DEPUTADA BEATRIZ CERQUEIRA (PT)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 23/05/2025
Página 18, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas VET 24 de 2025
11ª REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 21/5/2025
Palavras da deputada Beatriz Cerqueira
A deputada Beatriz Cerqueira – Bom dia ao presidente, às colegas deputadas e aos colegas deputados. Vou usar meu tempo de encaminhamento para explicar o que será feito. O que será feito muito me envergonha como mulher e como parlamentar. Desejo muito que a Assembleia Legislativa não passe à sociedade uma falsa ideia de proteção. Daqui a pouco, vamos votar o veto. O governo, entendendo que esse é um assunto caro para todos nós, recuou em seu posicionamento, e parece-me que vai votar pela derrubada do veto. Na sequência, vamos votar o que foi destacado: o § 1º. Estou no encaminhamento, não é? O destaque do § 1º vai matar o projeto. E aí vamos dar uma falsa ideia de que protegemos as mulheres, mas, ao manter o veto do § 1º, os deputados e as deputadas que votarem pela manutenção desse veto estarão retirando as condições objetivas de proteção à mulher vítima de violência. Essa é a manobra regimental, possível de ser feita no caso do veto, que o governo está operando no Plenário. E quero lamentar. Primeiro lamento a vergonha do veto. Eu não vou entrar no debate. Todos que falaram, todas que falaram já entraram no conteúdo, mas eu quero ler para que a gente possa ter a dimensão dos nossos próximos passos.
O projeto, a lei que foi proposição de lei complementar, vetada pelo governador, possui dois artigos, três artigos. O primeiro artigo é o que assegura, a pedido, o direito à remoção ou à mudança de lotação, o direito de movimentação, respectivamente, às servidoras públicas civis e militares, integrantes dos quadros da administração pública direta ou indireta do Poder Executivo, que tenham sido vítimas de violência doméstica e familiar. É o artigo primeiro.
Agora o §1º do art. 1º: “A remoção ou a mudança de lotação e a movimentação de que trata o caput não estão condicionadas à existência de vaga e ocorrerão em qualquer época do ano”. O governo vai orientar para que a sua base vote para manter esse artigo primeiro vetado. Esse artigo primeiro é o que dá condições às servidoras civis e militares de acionarem esta lei complementar. Por quê? Porque o Estado vai argumentar, para muitas servidoras civis e militares, a inexistência da vaga. Portanto ela continuará, com uma suposta inexistência da vaga, naquele local, naquela região ou naquela cidade, vítima e alvo de violência. O Estado também estabelece períodos em que se pode fazer o pedido de remoção ou a mudança de lotação. Os nossos agressores não respeitam calendário de remoção. Então, até que chegue um momento oportuno definido em decreto para o meu direito de mudar a lotação, eu já posso ter sido assassinada, eu já posso ter sido agredida inúmeras vezes.
Falar no Plenário é sempre difícil, porque a gente muitas vezes não consegue ter toda a atenção para uma pauta tão importante, mas eu quero compartilhar com os colegas aquilo que debati na Comissão de Administração Pública, por onde esse projeto passou. Às vezes, colegas, demora muito a mulher, vítima de violência, conseguir quebrar o ciclo e fazer um simples boletim de ocorrência. Via de regra aquele boletim de ocorrência, que relata uma agressão sofrida, não é a primeira agressão que a mulher sofreu. Às vezes é a segunda, a terceira, a décima, a vigésima, porque há, intrínseca a esse processo de quando nós somos vítimas de violência, uma grande vergonha. Nós sentimos vergonha, deputado Doutor Jean, quando somos vítimas de violência. Sentimos vergonha e temos uma enorme dificuldade de acionar as ferramentas que estão previstas na legislação, deputado João Magalhães. Fiz esse debate com V. Exa. na Comissão de Administração Pública. Então cercear, limitar, impor tantas regras é afastar a mulher da condição de recorrer ao Estado para pedir proteção.
O debate é sobre isso. Muitos de nós vão votar sem ter vivido uma situação de violência, porque não são alvo da violência. Nós somos 15 mulheres, nesta Casa, em 77 colegas parlamentares. Então o que eu quero pedir, deputado Professor Cleiton, é que nessa votação aqueles que nunca viveram ou que não têm a real dimensão do que é uma mulher vítima de violência doméstica escutem as mulheres vítima de violência doméstica. Se vocês não derrubarem o veto, se mantiverem o veto ao parágrafo primeiro, não adiantou nada. Eu, como professora, preciso ter o direito de, na hora em que eu crio condições emocionais de recorrer a uma superintendência, pedir: “Tirem-me desta cidade ou tirem-me desta escola”.
Os agressores estabelecem vínculos sociais nos nossos locais de trabalho. O meu agressor, pessoa simpática, deputado Lucas Lasmar, vai ao meu local de trabalho, conversa com os meus colegas e com certeza já foi me acompanhando até a escola para uma confraternização, mas nem por isso deixou de ser um agressor. Os que têm curso superior e os que têm melhor renda são ainda mais hábeis, porque nos batem em lugares em que é difícil vocês verem os hematomas e as marcas roxas. A violência psicológica a que somos submetidas não pode ser vista quando a gente procura uma Superintendência Regional de Ensino para pedir uma mudança de lotação. Esses agressores são os mais hábeis, porque eles sabem da vergonha que nós sentimos e da dificuldade que nós temos.
Será o Parlamento mineiro que vai corroborar uma dificuldade, não dando a essa mulher a condição de conseguir buscar uma ferramenta para a sua proteção? É isso que nós vamos votar daqui a pouco. Eu não vou nem entrar no mérito dos argumentos do governo Zema porque eles não merecem a minha energia, de tão estúpidos e desrespeitosos que são. O veto do governo Zema foi um recado à sociedade de que as suas servidoras, as suas professoras, as suas enfermeiras, as suas policiais civis e as suas escrivãs não são protegidas por ele. Esse é o recado desse veto, gente!
Eu acho uma vergonha a gente ter que convencer colegas sobre essa questão e ter que debater uma estratégia para simbolicamente derrubar o veto, mas mantê-lo sob a condição de a professora buscar a proteção do Estado. Nós fizemos esse debate na APU. Nós fizemos esse debate porque o governo ainda queria colocar uma temporalidade. Mas não pode ser a qualquer tempo, eu escutei isso na comissão. É uma temporalidade, mas uma temporalidade de quanto tempo? Uma temporalidade de 24 horas depois do primeiro soco? Uma temporalidade de 72 horas depois da última agressão? Qual é o tempo que o governo acha suficiente para que possamos fazer o registro dessa violência que nós sofremos em um ambiente que deveria ser o mais seguro e o mais acolhedor, que é o ambiente da nossa casa?
Para finalizar, presidente, estou encaminhando o meu voto “não” ao veto, o que acho que deveria ser o óbvio, mas vivemos tempos, deputado Adalclever, em que o óbvio ainda precisa ser dito, debatido e defendido. Estou encaminhando contrariamente ao destaque do governo, porque o destaque do governo, se mantido neste Plenário, será uma vergonha não para nós, mulheres, porque continuaremos tentando sobreviver às violências que sofremos, mas uma vergonha para este Parlamento, que vai dizer para a professora: “Você levou um soco, você levou um pontapé, espere a data que a superintendência vai disponibilizar para você pedir a sua remoção”. Se você morrer até lá, se você perder a coragem de buscar a sua remoção – a palavra certa não é “coragem”, mas não acho outra melhor –, aí você espera a próxima vez, porque você precisa se adequar à burocracia do Estado. É sobre isso que nós vamos votar. Estaremos dizendo às mulheres, servidoras civis e militares: adequem-se à burocracia do Estado, adequem-se à data que a Secretaria de Educação vai definir para você pode pedir a sua remoção, adequem-se à data da chefia da Polícia Civil, à data em que ela vai dizer se há a vaga ou não, porque, se não houver a vaga, colega, morra! Terminei.
O presidente – Obrigado, deputada Beatriz Cerqueira.