Requerida pelo presidente da comissão, a reunião teve duas palestras pela manhã e terá mais três à tarde
Para o professor Ricardo Morishita, não há avanço econômico sem respeito ao consumidor
O ex-secretário nacional do Consumidor Luciano Timm avalia que mercado e direitos do consumidor não estão em oposição
Rede de proteção mais forte e livre mercado podem reforçar direito do consumidor

Palestrantes avaliam direitos do consumidor versus mercado

Livre iniciativa e proteção do mais frágil na relação comercial foram abordadas na reunião que celebrou 30 anos do CDC.

11/09/2020 - 14:24

Ponderações sobre possibilidades de equilibrar a intervenção do Estado e o livre mercado, no que tange aos direitos do consumidor, marcaram as explanações feitas na primeira parte da audiência que a Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza ao longo desta sexta-feira (11/9/20).

Proposta pelo presidente da comissão, deputado Bartô (Novo), a atividade marca o aniversário de 30 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), contido na Lei 8.078, de 1990. Além do parlamentar, o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, que será um dos palestrantes desta tarde, também participou presencialmente. Os demais expositores e deputados fizeram seus pronunciamentos remotamente, por meio de videoconferência.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Na primeira palestra, cujo tema foi “Defesa do consumidor e intervenção do Estado”, o professor de direito do consumidor e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça Ricardo Morishita Wada afirmou que “não há avanço econômico sem respeito ao consumidor e aos seus direitos previstos na Constituição Federal”.

Segundo ele, quando o Código de Defesa do Consumidor foi criado, em 1990, houve um medo quase generalizado entre fornecedores e comerciantes de que o novo regulamento quebraria seus negócios, mas o tempo provou o contrário. Ricardo Morishita está entre os estudiosos que defendem a proteção ao consumidor como direito e garantia fundamental, tal como consta no artigo 5º da Constituição Federal. Em sua opinião, mesmo valorizando a livre iniciativa, o Estado não pode se abster da defesa do consumidor.

Sobre a polêmica envolvendo a recente alta no preço do arroz, Ricardo Morishita considera que a Secretaria Nacional do Consumidor está fazendo o papel que lhe cabe. Na sua avaliação, não é razoável que, diante de um cenário de pandemia, da tragédia nacional que o País vive, um produtor decida exportar todo o seu produto, para lucrar mais.

Ao fazer um retrospecto da importância dos Procons no avanço e na universalização da defesa do consumidor, Morishita destacou a realização das pesquisas de preço, que ajudam o cidadão a formar sua opinião e, ao mesmo tempo, expõem o fornecedor que esteja cometendo abuso.

Ele também citou o Movimento das Donas de Casa, que surgiu em Belo Horizonte, na década de 1980, e presta um valioso serviço de pesquisa, denúncias e conscientização dos consumidores.

Para expositor, liberdade de mercado é coletivização da tomada de decisão

Na segunda explanação, que abordou “O direito do consumidor e o livre mercado”, o ex-secretário nacional do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública Luciano Benetti Timm disse concordar com a maioria dos argumentos de seu antecessor, porém avaliando-o como mais dogmático em contraposição à própria postura, mais pragmática.

Na visão de Luciano Timm, não há preponderância de um princípio constitucional sobre o outro e, portanto, a livre iniciativa e os direitos do consumidor não estariam em oposição.

“Apostar em livre mercado é fazer também defesa do consumidor, porque dá a ele direito de escolha, é a coletivização da tomada de decisão”, avaliou.

O ex-secretário ainda ressaltou que essas três décadas do CDC trouxeram ganhos, mas ainda há pontos a aperfeiçoar. Entre os avanços, citou maior conscientização dos consumidores sobre os seus direitos e mais segurança jurídica, com um sistema de regulação, “ainda que imperfeito”. Ao abordar as falhas, destacou as dificuldades de acesso à Justiça, cujo número de processos envolvendo direitos de consumo seria de cerca de 30 milhões.

Controle versus liberdade - O promotor de Justiça e coordenador do Procon Estadual, Amauri Artimos da Matta, que mediou os debates, ressaltou que o Código de Defesa do Consumidor nasceu de demandas concretas da sociedade. Para ele, é preciso ponderação para mediar os interesses do mercado com a proteção da parte mais frágil das relações comerciais, que é o consumidor.

Ele também defendeu que, em tempos de calamidade e pandemia, é preciso haver, sim, algum controle de preços, ou mesmo punição para quem se aproveita disso para lucrar mais.

“Muitas vezes, fala-se em livre iniciativa, achando que ela não pode ser limitada pelo direito, o que é um equívoco. O Poder Judiciário deve exercer esse controle. Não podemos confundir desburocratização com falta de regulação. Esse equilíbrio entre liberdade de concorrência e direitos do consumidor é o que devemos buscar”, concluiu.

Deputados têm visões divergentes

O deputado Bartô avaliou as duas explanações desta manhã como complementares. Ressaltando seu posicionamento favorável a um mercado mais livre, o parlamentar também citou a necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos de regulação, como o CDC.

“Todos nós somos contra fraudes e desrespeito aos direitos do consumidor, mas é preciso ponderar sobre onde e como o Estado deve intervir. É importante também avaliar os resultados a que chegamos, pois ainda há insatisfação e vários conflitos, é essencial melhorar essa relação”, declarou.

Já o deputado Elismar Prado (Pros) avaliou que sem o CDC e toda a rede de proteção - como as Promotorias de Defesa do Consumidor, os Procons, ONGs e entidades e afins – haveria muitos abusos.

“O Código de Defesa do Consumidor trouxe muitos avanços, é inegável, e, na minha opinião, não dá para confiar que o mercado seja bonzinho e resolva os conflitos naturalmente. Há, sim, bons exemplos na livre iniciativa, mas também existem os maus. Se não houvesse a intervenção dos órgãos de defesa, as pessoas ficariam muito prejudicadas”, afirmou.

O deputado Doutor Wilson Batista (PSD) também acompanhou a reunião, remotamente. A audiência continua nesta tarde, até as 16 horas, com mais três palestras e mediação do presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB-MG), Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp.