HILDEGARD BEATRIZ ANGEL BOGOSSIAN, jornalista, escritora e defensora dos direitos humanos
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 10/06/2025
Página 3, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas RQN 9077 de 2024
RQN 11778 de 2025
Normas citadas RAL nº 5638, de 2025
15ª REUNIÃO ESPECIAL DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 5/6/2025
Palavras da Sra. Hildegard Beatriz Angel Bogossian
Eu trouxe as flores de crochê com que a deputada Maria Elvira me presenteou. Achei tão lindas! Quero falar, então, num púlpito florido.
Cumprimento a Exma. Sra. Deputada Leninha, vice-presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que é uma pioneira aqui, nesta Assembleia, a 1ª-vice-presidente negra. Que venham muitas outras! Leninha é só o início. Leninha representa o deputado Tadeu Leite, presidente da Assembleia. Cumprimento o Exmo. Sr. Deputado Lucas Lasmar, autor do requerimento que deu origem a esta homenagem a mim. Hoje nasci de novo. Você também é o parteiro da Hildegard mineira. Cumprimento também o Exmo. Sr. Nilmário Miranda, ex-deputado estadual, ex-deputado federal, assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, um grande parceiro na luta pela memória brasileira; e o Sr. Angelo Oswaldo, prefeito do Município de Ouro Preto, que conheço desde os meus 18 anos, quando fui fazer um festival, ou melhor, participar, não, mas assistir ao Festival de Inverno de Ouro Preto. Ali nasceu a nossa amizade e o meu grande respeito por ele. Exmo. Sr. Sávio Souza Cruz, ex-deputado, curvelano e um dos elos dessa corrente de amor que me trouxe aqui, muito obrigada. Maria Elvira, ex-deputada, agradeço-lhe os lenços de papel. Hoje eu vou precisar usá-los e já os estou usando, porque é muita emoção para mim. Obrigada, Maria Elvira. Mulher entende de mulher! Cumprimento ainda a Exma. Sra. Profa. Lavínia Rosa Rodrigues, reitora da Universidade do Estado de Minas Gerais – Uemg –, com quem eu tive o prazer de falar apenas uma vez, mas espero nos falarmos muitas vezes, porque temos uma ideia comum sobre a formação dos brasileiros e da memória brasileira como prioridade nessa formação.
Falei que hoje eu nasci outra vez, e nasci mesmo, porque sempre me senti mais mineira do que carioca. E eu dizia isso. Às vezes, perguntavam-me: “Você nasceu onde?”. Eu dizia: “Em Belo Horizonte”. Depois, eu lembrava que não, e dizia: “Não, não foi; foi no Rio de Janeiro”. A minha família é toda mineira. Estou aqui com a minha prima Frida Viana de Paula Martins, representando a nossa família. Minhas tias são mineiras, minhas avós são mineiras, minha mãe é mineira, meus primos são mineiros, todos eram mineiros. Então eu era mineira; não dava para ser diferente. Nossa casa no Rio de Janeiro era uma filial de Minas Gerais. Era a época de Juscelino Kubitschek, e os mineiros mudaram de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Foi uma grande migração de mineiros entusiasmados no Rio de Janeiro.
Lembro os chás, os pães de queijo, as conversas; as mulheres todas ficavam em torno da mamãe, que era muito carismática e uma das pioneiras sociais de D. Sarah Kubitschek. E elas todas costuravam roupas para estudantes, para crianças da Fundação das Pioneiras Sociais. Elas todas eram voluntárias, mas nem todas – poucas – sabiam efetivamente costurar. A mamãe sabia, e elas lhe pediam que costurasse para elas. Mamãe, que já tinha uma máquina de costura, contratou uma costureira, e cobrava das amigas as roupas que ela fazia. Assim começou o seu ateliê de costura: as pioneiras sociais costurando para as crianças da Fundação das Pioneiras Sociais. Ela costurava a cota dela; e a das amigas ela fazia também, mas era ressarcida, porque ela é que fazia tudo. Então ela viu que aquilo seria um grande caminho para ela como mãe, que, posteriormente, tornou-se arrimo de família. Dava aos filhos tudo o que queria dar.
Em seguida, vieram as artistas de Hollywood, os grandes nomes da alta sociedade, e a Zuzu Angel se tornou a Zuzu Angel. Vieram os compradores do exterior e fizeram dela um nome internacional. Eu estava sempre do lado xeretando, vigiando. Uma vez veio uma estrela do filme Os dez mandamentos, que se chamava Yvonne De Carlo. Enquanto ela provava a roupa, eu ficava em volta dela. Ela falou: “Mrs. Angel, tire essa menina de perto de mim porque estou provando a minha roupa”. Era a diva. Mamãe falou: “A casa é dela; ela não vai sair”. Aí começava a história. A coragem não se manifesta apenas nos grandes atos; manifesta-se também nessas coisas, nessas minúcias de destemor, em superar a sua timidez e até os seus bons modos para se mostrar uma pessoa assertiva.
Quando a minha mãe faleceu, eu tive a sorte de ela ter clientes e ex-clientes que a amavam demais. E ela tinha uma família que a estimulava e a prestigiava muito. Assim eu consegui começar a refazer a coleção de moda Zuzu Angel, buscando nas antigas clientes, nas primas, nas tias, nas que tinham as roupas de Zuzu, nas que tinham qualquer coisa de Zuzu. E eu pude reconstruir a coleção Zuzu Angel. Pude reconstruir até a coleção política, porque, quando a mamãe faleceu, minha irmã que mora na França veio e levou as roupas da coleção política.
Quando eu fiz o museu – tive a ideia de criar o museu, e ele existe –, ela me mandou essa preciosidade. Segundo a presidente têxtil do Icom – instituto de museus do mundo – e que também é a curadora das coleções reais da Dinamarca, a coleção Zuzu Angel corresponde à bandeira do Brasil, porque é uma coleção que traz o Brasil nas suas inspirações e a coragem. Foi a primeira vez na história da moda que se usaram vestidos para fazer denúncias políticas, denúncias contra a opressão, contra uma ditadura. Hoje, você vê que isso é um lugar comum, mas a primeira vez foi em 1971 pela mineira Zuzu Angel.
Nesse primeiro desfile da mamãe em Nova Iorque – ela fez vários –, eu fui ajudá-la. Eu me lembro de empurrar uma arara pela Quinta Avenida com os vestidos em capas, levando para Bergdorf Goodman, que era e ainda é a mais importante, a mais sofisticada loja de departamentos americana. Eu ia levando aquelas roupas, empurrando a arara, atravessando a rua, chegando aonde Zuzu fez o seu desfile e levando um susto ao ver que as vitrines já estavam prontas, e todas tinham roupa de Zuzu Angel na Quinta Avenida. Nunca mais houve uma vitrine com todas as roupas de uma única estilista na Bergdorf Goodman. Quais eram as suas inspirações? Era a mineiridade; eram a Maria Bonita e o Lampião; eram as mulheres rendeiras; eram as sinhazinhas; era a coragem, que a qualificava.
Eu fui essa companheira da mamãe em todos esses momentos. Quando ela se foi – assassinada –, para mim foi muito difícil acreditar que alguém tivesse a coragem de matar uma mãe de família, uma pessoa que não era violenta e só porque ela denunciava a morte do seu filho e o assassinato dos outros jovens brasileiros. Hoje, o governador de Minas declarou que não houve ditadura militar e ele já tinha declarado antes que não houve Adélia Prado, que Adélia Prado era uma funcionária pública de uma repartição de uma rádio. Então o que ele diz que houve e o que não houve não tem tanta importância.
Não devemos nos indignar com os pequenos; devemos focar a nossa inteligência, a nossa persistência e o nosso objetivo nos grandes objetivos, nas grandes causas importantes, e não dar valor às pequenas importâncias, às desimportâncias. Por isso hoje não vamos falar de quem não conhece Adélia Prado, de quem não conhece a ditadura militar no Brasil. Eu gosto de falar, gente. Vocês estão dispostos? Mais ou menos, não é? Mas já termino.
É isso. Eu estou tão emocionada, tão feliz, tão contente de ser mineira! Eu me sinto tão mineira! Minas está dentro de mim e eu estou dentro de Minas. Minas trouxe, de Minas veio o senso de soberania do Brasil. Em Minas, nós tivemos os inconfidentes mineiros, aqueles que acreditaram que o Brasil podia ser um Brasil independente e que podiam lutar. Imaginem jovens tão… E não eram jovens das armas; eram jovens das letras, jovens da filosofia, jovens da poesia. Esses jovens se reuniram para dar soberania a Minas Gerais. Isso é muito importante, ou seja, as riquezas de Minas Gerais. E esses jovens foram mortos. Um foi morto, o outro foi para o exílio. Todos sofreram, todos sofreram, todos foram retaliados. Esses jovens são o cerne do Brasil; são o primeiro grande exemplo. É esse exemplo que nos faz respeitar Minas Gerais. É este exemplo que nós temos sempre que seguir: o exemplo dos inconfidentes, o exemplo dos insurgentes, o exemplo dos inteligentes de Minas Gerais. Minas tem a poesia, Minas tem a música, Minas tem o cancioneiro. E Minas tinha Maria Lúcia, tão querida, a nossa grande cantora de ópera, de música clássica, que se foi há duas semanas.
Eu quero, então, extravasar essa minha emoção, essa minha felicidade e saudar os curvelanos, como o Newton, que aqui está. É o Marlos que está ali? É o Douglas que está ali; o Newton, o Douglas, a Frida, o meu marido também, a Kátia Lage, o Paulo César Oliveira, amigo de tantos anos, a quem eu devo a Rua Zuzu Angel, que foi uma iniciativa dele. O Wagner Martins também é primo nosso, é um primo curvelano. Quem mais? De quem estou me esquecendo, Frida? Fale para mim. Rafael! Muito obrigada por me lembrar. Estes óculos são para perto, não são para longe, portanto eu não consigo enxergar direito.
Então, a todos vocês que vieram, que aqui estão nesta Mesa magnífica, composta por todos que já mencionei, eu quero agradecer. Saúdo o nosso querido Ronaldo Fraga, que mandou o seu amigo Geraldo aqui, com uma coleção de roupas do Ronaldo Fraga, que serão expostas no Museu da Moda Zuzu Angel. Saúdo o Sávio também, que está ali ao lado do Wagner. É Rafael, é Rafael. Enfim, 75 anos não são moleza, não! Muito obrigada, gente. O Zé Lopes está lá atrás. Maria Elvira, me ajude aí. Muito obrigada a todos vocês.
Eu sou pequena para esta homenagem. Vocês me engrandeceram. Muito obrigada a Minas Gerais por ser o que sempre foi: exemplar. Muito obrigada pelo Brasil que nós, juntos, estamos ajudando a construir. Ainda estamos ajudando a construir e vamos viver para manter essa construção de pé. Muito obrigada.