PL PROJETO DE LEI 2547/2011

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.547/2011

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do Deputado Adelmo Carneiro Leão, a proposição em epígrafe “incentiva a agroecologia e a agricultura orgânica na agricultura familiar no Estado e dá outras providências”.

A proposição foi publicada no “Diário do Legislativo” de 8 de outubro de 2011 e distribuída às Comissões de Constituição e Justiça e de Política Agropecuária, para receber parecer.

Nos termos do art. 102, III, “a”, do Regimento Interno, compete a esta Comissão examinar a matéria nos seus aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade.

Fundamentação

O projeto sob exame pretende incentivar a agroecologia e a agricultura orgânica na agricultura familiar desenvolvida no território do Estado. Para tanto, a proposição define agroecologia e agricultura orgânica e os respectivos princípios. Além disso, atribui ao Poder Executivo as funções de motivar e incentivar a implantação de sistemas agroecológicos de produção e a certificação da produção orgânica, apoiar as associações de produtores, desenvolver pesquisas e incentivar a produção de sementes de leguminosas para a adubação verde, estimular a recuperação da fertilidade do solo, incentivar a produção em criatórios de pequenos animais e incluir no currículo escolar dos ensinos fundamental e médio da rede estadual de ensino conteúdo relativo a agroecologia. Estabelece, finalmente, que o acesso a esses benefícios será gratuito ao produtor familiar que implantar produção orgânica e não contratar mão de obra sazonal excedente ao somatório da mão de obra familiar.

Na justificação, sustenta o autor que “a agroecologia e a agricultura orgânica encontram condições bastante propícias para sua disseminação nas atividades da agricultura familiar”, bem como que “os benefícios sociais derivados dessa prática, não só para os que nela concentrem seus esforços, como também para os beneficiários da produção agrícola (…) são mais do que notórios”.

É meritória a iniciativa parlamentar sob exame, que encontra respaldo no “caput” do art. 65 da Constituição do Estado.

No que toca à competência legislativa, observamos que a proposição se enquadra no domínio de mais de uma matéria, envolvendo especialmente administração pública, agricultura e proteção do meio ambiente. Assim, apesar de o direito agrário situar-se no rol de matérias de competência legislativa privativa da União, o projeto de lei em foco respalda-se nos arts. 24 e 25 da Constituição da República, desde que respeitada a legislação federal pertinente.

Verificamos, a propósito, que o texto normativo sob exame pretende dispor sobre matérias que já são objeto de legislação estadual ou federal, a saber: a Lei nº 10.545, de 1991, “dispõe sobre produção, comercialização e uso de agrotóxico e afins e dá outras providências”; a Lei nº 11.405, de 1994, “dispõe sobre a política estadual de desenvolvimento agrícola e dá outras providências”; a Lei nº 13.451, de 2000, “dispõe sobre a prática de medidas sanitárias para erradicação de doença animal e controle de qualidade dos produtos agropecuários“; a Lei nº 14.089, de 2001, “cria o Programa de Certificação Ambiental da Propriedade Agrícola e dá outras providências”; a Lei nº 14.180, de 2002, “dispõe sobre a habilitação de estabelecimento de produtor artesanal ou de agricultor familiar para produzir ou manipular alimentos para fins de comercialização”; a Lei Federal nº 10.711, de 2003, “dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências”; a Lei Federal nº 10.831, de 2003, “dispõe sobre a agricultura orgânica e dá outras providências”; a Lei nº 14.968, de 2004, “dispõe sobre a política estadual para a promoção do uso de sistemas orgânicos de produção vegetal e animal e dá outras providências”; a Lei Federal nº 11.326, de 2006, “estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais”; a Lei nº 15.973, de 2006, “dispõe sobre a Política Estadual de Apoio à Agricultura Urbana e dá outras providências”; a Lei nº 15.982, de 2006, “dispõe sobre a Política Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável e dá outras providências”; a Lei nº 16.680, de 2007, “dispõe sobre o apoio à transformação e ao processamento da produção familiar e à comercialização direta entre agricultores familiares e consumidores”; a Lei nº 17.438, de 2008, “institui a Política Estadual de Incentivo à Utilização de Sementes Selecionadas nas propriedades que se dedicam à agricultura familiar e dá outras providências”; a Lei nº 17.727, de 2008, “dispõe sobre a concessão de incentivo financeiro a proprietários e posseiros rurais, sob a denominação de Bolsa Verde, para os fins que especifica, e altera as Leis nºs 13.199, de 29 de janeiro de 1999, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, e 14.309, de 19 de junho de 2002, que dispõe sobre as políticas florestal e de proteção à biodiversidade no Estado”; a Lei nº 18.374, de 2009, “dispõe sobre a política estadual de incentivo à formação de bancos comunitários de sementes de cultivares locais, tradicionais ou crioulos”; e a Lei nº 20.608, de 2013, “institui a Política Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar – PAAFamiliar”.

