RICARDO CAMPOS VASCONCELOS, Diretor-presidente do Mercado Central do Município de Belo Horizonte
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 11/09/2024
Página 3, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas RQN 2981 de 2023
35ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 9/9/2024
Palavras do Sr. Ricardo Campos Vasconcelos
O Sr. Ricardo Campos Vasconcelos - Ótima noite a todos. É uma honra estar aqui representando o meu mercado. Cumprimento primeiramente o deputado Zé Guilherme que nos proporcionou esta homenagem; o Dr. Guilherme da Costa de Oliveira Santos, delegado de polícia titular da Delegacia de Eventos e Proteção ao Turista, representando a Polícia Civil de Minas Gerais; a Professora Marli, vereadora de Belo Horizonte; o deputado Antonio Carlos Arantes, 1º-secretário da Assembleia de Minas Gerais; o deputado Bruno Engler; o deputado Mauro Tramonte; o Sr. Marcelo de Souza e Silva, presidente da CDL/BH e do Conselho Deliberativo do Sebrae de Minas Gerais, e aqui faço uma pausa, porque é um grande amigo; e o desembargador Wanderley Salgado de Paiva. Aqui estamos todos entre amigos, todos são amigos no Mercado Central.
Antes de iniciar a minha fala, eu ainda queria fazer uma homenagem, se assim os senhores me permitirem, porque para estar na direção do mercado, além de muita responsabilidade, eu tenho que contar com alguém que não está lá. E, em nome dela, eu vou homenagear também as esposas, a minha esposa que está ali com os meus filhos, eu homenageio também as esposas dos outros diretores, dos nossos diretores Cleiton e Nelson e também do nosso superintendente Luiz Carlos, porque são muitos desafios, e há dias em que eu tenho certeza de que é muito difícil nos aturar.
O Mercado Central foi criado em 1929 pelo prefeito Cristiano Machado, com o intuito de ser o grande centro abastecedor da capital mineira. Oriundo de duas feiras livres, a Feira de Amostras que funcionava onde hoje é a rodoviária, e a Feira Livre, na Praça da Estação, o local deveria ser o mais central para facilitar o acesso de todos. E, sendo a Praça Raul Soares o ponto geodésico da cidade, dentro dos limites da Avenida do Contorno, fomos colocados ali bem ao lado, onde havia somente um campo de futebol, o primeiro campo de futebol do América Futebol Clube.
Colocados em um novo local, sem estrutura para proteção do sol ou da chuva, sem água, sem instalações sanitárias adequadas, logo surgiu a nossa primeira construção de alvenaria, a nossa caixa d’água bem ao centro, que até hoje é um marco de orientações e localização dos que andam pelo mercado. Ao longo do tempo, outras poucas construções começaram a surgir de alvenaria, entre elas o matadouro, um precário sanitário e uma pequena delegacia usada pelas forças de segurança da época. Prevaleceram os tabuleiros e barracas de madeira, onde a precariedade fazia morada.
Os produtos ali chegavam, na sua maioria, nos lombos de burros, carroças, e, ao fundo do mercado, onde estava a Rua Goitacazes, surgiu o curral das éguas, onde um bebedouro de pedra matava a sede dos animais. O tempo passa, e chegam os caminhões, substituindo os burros e tropeiros, trazendo de todos os rincões de Minas os produtos que eram vendidos ou ainda trocados em um escambo para atender as necessidades das famílias no interior. Assim, seguimos abastecendo a cidade, até que, em 1963, surge a notícia que o mercado iria acabar, pois a prefeitura o achava dispendioso; não fazia sentido ter um mercado como bem público. Abro aqui um parêntese: qual a despesa que um mercado sem investimento, sem estrutura física ou sanitária dava à prefeitura? Diziam os antigos, alguns já falecidos, que havia um olhar especulativo imobiliário para aquele terreno. Mas se houve especulação, houve também muita pressão. Com tantas famílias trabalhando e sobrevivendo do mercado, com tantos votos, a estratégia precisou ser revista. O então prefeito, Jorge Carone, procurou as lideranças do mercado, dizendo que os comerciantes poderiam comprar. Mas como um bando de feirantes com pouca instrução e nenhum dinheiro poderia materializar um sonho? Esses feirantes eram paupérrimos de recursos, mas bons de relacionamento, pois a elite da época fazia suas compras no mercado. Faço aqui justiça a um advogado, um jurista que muito nos ajudou, Dr. Antenágoras Café Carvalhais, que nos orientou, naquele momento, em tudo o que foi necessário. Com o apoio de alguns e a orientação do Dr. Cavalhais, entre os feirantes foram crescendo lideranças, e esse sonho foi tomando corpo. Marcada a data da hasta pública, em 31/1/1964, os comerciantes, em um misto de sentimentos e incertezas, foram para a prefeitura em bando, como quem vai para a guerra, com suas famílias. Ocuparam a sala do leilão, o saguão da prefeitura e a calçada da Avenida Afonso Pena. Quando chegou a hora, os concorrentes interessados foram impedidos de entrar. Os japoneses da cooperativa de Cotia foram botados porta afora por uma massa de feirantes. Neste momento, o Sr. Raimundo Pereira Lima, o Dico, estava arrematando cada um dos 22 lotes, tendo o cuidado de acrescentar Cr$1,00 em cada lance mínimo, evitando a recusa da prefeitura. Arrematação concluída, deu-se início a uma grande festa, com um desfile pelas avenidas da cidade. Jorge Carone foi aclamado por todos, e há muitos registros fotográficos, bem como as manchetes da época.
