Pronunciamentos

DEPUTADA ANDRÉIA DE JESUS (PSOL)

Discurso

Comemora o decurso do 15º aniversário do Partido Socialismo e Liberdade - PSOL. Destaca a importância do feminismo, não apenas no cenário doméstico, mas, sobretudo, político, social e econômico. Declara voto contrário à reforma da Previdência dos servidores civis do Estado. Comenta sua atuação como deputada na Assembleia Legislativa. Comenta projetos de lei que tramitam no âmbito federal sobre anulação de dívidas tributárias nos mercados de fé e sobre crimes na administração pública.
Reunião 38ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 19ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 11/09/2020
Página 4, Coluna 1
Assunto ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (ALMG). EXECUTIVO FEDERAL. HOMENAGEM. LEGISLATIVO FEDERAL. MULHER. PESSOAL. PREVIDÊNCIA SOCIAL.
Observação Pandemia coronavírus 2020. Reforma da Previdência 2020.
Proposições citadas PLC 46 de 2020
PEC 55 de 2020

38ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 19ª LEGISLATURA, EM 9/9/2020

Palavras da deputada Andréia de Jesus

A deputada Andréia de Jesus – Boa tarde, presidente. Boa tarde, colegas deputados e deputadas.

Presidente, eu venho à tribuna hoje, no dia 9 de setembro, para celebrar aqui os 15 anos do Partido Socialismo e Liberdade. No dia 15/9/2005, esse partido conseguiu o seu registro na Justiça Eleitoral. De lá para cá, nossa trajetória tem sido de extrema coerência, sintetizada na memória da nossa irmã Marielle Franco e expressa pela atuação irretocável da nossa bancada federal.

Trago isso, presidente, colegas deputados e deputadas, pessoas que nos assistem, por ter o compromisso, o enraizamento de compromissos que conseguiram ser reverberados no Partido Socialismo e Liberdade, no qual hoje construo o meu projeto político e encontro vozes como a minha e a de vários aliados que representam boa parte do povo brasileiro, do povo pobre que, desde a história da colonização, da escravidão, foi silenciado. Hoje somos só a voz dos povos originários, só a voz dos camelôs, das empregadas domésticas, das mulheres que vivem nas periferias construindo as grandes cidades. Somos a voz de várias famílias segregadas, sem acesso, sem direito a saneamento – isso até hoje, no século XXI. Somos a voz de vários sujeitos revolucionários que hoje ainda estão encarcerados, contidos por um Estado que não deu conta de dar uma resposta social.

Celebrar é também reconhecer outros corpos que vêm caminhando com a gente: os movimentos sociais, que nos reconhecem, constroem conosco no cotidiano, como as profissionais do sexo, as ocupações, os assentamentos. Esses, de fato, legitimam todo o meu cotidiano, porque eu o construo com eles. Crescemos nesses 15 anos. Somos hoje debutantes de uma inventividade carnavalizada que nasceu aqui em Belo Horizonte, que foi para Minas, que está indo para o Brasil e que hoje ressoa no mundo inteiro. Somos muitas, encantando e descolonizando, a partir de uma chamada da Marielle, uma mulher negra que chegou ao mestrado, construindo a sua pesquisa e a sua trajetória de pesquisadora junto aos movimentos sociais e principalmente aos cursinhos populares.

Nós, mulheres negras, inventamos um estado no nosso cotidiano, aonde o Estado não chega. Mais do que a adesão à sociedade engajada, temos reinventado uma democracia, fazendo uma política necessariamente feminista. Ressalto aqui que feminismo não é só trocar o gênero por trás do chicote; é, de fato, o compromisso com o empoderamento e a garantia das mulheres ocuparem espaços de poder, com a consciência do papel político que estão cumprindo. Não pode ser só uma narrativa de quem vai lavar o copo, de quem vai arrumar a cama, de quem vai cuidar dos filhos. Nós estamos falando de projeto social, de projeto político, de um projeto de nação que tem que rever os projetos de economia que não reconhecem o papel das mulheres na centralidade dessa economia, na centralidade nos processos de comunicação, de construção de território. Por isso, a nossa prática política de “Nada sobre nós, sem nós” tem multiplicado as candidaturas cidadãs, coletivas, das ruas, das quebradas, dos aglomerados, das aldeias, dos quilombos, nas cidades que fazem os nossos corpos.

Reforço aqui, presidente, colegas, que o partido... Neste momento, nós entregamos o nosso maior capital aqui, em Belo Horizonte, da nossa geração política, Áurea Carolina, vereadora eleita com o maior número de votos da história desta capital. É uma mineira jovem, que agora é deputada federal. É mulher, mãe, periférica, do hip-hop. Aprendeu a construir com os políticos, com esses cuja discussão passa pela oralidade, pela musicalidade e pela poesia. É com esse corpo de Áurea Carolina que seremos muitas, toda uma multidão de mulheres, de uma juventude periférica, a melhor inteligência política que constrói uma cidade e que está pronta, neste momento, para governar.

Nossa coerência continua sendo mantida. Faço questão de celebrar o meu voto nesta Casa, nesta semana, contra o absurdo da deformação da Previdência do governador Zema, em nome do Psol, em nome da consciência de que trabalhadoras somos todas nós que ainda não estamos suficientemente nesse espaço de decisão e que temos tantas outras incidências certeiras, intransigentes na defesa da população mais vulnerável, que alimenta e encanta a política, em um momento em que muitas instituições deste país estão ruindo.

