DEPUTADA ANDRÉIA DE JESUS (PT)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 24/04/2025
Página 51, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas VET 19 de 2025
VET 22 de 2025
VET 23 de 2025
21ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 22/4/2025
Palavras da deputada Andréia de Jesus
A deputada Andréia de Jesus – Boa tarde, colegas deputadas e deputados, presidente que conduz a reunião desta tarde. Quero reforçar o quanto o nosso coração se entristece, neste momento, com a morte do papa Francisco. Eu imagino que muitos de nós nos surpreendemos com essa notícia, porque ele havia saído do hospital e tinha ido para casa. A gente tinha uma expectativa de vida longa para o papa, que estava fazendo profundas modificações na Igreja Católica, pelo menos no discurso, na postura; ele estava abrindo a Igreja Católica para debates importantes.
Nesta tarde em que a gente tem uma batalha grande na Casa para discutir uma série de vetos que está na pauta, eu me inscrevo para dizer que Francisco se foi, mas a sua coragem segue conosco. Foi um homem do sul, filho do povo, que ousou tirar o Vaticano do centro e virar o olhar para a igreja, para as periferias do mundo. Francisco enfrentou os muros da exclusão com o Evangelho nas mãos, não como condenação, mas como abrigo. Isso é importante, ou seja, reproduzir a palavra do Evangelho não para atender a interesses econômicos ou para polarizar debates; foi ele quem autorizou pela primeira vez a bênção para casais homoafetivos. É um grande passo o reconhecimento do amor onde sempre disseram que havia pecado. Foi ele quem abriu espaço para as mulheres nas leituras, nos ministérios, nas lideranças, mesmo sem ter conseguido tudo. A coisa mais difícil que fez foi romper o silêncio, o silêncio da Igreja Católica, o silêncio histórico.
Nós estamos falando de uma instituição de mais de 2 mil anos. O deputado Leleco, que acompanha bem isso, bem como o Padre João, sabe o quanto as mudanças ainda são lentas. A gente reconhece isso. O papel da igreja ainda é um papel político, e a gente espera que, na escolha do novo papa, haja uma decisão de abertura e de conciliação com as demandas de hoje, como o papa Francisco trouxe em vários de seus discursos. Neste momento nós não estamos aqui só “pegando uma onda”. Nós estamos em compromisso com o discurso de um evangelho que abraça as pessoas e que reconhece a crise climática. Em vários discursos, ele disse isso. A gente precisa acolher principalmente os povos originários, que historicamente vêm denunciando que, se não houver território para eles, não haverá vida para nenhum de nós. Foi ele que denunciou o sistema econômico que mata. Ele chamou atenção para a crise climática, para a ganância que devassa a Terra e para a proteção dos povos originários. Foi ele que rasgou os véus antigos e pôs luz sobre as finanças do Vaticano, enfrentando interesses obscuros e fazendo da transparência uma forma de santidade. Francisco também falou de fé como quem caminha com o povo e como quem não vê falar de povo à distância. Ele lavou os pés de imigrantes, neste momento tão importante em que os Estados Unidos vêm perseguindo imigrantes e estimulando isso em outros países. Com ele, a igreja deixou de ser um altar e voltou a ser também rua, beco, esquina e encruzilhada.
Hoje ele parte. Ele parte durante a Páscoa, um momento de ressurreição e de revisão de posturas, mas deixa um legado escrito e de gestos. Palavras só não fazem mudanças. Ele não foi perfeito, mas foi profeta. Não agradou os poderosos, mas se fez presente para aqueles que mais sofreram. Francisco provou que é possível fazer da fé um instrumento de justiça, de ressurreição, de reparação e de superação das opressões. Que sua memória inspire os políticos, inspire as autoridades internacionais, aqueles que financiam guerras e que estimulam o derramamento de sangue. Que a sua memória inspire esperança, e que o próximo papa não traia os passos que ele iniciou, porque a fé, quando está ao lado dos mais fracos, também é resistência. Quero terminar agradecendo ao papa Francisco a economia de Francisco, as inspirações que hoje, aqui no Brasil, também fazem muita diferença. Falar da economia de Francisco é falar da economia solidária, é falar de outras economias, de economias que não devastam terras tradicionais, que não perseguem os povos quilombolas, os povos que têm outra relação com o território e com as riquezas que Minas Gerais tem. E aí já entro também…
Quero dizer que os vetos que estão na pauta na Casa remetem também a uma série de reflexões. Há vetos do governador contrários à política para as mulheres. São vetos cuja derrubada nós defendemos, porque aprovamos um projeto de lei aqui na Casa para garantir que haja políticas de enfrentamento à violência política contra as mulheres. Fizemos um trabalho para a Casa, que foi fazer emendas no PPAG, no orçamento, para que essa lei aprovada e sancionada pelo governador tivesse orçamento. E ele vetou! É inacreditável como ele quer manter uma lei, mas não quer garantir orçamento. Nós estivemos, nesta tarde, reunidos com a Fundação João Pinheiro, que faz uma pesquisa inédita, fantástica, com a Bancada Feminina da Casa sobre a importância de se avançar com o observatório para as mulheres, de se avançar com a política pública que reduz a morte e a violência contra as mulheres. Mas a gente, na contramão, tem um governador que ignora algo objetivo, que é a garantia de que, na lei orçamentária, haja previsão para o atendimento às mulheres vítimas de violência e de violência política. Como a fundação trouxe hoje, muitas das mulheres que sofrem feminicídio, que morrem dentro de casa na mão dos seus parceiros, não têm acesso a saneamento, não têm acesso à moradia. Essa violência que acomete às mulheres e as leva à morte também vem associada à falta de políticas essenciais e fundamentais que estão previstas na Constituição.
Há também um avanço, e a gente entende que é preciso derrubar o veto para garantir a comercialização de animais com o mínimo de dignidade. Confesso que eu tinha dificuldade de compreender o propósito dessa lei, mas fui convencida pelos colegas deputados de que a gente precisa, sim, pensar em legalizar essa questão, porque é desumano falar em venda de animais quando não há nenhum controle e animais estão presos em jaulas. Muitas vezes, as pessoas compram os animais, os levam para casa – estou falando de animais domésticos, como gato, cachorro – e depois os abandonam. Há necessidade, sim, de se fazer um acompanhamento, já que ter pet em casa é ter produto caro. É preciso haver controle estatal – eu também concordo –, mas a gente precisa pensar, posteriormente a esse projeto de lei, em como garantir que o pequeno comerciante consiga adaptar seu comércio, aquele que faz a venda para o vizinho e não tem isso como produto de exportação, está pensando apenas na comercialização entre vizinhos. É importante que esses protocolos não sirvam para perseguir aquele que tem um cachorro ou uma cadela em casa e vende os filhotes, que precisam ser vacinados, deputado. Que a legislação não sirva para perseguir os mais vulneráveis nessa cadeia produtiva, nessa cadeia de comercialização de animais.
Algo que também nos preocupa é o veto ao Estatuto da Igualdade Racial. O estatuto foi construído aqui, na Assembleia Legislativa, e talvez seja, nos últimos anos, o projeto de lei com maior participação popular. Foram sete audiências fora da Assembleia, com uma escuta cuidadosa, com um trabalho grandioso feito pela equipe da Casa. É a escuta do povo. Transformar isso em legislações exige muito, muita capacidade de escuta, de cuidado, de não deixar de fora nenhuma das demandas, porque, quando falamos de um estatuto, nós estamos falando de um compilado de dezenas de leis. O estatuto prevê ações para gerar emprego e renda; cuidado no atendimento; acesso à Justiça; aprovação de leis em que esta Casa precisa avançar; legislações que já existem mas que precisam ser reguladas; melhoria da educação no campo, da educação quilombola, da educação indígena; ações voltadas para as mulheres que ainda sofrem violência obstétrica, violência dentro do Sistema Único de Saúde; atendimento de assistência. Mas o governador vetou dois artigos no estatuto. Eu estou aqui com o Bloco Democracia e Luta para enfrentar essa tentativa de desfigurar o Estatuto da Igualdade Racial, que foi aprovado aqui, na Casa, da forma como saiu da relatoria das comissões; para garantir, inclusive, a responsabilidade nossa com aqueles que contribuíram com a escrita do estatuto. São dois artigos relativamente simples, mas a garantia do estatuto, como foi aprovado na Casa, é um dever. É esta a nossa luta: garantir, inclusive, que a consulta ao povo negro, como está prevista no estatuto… Inclusive, a emenda foi feita pela CCJ, ampliando a escuta. Além dos povos quilombolas e dos povos originários, quando o povo negro é atingido por ações administrativas, precisa haver audiência pública e escuta ao nosso povo, porque as mudanças feitas na administração pública do Estado, onde somos mais de 60%, atingem a maioria. Então precisa-se de escuta.
O nosso esforço nesta tarde… Quero concluir a minha fala dizendo que a luta do papa Francisco segue como compromisso do nosso mandato, como compromisso de muitos cristãos para incluir os mais vulneráveis. E não se trata só de inclusão. A luta por reparação e por mudança passa pela garantia de que o orçamento e as leis aprovadas na Assembleia Legislativa encontrem espaço para execução. Por isso enfrentar e derrubar os vetos do governador são ações também de representação e de compromisso com os mineiros. Concluo dizendo que vamos acompanhar a indicação do novo papa, mas eu defendo que seja brasileiro. Por que não? Que ele seja um homem negro. Por que não? Nós também precisamos mudar as estruturas com corpos que nunca estiveram lá, e será importante avançarmos na representação também à frente da Igreja Católica, que é uma instituição milenar. Obrigada, presidente.