Parlamentares fizeram coro às críticas ao projeto Mãos Dadas
Coordenador do Dieese alega que repasse financeiro proposto pelo governo é obrigatório e insuficiente
Para o superintendente regional de ensino de Januária, a proposta é vantajosa para as prefeituras

Municipalização do ensino no Norte de Minas é criticada

Sindicalistas alegam que proposta do governo sobrecarregaria as prefeituras, sem contrapartida de repasses suficientes.

24/06/2021 - 19:21

A responsabilização das prefeituras pelas matrículas do ensino fundamental, sem precisar nem mesmo da anuência das câmaras municipais, foi criticada pela maioria dos convidados de audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Realizada nesta quinta-feira (24/6/21), a reunião foi solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT) para tratar da implantação do projeto Mãos Dadas em Salinas, Grão Mogol e São Francisco, municípios do Norte de Minas.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Proposto pelo governador Romeu Zema (Novo), o Projeto Mãos Dadas, contido no PL 2.657/21, prevê a municipalização dos anos iniciais do ensino fundamental das escolas estaduais. Em mensagem encaminhada à ALMG, o chefe do Executivo explica que a proposta consiste no repasse de recursos técnicos, materiais e financeiros pelo governo para que os municípios consigam ampliar essa oferta de ensino. Durante a audiência pública, porém, os convidados apontaram que os aportes oferecidos pelo governo são insuficientes e instáveis.

Se todas as matrículas do ensino fundamental forem assumidas pelos municípios, Grão Mogol terá um aumento de 50% no número de estudantes sob a sua responsabilidade. Já Salinas teria o triplo de alunos e São Francisco, o dobro. Esses números foram apresentados pelo coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Diego Oliveira. Ele questionou se esses municípios teriam condições de aumentar seu atendimento nessa proporção.

Diego chamou a atenção para o fato de que a educação municipal recebe aportes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o que é obrigatório, mas que esses recursos não são suficientes para a manutenção das escolas. Assim, a promessa do governo estadual de repassar os recursos do Fundeb relativos às matrículas assumidas pelos municípios seria vazia, já que o repasse não só é obrigatório, como também insuficiente.

Além disso, ele explicou que, em 2020, os três municípios investiram mais de R$ 7 mil por aluno e que o governo, ao apresentar as contas aos prefeitos, têm indicado um investimento per capita menor, de R$ 4,5 mil. Já sobre os aportes financeiros iniciais que o Executivo estadual tem oferecido para as prefeituras aceitarem a proposta, Diego de Oliveira alerta que o dinheiro será repassado só uma vez e não poderá ajudar na manutenção da estrutura física e no pagamento posterior de servidores

Promessa de cessão de servidores é questionada

Outra promessa do governo abordada foi a de cessão dos servidores estaduais para trabalhar nas escolas municipais. Diego Oliveira lembrou que essa cessão será feita por meio de resolução, que é um instrumento jurídico frágil e que pode ser facilmente alterado ou anulado a qualquer momento. Mais um problema levantado pelo convidado é que muitos dos servidores das escolas estaduais são designados, não efetivos, e seriam dispensados.

Outros convidados demonstraram preocupação com a questão dos servidores designados. Gessica Almeida, coordenadora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) em São Francisco, afirmou que o município conta com 51 servidores da educação estadual efetivos e mais de 200 designados. Além da indisponibilidade desses últimos para o trabalho, já que não serão cedidos e a prefeitura terá que contratar outras pessoas para as suas vagas, há o medo do desemprego.

Também o coordenador do Sind-UTE em Salinas, Jeswesley Freire, ressaltou as consequências para todas as atividades comerciais da região que seriam impactadas com o desemprego dos designados, alguns em atividade há décadas.

Superintendente de ensino defende a proposta

O único representante do governo estadual que compareceu à reunião foi o superintendente regional de ensino de Januária, Antônio Francisco de Souza. Ele ressaltou que a adesão à proposta não é obrigatória para os municípios e respondeu a algumas das críticas.

Segundo o gestor, o cálculo de investimento por aluno é maior nos municípios porque se trata de educação infantil, em geral promovida em tempo integral. Assim, na educação fundamental, o gasto per capita não seria tão alto.

Ele garantiu, ainda, que os valores a serem repassados pelo Estado serão suficientes para suprir os gastos com as novas matrículas e que a proposta é vantajosa para as prefeituras. Antônio de Souza também salientou que os servidores públicos não perderão nenhum direito e que os recursos usados para pagar os designados serão repassados às prefeituras, que poderão, se desejarem, recontratar os profissionais.

Argumentou, ainda, que a superintendência está discutindo a proposta com as diretorias das escolas estaduais e que o debate sobre o tema não está interditado. Ele também informou que as câmaras municipais têm feito debates com as comunidades escolares sobre o assunto e que só com a aprovação do Legislativo e do Executivo de cada cidade é que o convênio será firmado.

Sobrecarga dos municípios - A deputada Beatriz Cerqueira disse, porém, que o texto do projeto Mãos Dadas que tramita na ALMG retira a obrigatoriedade de aprovação pelas câmaras municipais da descentralização do ensino, hoje prevista legalmente. Há, segundo ela, a intenção de reduzir o diálogo. 

A parlamentar destacou que relatório do Tribunal de Contas do Estado aponta que o governo investiu em 2019 e em 2020 menos do que determina a Constituição para o ensino básico. “Se o governo não investe o mínimo com a rede sob a sua responsabilidade, vai investir em escola dos municípios?”, questionou.

Beatriz Cerqueira também afirmou que os estudos que o governo tem apresentado às prefeituras são enviesados e não mostram a realidade dos custos com a educação. De acordo com a deputada, Grão Mogol, Salinas e São Francisco ainda não conseguiram cumprir a meta de universalizar o acesso à educação infantil, o que indica que aumentar as suas responsabilidades vai dificultar a melhoria no acesso de crianças de várias idades à escola.

O deputado Betão (PT) também se posicionou contrariamente à proposta.