Nós seguimos firmes. Orgulho-me de que, na primeira Legislatura desta Casa, o Psol – a Andréia deputada – conseguiu aprovar coletivamente sete projetos de lei construídos com a sociedade civil, transformando todo o clamor, as dores e as angústias do povo em termos legislativos. Isso é uma vitória gigantesca, tão gigante que consegue incomodar aqueles que ainda não conseguiram chegar a nem um décimo dessa construção, porque ainda não perceberam que só avança quem constrói de forma positiva, com aqueles que não estão aqui dentro desta Casa no cotidiano.

Com essa coerência, eu quero fazer aqui duas reflexões importantes também, presidente, sobre projetos de lei que estão sendo discutidos no Congresso Nacional, projetos que mostram incoerência, hipocrisia. O que está se disputando? Quais as disputas que estão por trás dos homens de toga que estão lá cochichando no ouvido dos Legislativos? Que disputa está por trás nesse momento de repressão – porque é um momento da repressão - para dar resposta à corrupção, aos espetáculos produzidos pelo Judiciário? Eu pergunto aqui: como o aumento da repressão pode garantir mudanças estruturais de poder? Como a gente pode lidar com a coisa pública?

E aqui eu falo do Projeto de Lei nº 1.581/2020, presidente, que versa sobre a anulação de dívidas tributárias nos mercados de fé. Estou aqui para dizer que sou contrária à mercantilização da fé. Que o meu rosário e as minhas guias cruzem o meu peito para que a gente continue defendendo a isonomia de templos de matriz africana. A dívida que se está tentando perdoar diz respeito à contribuição previdenciária, à contribuição social sobre o lucro líquido e incide praticamente em todas as políticas públicas, questões jurídicas, fontes de recurso e seguridade social. É esse o debate que está aí em disputa. Como manteremos um Estado em que cada vez mais as isenções servem para atender interesses que não estão muito alinhados com a coisa pública, com a democracia?

Tudo isso acontece num País laico que vive um momento dramático: mais de 120 mil mortes causadas por uma pandemia, recorde de desemprego, especialmente nas classes mais vulneráveis. A gente tem denunciado isso, mas também apresentado alternativas. É possível fomentar economias territoriais, é possível pensar em outras economias a partir de agora - da uberização da vida - para que a gente possa retomar isso como um modelo de construção comunitária, de compartilhamento - a redução do atendimento, o isolamento social, os cortes de benefícios.

Mas é preciso dizer, presidente - estou finalizando o meu posicionamento -, que infelizmente, com a aprovação desse projeto, apesar de estar muito indignada... Certamente é mais uma iniciativa no âmbito dessa política de morte implementada pelo governo Bolsonaro. Falo dos projetos que estão polemizando o Congresso e que não discutem estruturas reais de mudança na vida das pessoas. Para que trazer o debate da religiosidade apenas no campo tributário neste momento em nós precisamos fortalecer e ainda mais encontrar fontes de receita para a manutenção da vida das pessoas? É um momento questionável, e a minha segunda reflexão traz um pouco disso.

O projeto de Lei nº 1.485/2020, já aprovado na Câmara, agora tramita no Senado e é uma proposta que aumenta as penas para vários tipos de crimes na administração pública, praticados durante o estado de calamidade pública provocado pela pandemia. O projeto dobra as penas e as aumenta com o objetivo de reduzir o número dos destinatários no enfrentamento da calamidade por causa do emprego irregular de recursos públicos, corrupção passiva e ativa – todos esses argumentos já previstos no Código Penal. Eu pergunto: qual o motivo de, neste momento, a gente estar ampliando ainda mais formas de repressão? Isso é totalmente incoerente e me coloco aqui aberta para debater, de fato, respostas concretas para a corrupção, para garantir que as pessoas tenham condições de participar e de fiscalizar o Estado, de participar de suas decisões.

E aqui eu reforço: as denúncias de crimes cometidos em primeiros escalões de governo, por secretários, e, inclusive, o aumento de penas... Trazer esse grupo social para um debate penal é cada vez mais legitimar esse lugar que já não cumpre nenhum dos princípios da justiça. Hoje o sistema prisional encoberta um Estado incapaz de dar respostas sociais e pior do que isso: hoje não existe mecanismo efetivo de repressão para corrigir nenhum tipo de distensão social. Nós precisamos construir, sim, condições de participação, de fiscalização qualificada como o que a gente denunciou, durante muitas horas, aqui na Assembleia, para que de fato a gente tenha condições de trazer o povo para compreender – e aí digo “povo” como parte dele – como as casas legislativas funcionam, como é a administração pública, como são feitos os gastos públicos. Temos feito esforço para garantir a participação das pessoas nas emendas parlamentares, no ciclo orçamentário; para entender, conseguir dialogar com cada usuário do transporte público: como o transporte funciona? Como funcionam as concessões? Quem são os empresários que estão por trás das grandes corporações? Essa é a única forma de romper com as estruturas que mantêm privilégio, que mantêm informação segregada e na mão de poucos.

Meu convite aqui, nesses 15 anos de Partido Socialismo e Liberdade, é para essa construção que está ascendendo e que, em 2020, vai novamente demonstrar a que viemos: construir amplamente projetos. Com certeza, temos como objetivo construir Palmares de novo. Faremos Palmares de novo em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais; faremos Palmares de novo na Nação brasileira porque não caminhamos só, caminhamos com nossos ancestrais, com todo esse povo negro que já construiu até aqui e que avançará com um projeto real que vai para além das siglas partidárias, com a vontade e o desejo de, de fato, ter uma Nação soberana, uma Nação não monárquica. Não queremos ficar saudosistas em relação à monarquia, nós queremos uma democracia de fato. Enquanto houver racismo, não haverá democracia, por isso a nossa luta é por Palmares de novo. Concluo aqui, presidente. Obrigada pelo espaço.