Revogação da Lei da Alienação Parental é defendida
Participantes de audiência pública denunciam que norma tem sido utilizada para acobertar pais abusadores.
17/06/2021 - 21:50A revogação da Lei federal 12.318, de 2010, que dispõe sobre a alienação parental, foi defendida pela maioria dos convidados que participaram, nesta quinta-feira (17/6/21), de audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Um projeto em tramitação no Congresso Nacional propõe a revogação da norma, chamada de Lei da Alienação Parental (LAP).
A presidenta da comissão, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que solicitou a audiência pública, destacou que a lei vem sendo discutida num grupo de trabalho na Câmara dos Deputados. As contribuições trazidas na reunião desta quinta serão encaminhadas aos parlamentares federais, de modo a oferecer subsídios para embasar um projeto de lei sobre o tema.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Na opinião de Valéria Fernandes, promotora de justiça e coordenadora do Núcleo de Gênero do Centro de Apoio Criminal, “a LAP é o maior ataque formal às mulheres no Brasil”. Ela reforçou que a luta pela revogação da lei tem embasamento científico. Isso não acontece, segundo Valéria, com a norma de 2010, fundamentada nas teorias do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, rebatidas pelas comunidades médica e jurídica e criticadas por estudiosos de saúde mental.
Gardner é autor do conceito de Síndrome de Alienação Parental (SAP), um distúrbio em que uma criança criaria um sentimento de repúdio a um dos pais sem justificativa válida. Essa atitude, segundo ele, se deveria a uma combinação de fatores, incluindo a doutrinação pelo outro progenitor, geralmente como parte de uma disputa da custódia da criança, e as tentativas da criança de deformar a imagem de um dos pais.
A promotora desqualificou a tese do médico, afirmando que a Organização dos Estados Americanos (OEA) emitiu orientação no sentido de que não se tomem decisões com base na SAP. Outros órgãos internacionais, afirma, questionaram a lei brasileira sobre alienação parental, que estaria alicerçada na ideia de falsa denúncia contra o genitor, gerando suspeita sobre a fala da mulher e da própria criança. “O Brasil é o único País do mundo que abraça uma lei como essa. Outros países já perceberam esse perigo”, reforçou.
Valéria Fernandes buscou derrubar uma série de mitos que permeiam a lei, como o de que a denúncia de abuso sexual contra o genitor deve ser comprovada por laudo médico. “Em regra, os crimes sexuais não deixam vestígios. E mesmo quando estes existem, desaparecem em 24 horas, é muito difícil comprovar o abuso”, disse.
Vítimas - Artenira da Silva, professora e pesquisadora com pós-doutorado em psicologia e direitos humanos da Universidade Federal do Maranhão, afirmou ser impossível discutir a LAP fora da perspectiva de gênero. “Em sua maioria, 70%, são meninas as vítimas de abusos, praticados dentro do ambiente doméstico”, declarou.
Outro problema, na sua avaliação, é que os operadores do direito e mesmo psicólogos que atuam na justiça, em sua maioria, não têm a percepção da especificidade dos grupos vulneráveis. “Vemos laudos de profissionais sem conhecimento na área. Dessa forma, muitas vezes é identificada a dita alienação parental, que não é conceito científico, e a criança passa a ser tratada como objeto, e não como sujeito de direito”, criticou.
Privação - Ana Maria Brayner, psicanalista e presidente da ONG Vozes de Anjos, considera a LAP a legalização da privação materna.
“Quando a mulher denuncia uma violência contra seu filho, é acusada de louca e outros estereótipos e acaba perdendo a guarda da criança. Quem se beneficia é o homem, que alega alienação parental, dizendo ser privado de conviver com a criança”, afirmou.
“O abuso sexual intrafamiliar é muito mais recorrente que se possa imaginar. Quando acontece fora da família, acredita-se na criança. Porque o mesmo não ocorre quando o abuso é doméstico?”, questionou Ana Maria, para quem a LAP veio acobertar pais delituosos.
LAP é uma resposta conservadora à Lei Maria da Penha
Na mesma linha, a advogada Luciana Laudares considera que “a Lei da Alienação Parental é uma resposta conservadora à Lei Maria da Penha”. Ela disse que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil trazem medidas a serem aplicadas quando a mãe pede o afastamento do companheiro. “Já a LAP tira a criança do debate sobre o abuso parental. E as decisões são tomadas para atender aos interesses dos adultos em detrimento das crianças, que acabam sendo entregues a seus algozes”, alertou.
De acordo com Victor Ferreira, ex-conselheiro tutelar, muitas vezes as denúncias de pais contra suas ex-mulheres estão relacionadas ao término da relação, e não a maus tratos contra a criança.
Romano Enzweiler, juiz auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, acredita que a LAP tem apenas o objetivo de emudecer as mães e desacreditá-las.
Mães - Várias mães privadas da convivência com seus filhos devido a ações de alienação parental movidas por seus ex-parceiros deram depoimentos emocionados à comissão. Adriana Mendes, do Coletivo Mães na Luta, lembrou que perdeu a guarda da filha em 2011. Quando teve conhecimento da LAP, buscou reobter a guarda, mas não conseguiu. “Comecei a escrever a respeito e mulheres de todo o Brasil começaram a se corresponder comigo relatando casos de abuso sexual de seus filhos por parte de pais que obtiveram a guarda alegando alienação parental”, declarou.
Naiara Gonçalves disse que luta há oito anos para recuperar a guarda de sua filha. “Ela é vítima de abuso sexual. Já passou por seis avaliações psicológicas e em todas disse que queria voltar a morar comigo. Mas a justiça afirma que só quando ela completar 18 anos poderá decidir”, lamentou.
Danielle Souza fez denúncia ao Conselho Tutelar de abuso sexual da sua filha pelo próprio pai. “Em dois meses, perdi a guarda da minha filha. Já se passaram dois anos sem eu vê-la. Hoje, com oito anos, ela me disse que já se acostumou com o abuso”, indignou-se.
Renata Barbosa disse que, quando se mudou para Belo Horizonte, seu ex-marido parou de pagar pensão alimentícia e ela entrou com ação. Em represália, o ex-parceiro recorreu à Lei de Alienação Parental. Apesar disso, Renata conseguiu comprovar a má-fé utilizada contra ela, mas ao custo de R$ 45 mil na justiça.
Contraponto – Em sentido contrário à maioria dos participantes da reunião, Murilo Andrade, professor e advogado da Associação Nacional de Proteção à Criança e ao Adolescente Criança Feliz, avaliou que as falas que o antecederam tiveram um viés equivocado: “A LAP é genérica, não é sexista e fala em proteção da criança no direito de conviver com seus pais, mesmo separados”.
Para ele, a maioria dos relatos apresentados traduzem a má aplicação da norma pelo Judiciário. “Se há desvios na lei, eles devem ser cobrados de quem não a aplica adequadamente”, disse. Ele também discordou da proposta de revogação da lei “sem estudos mais aprofundados”.