodeclararem indígenas; e às vagas reservadas a candidatos de baixa renda que sejam egressos de escola pública, os que tenham cursado o ensino médio integralmente na rede pública e comprovarem renda familiar per capita inferior a 1,5 salário-mínimo.

Conclusão

Em face do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 4.355/2017, no 1º turno, na forma do Substitutivo nº 2, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Altera a Lei nº 18.974, de 29 de junho de 2010, que estabelece a estrutura da carreira estratégica de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado à Lei nº 18.974, de 29 de junho de 2010, o seguinte art. 8°-A:

“Art. 8º-A – Das vagas previstas no edital do concurso para a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, serão reservadas, no mínimo:

I – 20% (vinte por cento) para negros;

II – 3% (três por cento) para indígenas;

III – 17% (dezessete por cento) para candidatos de baixa renda que sejam egressos de escola pública.

§ 1° – Poderão concorrer às vagas reservadas nos termos do caput os candidatos que:

I no ato da inscrição no concurso público, autodeclararem-se pretos ou pardos, conforme nomenclatura utilizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, no caso das vagas reservadas nos termos do inciso I;

II no ato da inscrição no concurso público, autodeclararem-se indígenas, no caso das vagas reservadas nos termos do inciso II;

III tenham cursado o ensino médio integralmente na rede pública e comprovarem renda familiar per capita inferior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo, no caso das vagas reservadas nos termos do inciso III.

§ 2° – Quando a aplicação de percentual previsto no caput resultar em número fracionário, o quantitativo de vagas reservadas será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (zero vírgula cinco), ou diminuído para o primeiro número inteiro anterior, em caso de fração menor que 0,5 (zero vírgula cinco).

§ 3° – Na hipótese de constatação de declaração falsa para fins do disposto no § 1º, o candidato:

I – será eliminado do concurso;

II – será desligado do CSAP;

III – ficará sujeito à anulação da sua admissão na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, se houver sido nomeado.

§ 4° – A aplicação das sanções previstas no § 3° está sujeita a procedimento administrativo no qual sejam assegurados ao candidato o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

§ 5° – Na hipótese de não haver número suficiente de candidatos aprovados para ocupar as vagas reservadas nos termos deste artigo, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação.

§ 6° – Em caso de desistência de candidato aprovado em vaga reservada, a vaga será preenchida pelo candidato a vaga reservada na mesma categoria classificado em sequência.

§ 7º – Os candidatos concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com sua classificação no concurso.

§ 8° – Os candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.

§ 9º – O Poder Executivo estabelecerá instrumentos para monitorar a reserva de vagas prevista neste artigo e aferir sua eficácia social e divulgará, periodicamente, os resultados desse monitoramento, inclusive pela internet.”.

Art. 2º – O inciso I do art. 9° da Lei nº 18.974, de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 9º – (...)

I – o número de vagas existentes e o número de vagas reservadas nos termos do art. 8º-A;”.

Art. 3º – O disposto nesta lei não se aplica aos concursos para ingresso na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental cujos editais tiverem sido publicados antes da entrada em vigor desta lei.

Art. 4º – O Estado procederá à revisão do sistema de reserva de vagas de que trata o art. 8º-A da Lei nº 18.974, de 2010, acrescentado por esta lei, no prazo de dez anos contados da data da publicação desta lei.

Art. 5º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 13 de setembro de 2017.

Cristiano Silveira, presidente e relator – Marília Campos – Doutor Jean Freire.

¹ Disponível em: <https://politicaspublicas.almg.gov.br/temas/protecao_vitimas_racismo/entenda/informacoes_gerais.html>. Consulta em: 12 set. 2017.

² Idem.