Observamos, nada obstante, que o Decreto Federal nº 7.794, de 2012, que “institui a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”, estabeleceu uma nova abordagem para a matéria, superando a visão consubstanciada na referida Lei nº 14.968, de 2004.

Entendemos, ademais, que a atividade de fomento à agroecologia e à produção orgânica desenvolvida pelo Estado de Minas Gerais deve destinar-se prioritariamente aos agricultores familiares, aos agricultores urbanos e aos povos e comunidades tradicionais, categorias que de fato necessitam de apoio do poder público.

Enfim, a proposição sob exame consubstancia praticamente a instituição de uma nova política de agroecologia e produção orgânica para o Estado. Assim sendo, entendemos relevante assegurar no projeto: os instrumentos da política, em especial o Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica; a possibilidade de os órgãos e entidades participantes da política receberem recursos do Fundo de Erradicação da Miséria, à vista da identidade de suas finalidades; a gestão da política por órgão colegiado; e a participação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, a que se referem a Lei Delegada nº 180, de 2011, e o Decreto nº 45.962, de 2012, no controle social da política.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 2.547/2011 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica – Peapo – e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica instituída a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica – Peapo –, com o objetivo de promover e incentivar o desenvolvimento da agroecologia e da produção orgânica no Estado.

Parágrafo único – Para os fins desta lei, Agroecologia compreende o campo do conhecimento transdisciplinar que estuda os agroecossistemas, visando ao desenvolvimento das relações entre capacidade produtiva, equilíbrio ecológico, eficiência econômica, equidade social e uso e conservação da biodiversidade e dos demais bens naturais, por meio da articulação entre conhecimento técnico-científico, práticas sociais diversas e saberes e culturas populares e tradicionais.

Art. 2º – A Peapo será implementada pelo Estado em regime de cooperação com a União, os Municípios, as organizações da sociedade civil e outras entidades privadas.

Art. 3º – As ações da Peapo serão destinadas prioritariamente aos agricultores familiares, aos agricultores urbanos e aos povos e comunidades tradicionais.

Parágrafo único – Para fins desta lei, considera-se:

I – agricultor familiar aquele definido nos termos do art. 3º da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006;

II – agricultor urbano aquele que pratica a agricultura urbana, nos termos da Lei nº 15.973, de 12 de janeiro de 2006;

III – povos e comunidades tradicionais aqueles definidos nos termos do inciso I do art. 3º do Decreto Federal nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.

Art. 4º – São diretrizes da Peapo:

I – a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada e saudável;

II – a conservação dos ecossistemas naturais, a recomposição dos ecossistemas modificados e a promoção de agroecossistemas sustentáveis;

III – a implementação de políticas de estímulos que favoreçam a transição agroecológica;

IV – a estruturação de circuitos de produção, distribuição, comercialização e consumo de produtos agroecológicos, orgânicos e em transição agroecológica, que aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura e do extrativismo florestal, respeitando as tradições culturais;

V – o estímulo às experiências locais de uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, especialmente àquelas que envolvam o manejo de espécies nativas, raças e variedades locais, tradicionais e crioulas;

VI – a garantia da autonomia dos agricultores na gestão e na conservação, respeitados os diversos ciclos de renovação dos bens naturais para a manutenção da sociobiodiversidade;

VII – a implementação da perspectiva agroecológica nas instituições de ensino, pesquisa e assistência técnica e extensão rural – Ater;

VIII – o estímulo ao consumo de produtos agroecológicos, orgânicos e em transição agroecológica;

IX – a valorização do protagonismo dos destinatários a que se refere o art. 3º desta lei nos processos de construção e socialização de conhecimento e na gestão, na organização social e nas atividades produtivas da agroecologia, produção orgânica e transição agroecológica.

