Deputadas e convidadas mostram cartilha que explica Lei Maria da Penha no formato de quadrinhos
Para a advogada Isabel Araújo, tão importante quanto combater o agressor é acolher a vítima e prepará-la para seguir em frente
Doze mulheres são mortas por mês, em Minas, vítimas de feminicídio

Educação pode mudar o quadro da violência doméstica

Em debate sobre a Lei Maria da Penha, especialista defende que tema seja continuamente discutido com crianças e jovens.

06/08/2021 - 18:10

A conscientização sobre a violência contra as mulheres precisa chegar às salas de aula e se manter, de forma contínua, na pauta de discussões com crianças e jovens estudantes. Essa foi a tônica da palestra “Conhecimento que transforma: razões para levar a Lei Maria da Penha para as escolas”, apresentada pela especialista em Administração Pública e Gestão de Pessoas, Madu Macedo. “Só assim a realidade atual será vista com espanto no futuro”, sustenta.

Madu foi uma das palestrantes do debate público “15 anos da Lei Maria da Penha: avanços e desafios para assegurar a mulheres e meninas o direito a uma vida sem violência”, realizado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e encerrado na tarde desta sexta-feira (6/8/21), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Outras palestras foram realizadas pela manhã.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo do debate.

A educação de forma lúdica, com informações acessíveis, é a proposta de Madu. Ela trouxe para o debate, inclusive, a cartilha "Lei Maria da Penha em miúdos", no formato de quadrinhos, fruto de projeto da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Pouso Alegre (Sul), que ela dirige. “Quando começamos a pesquisa para o material, descobrimos que quase não havia abrigos para receber as mulheres vítimas de violência. A lei nasce num terreno machista e patriarcal, e esse tema tem que chegar aos jovens, que são multiplicadores”, reforça.

Como exemplo dessa transformação possível, Madu Macedo citou, ainda, o Parlamento Jovem de 2018, que debateu o tema da violência contra as mulheres. “Foi bonito ver os jovens discutindo isso e apresentando propostas. Eles nunca mais serão os mesmos”, aposta.

Projeto – A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão, destacou que o Projeto de Lei 99/19, de sua autoria, tramita na ALMG e propõe o ensino de noções básicas da Lei Maria da Penha nas escolas. “O lar é o ambiente mais inseguro para mulheres e meninas”, justificou. Ela salientou a necessidade de divulgação dos outros tipos de violência, que se somam à violência física e podem ser “invisíveis”: psicológica, patrimonial, moral e sexual.

Também a deputada Beatriz Cerqueira (PT) destacou a importância dos professores nessa transformação da realidade pela educação, mas lembrou que as discussões envolvendo gênero têm sido cada vez mais criminalizadas nas escolas. A deputada chamou atenção, ainda, para a violência política contra mulheres, que, na sua visão, acaba por reforçar a violência doméstica. “A nossa ousadia, de estarmos onde queremos, já é um enfrentamento ao sistema”, afirmou.

Advogada celebra efetividade da norma híbrida

O aspecto híbrido da Lei Maria da Penha foi destacado pela advogada Isabel Araújo Rodrigues na palestra "15 anos da Lei Maria da Penha: o que mais a lei traz para a sua efetividade". A coordenadora de Políticas de Prevenção à Violência Doméstica da Comissão OAB Mulher se refere, por um lado, ao combate à violência e à punição ao agressor e, por outro, à assistência social às mulheres vítimas.

“A lei foi imposta ao Brasil como condenação internacional pela violação dos direitos humanos, mas foi redigida de forma primorosa, com duas bases de apoio igualmente relevantes”, avalia.

No primeiro aspecto, mais policial e jurídico, Isabel destaca a especialização das polícias e de outros órgãos públicos. “Essa especialização aponta para a peculiaridade da violência doméstica, feita por pessoa ligada à vítima por afeto e confiança. O que se quebra ali é a credibilidade nas relações humanas. A especialização é necessária para se ter esse olhar macro, que alcança, por exemplo, a violência psicológica, que mata por dentro”, reforça.

Mas para a representante da OAB Mulher, tão importante quanto combater o agressor é acolher a vítima e prepará-la para seguir em frente, para que ela perceba que há esperança. Isabel ainda citou conquistas alcançadas durante a pandemia, como o atendimento virtual da Polícia Civil. “Políticas públicas para mulheres dependem de mais mulheres na política, enfatizou.

Lei ampliou as possibilidades de proteção já oferecidas às mulheres pela Defensoria Pública

Desde a década de 1980, a Defensoria Pública de Minas Gerais atua na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica. Antes da Lei Maria da Penha, porém, essa atuação era limitada a orientações e ações na área de Direito da Família, que trata de questões como divórcio, guarda dos filhos e pensões alimentícias. Quem falou sobre esse histórico foi a defensora Maria Cecília Pinto Oliveira, em sua palestra “Trajetória e desafios da Defensoria Pública de Minas Gerais na defesa dos direitos das mulheres”.

A convidada contou, porém, que foi com a Lei Maria da Penha que se tornou possível uma proteção mais ampla e efetiva das mulheres a partir de instrumentos como as medidas protetivas. Nesse sentido, a defensora explicou que em julho deste ano, o que era um núcleo virou uma coordenadoria estadual especializada na defesa dos direitos da mulher em situação de violência na estrutura administrativa da Defensoria.

Com essa mudança, o órgão passou a contar com defensoras que não atuam em casos individuais, mas em ações judiciais e extrajudiciais coletivas, com vistas a superar estruturas que permitem e reproduzem a violência.

Assim, a atuação volta-se, por exemplo, para educação, apoio e proposição de políticas públicas específicas e representação em tribunais internacionais de direitos humanos. Tudo isso sem prejuízo das ações individuais, destinadas em especial ao acompanhamento e apoio às mulheres vítimas de violência.

Segundo Maria Cecília Oliveira, entretanto, o baixo número de profissionais obriga a priorização de acompanhamento das medidas protetivas e das ações nas varas de família e impede o acompanhamento das mulheres em ações penais públicas.

“Dessa forma, parte da Lei Maria da Penha está sendo descumprida, já que ela prevê acompanhamento em todos os atos processuais e cíveis, então é preciso pressionar para o provimento desses cargos da Defensoria”, disse.

Nesse sentido, a advogada Juliana Normandi complementou salientando que a Lei Maria da Penha é boa, mas ainda existem obstáculos para sua efetivação. Para ela, é preciso, por exemplo, aumentar o número e melhorar a estrutura das delegacias de mulheres no interior do Estado.

Participações – Ao longo da reunião, lideranças regionais da sociedade civil que atuam no enfrentamento da violência contra as mulheres falaram sobre as características dos seus municípios, os avanços e as dificuldades específicas. Muitas dessas participantes eram dos Conselhos municipais de Direitos das Mulheres, e a deputada Ana Paula Siqueira destacou a importância desses espaços. A parlamentar lembrou que o Conselho estadual está desativado e que ela, com a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da ALMG, tem lutado pela sua reativação.