E aqui fica o meu primeiro registro de pioneirismo do mercado, agora Mercado Central. Como sobreviver sem o guarda-chuva do poder público? Afinal, todos os mercados do mundo eram públicos. Este momento nos ensinou muito, reforçou nossa organização, união, perseverança, espírito associativista, e fomos, dificuldade por dificuldade, rompendo e nos fortalecendo. Dificuldades não nos faltaram. Nós, como o grande abastecedor da cidade, tomamos um golpe grande com a chegada da Ceasa. Com essa missão de ser o centro de abastecimento – porém, em uma ótica macro, integrando-se em todas as Ceasas do País –, levou vários de nossos comerciantes. O movimento de atacado nos deixou, ficando apenas as donas de casa, com suas compras do dia a dia. Mas nada que fica ruim não pode ficar pior. Ainda no final dos anos 1970, surgem os supermercados de bairro e os sacolões, ali, do ladinho das nossas casas. E ali se foi a dona de casa do dia a dia. Não fazia mais sentido sair do Padre Eustáquio, do Lagoinha, do Sagrada Família, para fazer as compras diárias, pois tudo estava ali, tão pertinho. Com 99% de hortifrutigranjeiros, o mercado precisou se reinventar. Já tínhamos o carisma dos anos, o jeito de atender caloroso que as gôndolas dos supermercados jamais terão. Reinventamos, mudamos, nos adaptamos, nos unimos, buscamos parceiros com serviços que não tínhamos: bancos, balcões de anúncios, bancas de revista e tudo mais que pudesse despertar o interesse. Nós nos firmamos pela qualidade dos nossos produtos e temos todas as Minas Gerais ali representadas. Tivemos a participação importante na certificação de um símbolo de Minas: o queijo. Por ali, passa 1/3 da produção do Estado.
Somos comerciantes e, antes de todos, descobrimos a força do turismo, descobrimos que Minas e o Mercado Central poderiam ser levados para outros locais, estados, países, através de seus produtos e lembranças da nossa mineiridade e da nossa gastronomia.
A minha história com o mercado começa logo que nasci. Meu pai trabalhava no mercado na década de 1960 – nasci em 1969. Digo aos mais íntimos que fui ao hospital cortar umbigo e voltei para o mercado. Criado pelos corredores, fiz traquinagens, pega-pega, muitos amigos, vários conseguidos em caminhão para outros rumos. Com outros convivo diariamente até hoje, e todos são amigos. Vi e vivi muitas coisas. Vi barracas de madeira vindo abaixo e pilares sendo erguidos, as balanças de braço sendo sorrateiramente substituídas pelas eletrônicas, os computadores chegando, os orelhões de ficha e cartão indo embora.
Estudei, me formei e, um dia, fui cuidar da lojinha de minha família. Eu me envolvi ainda jovem com o Conselho Fiscal e, depois, eleito conselheiro de administração, buscamos, sempre junto com meus pares, o melhor para o mercado, de forma democrática, ajudando os diretores executivos.
Hoje, respeitosamente, eu os represento. Todos os que me antecederam contribuíram para essa história, fizeram os feirantes serem honrados pelo seu trabalho e construção de um mercado que, hoje, é referência em gestão de mercados para todo o País. Fomos eleitos o 3º melhor do mundo, o 1º do País. Recebemos, mensalmente, mais de 1 milhão e 300 mil pessoas. São quinze milhões por ano. Se comparados a aeroportos do Brasil, só perdemos em público para o aeroporto de Guarulhos e Congonhas. Se arenas de futebol, em Minas – somos Atlético e Cruzeiro –, se juntarmos o público da Arena MRV e do Mineirão, durante todo o ano passado, somos sete vezes maior.
Quero encerrar agradecendo esse ato solene que reconhece a resiliência, amor à história, a importância do Mercado Central para a cidade, para o Estado e para o País.
Eu quero terminar citando, João Guimarães Rosa: “Minas são muitas”. E eu, atrevido, mineiro do Mercado Central, humildemente, quero acrescentar: e todas se encontram no Mercado Central. Muito obrigado a todos.