Atividade integra semana de combate à pedofilia, realizada pela ALMG com foco em ações on-line por causa da pandemia
Isolamento social coloca autoridades em alerta por causa da redução de denúncias de abusos de crianças

Violência sexual contra crianças ocorre no ambiente familiar

Esses casos chegam a 80%. Isolamento social imposto pela pandemia exige ainda mais atenção, segundo especialistas.

18/05/2020 - 13:52

Oitenta por cento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são cometidos em ambiente familiar. O alerta foi feito pela psicóloga da Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ana Flavia Ferreira de Almeida Santana, nesta segunda-feira (18/5/20).

A psicóloga participou da palestra “O olhar e o cuidado com nossas crianças e adolescentes durante a pandemia”, transmitida pelo canal da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no YouTube. A atividade integra a Semana de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizada pela ALMG com foco em ações on-line neste ano, por causa da pandemia de Covid-19.

Ana Flavia enfatizou que, normalmente, quem comete a violência é íntimo da criança e do adolescente como pais, avós, tios, primos, irmãos, vizinhos, padrinhos e amigos da família. “Isso mexe muito com a cabeça da criança que vive uma dualidade. Ao mesmo tempo em que tem afeto pelo agressor tem também medo”, relatou.

A psicóloga também desmistificou a visão de que esse tipo de agressão ocorre apenas em famílias desestruturadas. