Debate contou com a participação de indígenas Warao e de representante de refugiados haitianos
A analista social Yolis Lyon reforçou que o Brasil pode ganhar muito com os migrantes
Situação de refugiados preocupa

Indígenas venezuelanos podem ser transferidos de abrigo

Assembleia e outras instituições debatem política para refugiados e migrantes provenientes de outros países.

10/11/2021 - 20:01

Até o final de novembro, o grupo de 74 indígenas venezuelanos da etnia Warao que estão no Abrigo São Paulo, na Capital, pode ser transferido para um local mais adequado para abrigar famílias com crianças. De acordo com a secretária municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Maíra Colares, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) deve concluir, até o final do mês, a reforma de um novo espaço para essas famílias. O anúncio foi feito durante audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir a situação dos imigrantes no Estado.

A situação dos indígenas Warao ganhou destaque após uma das crianças do grupo ter morrido vítima de Covid-19, em 22 de outubro, com a idade de um ano e sete meses. Os participantes da audiência, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG, destacaram a importância de o Legislativo discutir e aprovar uma lei que crie uma política permanente de acolhimento aos refugiados.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Autora do requerimento para realização da reunião, a deputada Leninha (PT) é também autora do Projeto de Lei 3.200/21, que institui a Política Estadual para a População Migrante de Minas Gerais. Segundo ela, é um projeto urgente, tendo em vista o crescimento acelerado do número de refugiados e migrantes no Brasil e em Minas.

“O número de migrantes tende a aumentar cada vez mais. Vimos isso entre 2018 e 2019, quando houve um crescimento de 33%”, afirmou.

Leninha citou números de um atlas sobre a migração internacional no Estado, lançado no final de 2020 pelo Observatório das Migrações Internacionais do Estado de Minas Gerais (OBMinas). A publicação indica que, em outubro de 2020, Minas já registrava 35.663 migrantes estrangeiros

“Hoje podemos falar tranquilamente em 60 mil imigrantes no Estado”, afirmou Duval Fernandes, professor da pós-graduação em Geografia da PUC Minas, um dos participantes da reunião.

A deputada Andréia de Jesus (Psol) defendeu a aprovação de uma política estadual que vá além das ações emergenciais, como a que hoje ocorre em relação aos indígenas Warao. “Não pode ser um quebra-galho. Precisamos construir respostas estruturadas e prolongadas, que garantam dignidade às populações. Uma política perene e que atenda a todo o Estado, de maneira que os que estão nas diferentes regiões recebam o mesmo tratamento”, afirmou.

Conferências - O debate sobre o PL 3.200/21 ocorre simultaneamente às conferências participativas para elaboração do primeiro Plano para Migrantes, Refugiados, Apátridas e Retornados de Minas Gerais, a cargo do comitê estadual de atenção a esses públicos, o Comitrate.

De acordo com o subsecretário de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Duílio Campos, ainda em novembro deste ano acontecem 34 conferências livres para discussão e apresentação de propostas. A previsão é que o plano estadual esteja concluído no primeiro semestre de 2022.

Representantes dos refugiados relatam dificuldades cotidianas

Representantes de refugiados estrangeiros que vivem em Minas Gerais também participaram da reunião na ALMG. Os indígenas Warao foram representados pela analista social Yolis Lyon, que não pertence ao grupo que vive no Abrigo São Paulo, mas é da mesma etnia e vive no Estado há quatro anos. Hoje ela atua no Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados na Capital.

“Não deixo de ser uma refugiada”, afirmou Yolis. Ela ressaltou que o Brasil pode ganhar muito com os migrantes. “Com nossa cultura, nosso idioma, o Brasil ganha em riqueza. Muitos em Roraima e no Amazonas vivem em situação de rua, não conseguem um abrigo. Não podemos ser tratados como simples moradores de rua. A maioria de nós tem uma profissão e não conseguimos validar nossos títulos porque há muita burocracia. E sofremos discriminação quando falamos que somos indígenas”, protestou.

O Cacique Santo, do povo Warao, reivindicou um terreno para que possam morar com suas famílias e escolas para ensinar os filhos a falarem português. De acordo com Juliana Rocha, representante do Ponto Focal de Minas Gerais da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Minas está em sexto lugar no Brasil em número de acolhimentos de venezuelanos.

Maior grupo de refugiados em Minas Gerais, os haitianos foram representados pela estudante de Psicologia Judette Baptiste. O fluxo de haitianos para o Brasil se intensificou após o terremoto que atingiu aquele país em 2010.

Judette relatou uma lista extensa de problemas que os refugiados continuam enfrentando: a dificuldade com o idioma, falta de conhecimento sobre seus direitos, escassez de empregos, custo da educação, problemas para validar seus diplomas e exploração no trabalho, com desvio de função e horas extras não pagas.

Acesso a políticas setoriais

Representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Sílvia Sander ressaltou que a Constituição brasileira, a Lei dos Refugiados e a Lei da Migração garantem, em nível federal, acesso a todas as políticas setoriais e documentação. Em Minas Gerais, a Acnur atua em parceria com os jesuítas e universidades públicas. Assim como outros participantes, ela elogiou a formulação de uma legislação estadual sobre o assunto.

Consultora internacional em migrações, Cyntia Sampaio destacou que a regulamentação estadual é fundamental até para ampliar o acesso a recursos federais. Essa necessidade de envolvimento financeiro de todos os entes federados foi ressaltada pela secretária municipal da PBH, Maíra Colares. “Reconhecemos a importância de Belo Horizonte assumir responsabilidades, mas não tem como discutir isso sem cofinanciamento”, ressalvou.

Coordenador de Projetos da Cáritas em Minas Gerais, Élerson da Silva pontuou que só com uma política estadual é possível Minas Gerais ir além de ações isoladas. “O que temos tido até agora são iniciativas da sociedade civil e iniciativas de algumas prefeituras. O que a gente quer é o fortalecimento de políticas públicas”, disse. Sua estimativa é que, para isso, é necessário R$ 1,5 milhão por ano.