Art. 5º – Para fins desta lei, considera-se:

I – produção orgânica aquela oriunda de sistema orgânico de produção definido nos termos do art. 1º da Lei Federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003;

II – sociobiodiversidade a relação entre a diversidade biológica, os sistemas agrícolas tradicionais e o uso e o manejo dos bens naturais vinculados ao conhecimento e à cultura dos agricultores, englobando produtos, saberes, hábitos e tradições de um determinado lugar ou território;

III – transição agroecológica o processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas convencionais a que se refere o inciso IV do art. 2º do Decreto Federal nº 7.794, de 20 de agosto de 2012.

Art. 6º – São objetivos da Peapo:

I – ampliar e fortalecer a produção, o processamento e o consumo de produtos agroecológicos, orgânicos e em transição agroecológica, com ênfase nos mercados locais e regionais;

II – promover, ampliar e consolidar o acesso, o uso e a conservação dos bens naturais pelos agricultores;

III – criar e efetivar instrumentos regulatórios, fiscais, creditícios, de incentivo e de pagamento por serviços ambientais para proteção e valorização das práticas tradicionais de uso e conservação da agrobiodiversidade e a expansão da produção agroecológica, orgânica e em transição agroecológica;

IV – ampliar a capacidade de geração e socialização de conhecimentos em agroecologia, produção orgânica e transição agroecológica por meio da valorização dos conhecimentos locais e do enfoque agroecológico nas instituições de ensino, pesquisa e Ater;

V – ampliar e fortalecer os programas de educação do campo, de pesquisa participativa e de Ater, estatais e não estatais, com base na agroecologia;

VI – ampliar a inserção da abordagem agroecológica nos diferentes níveis e modalidades de educação e ensino, incluindo a formação e a capacitação dos profissionais envolvidos;

VII – assegurar a participação das organizações da sociedade civil na elaboração e na gestão de programas e projetos de pesquisa, ensino e Ater em agroecologia, produção orgânica e transição agroecológica;

VIII – viabilizar a construção e o desenvolvimento de redes de Ater agroecológicas;

IX – estruturar um sistema de informações sobre a produção agroecológica, orgânica e em transição agroecológica;

X – fortalecer e consolidar os serviços de Ater gratuitos, não estatais, executados pelas organizações da sociedade civil.

Art. 7º – São instrumentos da Peapo, entre outros:

I – o Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica – Pleapo –;

II – a Ater agroecológica;

III – a pesquisa e a inovação científica e tecnológica com foco na agroecologia;

IV – a formação profissional e a educação do campo;

V – as compras governamentais de gêneros alimentícios agroecológicos e orgânicos;

VI – as medidas fiscais e tributárias que favoreçam a produção agroecológica, orgânica e em transição agroecológica.

Parágrafo único – O Pleapo conterá, no mínimo, os seguintes elementos referentes à política instituída por esta lei:

I – diagnóstico;

II – estratégias e objetivos;

III – programas, projetos, ações;

IV – indicadores, metas e prazos;

V – monitoramento e avaliação.

Art. 8º – A Peapo será implementada por meio das dotações consignadas nos orçamentos dos órgãos e entidades que dela participem com programas e ações, de convênios, de doações, entre outros recursos.

Parágrafo único – Os órgãos e entidades participantes da Peapo poderão receber recursos do Fundo de Erradicação da Miséria – FEM –, para aplicação em programas e ações que atendam à finalidade disposta no art. 4º da Lei nº 19.990, de 29 de dezembro de 2011.

Art. 9º – A gestão da Peapo será realizada por colegiado, conforme dispuser o regulamento.

Parágrafo único – Fica assegurada a participação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – Cedraf-MG – no controle social da Peapo.

Art. 10 – Fica revogada a Lei nº 14.968, de 12 de janeiro de 2004.

Art. 11 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 14 de maio de 2013.

Sebastião Costa, Presidente - André Quintão, relator - Luiz Henrique - Duilio de Castro - Cabo Júlio - Dalmo Ribeiro Silva - Gustavo Perrella.