A ex-senadora Marina Silva pontuou que não se pode terceirizar para os homens a representação das mulheres
Ana Paulo Siqueira disse ter sua posição de mãe questionada por ela ocupar um cargo político
Mulheres cobram igualdade de condições em disputas por espaços de poder

Baixa representação política deixa mulheres fora do poder

Brasil ocupa 145º posição em ranking mundial, e legislação nacional é burlada com candidaturas fictícias de mulheres.

16/03/2022 - 15:04

O Brasil ocupa a 145º posição em um ranking de 187 países no que tange à representação feminina na política. O levantamento leva em consideração a eleição de mulheres para a Câmara dos Deputados e foi citada por Débora Thomé, cientista política e pesquisadora do Instituto Up Date, em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Durante a reunião, realizada nesta quarta-feira (16/3/22), a convidada apontou que o Brasil está defasado inclusive frente aos países vizinhos: entre as 20 primeiras nações do ranking, seis são da América Latina. No encontro, que teve o objetivo de discutir a representatividade das mulheres na política no mês em que o voto feminino no Brasil completa 90 anos, as convidadas trataram de vários obstáculos ainda enfrentados por elas para ocuparem os espaços de poder e decisão.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Esses empecilhos, para elas, se impõem mesmo diante de legislações que visam abrir espaços para as mulheres. Débora Thomé lembrou, por exemplo, que desde 1995, pelo menos 30% das candidaturas dos partidos deve ser de mulheres. O impacto dessa obrigatoriedade tem sido reduzido, porém, por estratégias como a de não financiar essas campanhas.

Além de não financiadas, muitas dessas candidaturas femininas são fictícias, como explicou a juíza Patrícia Henriques Ribeiro, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TER/MG). De acordo com ela, a cada eleição o Tribunal recebe dezenas de denúncias dessas “candidaturas-laranjas”, ou seja, mulheres lançadas oficialmente como candidatas para cumprir a exigência legal de 30% por partido, mas que na prática não fazem qualquer campanha.

Embora várias denúncias cheguem ao Tribunal, porém, a convidada explicou que é difícil provar que as candidaturas são fictícias e a maioria dos casos não gera qualquer sanção aos partidos. Muitas vezes, explicou a juíza Patrícia Ribeiro, as candidatas afirmam que desistiram da candidatura e não é possível apurar se houve alguma pressão dos pares para a desistência ou para que essa declaração seja dada em juízo.

Partidos precisam criar estruturas para apoiar as candidatas

A ex-deputada federal Jô Moraes lembrou que antes mesmo dos pleitos eleitorais as mulheres são boicotadas dentro dos partidos. Segundo ela, a própria dinâmica de funcionamento dessas estruturas não favorece a participação feminina. Ela exemplificou citando que é comum que as reuniões sejam noturnas, o que exclui muitas mulheres que, responsáveis pelas crianças da família, não podem comparecer.

Assim, Jô Moraes defendeu a criação de espaços mais acolhedores para as mulheres em suas necessidades. Para ela, as demandas delas precisam constar nos programas partidários e elas precisam ocupar cargos de direção nas siglas.

Também falando sobre as dificuldades enfrentadas por elas nas trajetórias políticas, a ex-senadora Heloísa Helena salientou que atributos muitas vezes considerados positivos nos homens são tratados negativos quando são sobre mulheres. “Se um homem fala alto, ele é corajoso, incisivo; se a mulher fala alto, ela é destemperada”, disse.

Mulheres eleitas compartilharam suas experiências

As convidadas falaram, ao longo da reunião, das suas experiências nos espaços políticos e, dessa maneira, reconheceram os avanços e apontaram as dificuldades que ainda se impõem. A ex-senadora Marina Silva lembrou das primeiras eleições das quais participou, na década de 1980, e citou situações nas quais foi ridicularizada tanto por ser mulher quanto por defender a pauta ambiental em um momento em que aqueles que destruíam a Floresta Amazônica eram considerados “benfeitores”.

Apesar das dificuldades, Marina Silva apontou que ganhou várias eleições e que muitas foram as conquistas a partir dos espaços de poder ocupados. Ela citou que diversas pesquisas apontam que os países que conseguiram ultrapassar a marca de 20% dos parlamentos nacionais ocupados por mulheres alcançaram significativas melhorias nas políticas para as mulheres – o Brasil ainda não chegou a 15% dessa ocupação. “Não podemos terceirizar para os homens a representação das mulheres”, afirmou.

As recentes conquistas da vereadora de Conselheiro Lafaiete (Central), Damires Rinarlly Oliveira Pinto, confirmam as pesquisas citadas. A partir da luta dela e de outras mulheres líderes na região, o município que representa inaugurou, neste mês, o Centro de Referência da Mulher, que oferece assistência jurídica, psicológica e social para vítimas de violência doméstica.

Mas, como relatado por Marina Silva, ainda há muitos obstáculos para a sua atuação: única mulher do parlamento de Conselheiro Lafaiete, ela foi ameaçada de morte recentemente. As razões para as ameaças teriam sido projetos de lei sobre violência doméstica contra mulheres e sobre nomes sociais para homens e mulheres transsexuais.

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão, também compartilhou sua experiência e falou sobre, por exemplo, ter sua posição de mãe questionada por ela ocupar um cargo político, como se tal cargo a impedisse de exercer a maternidade de maneira adequada. Ela falou, ainda, da necessidade de se criar condições reais para as mulheres ocuparem mais espaços de poder, a começar pela oferta de cursos de formação.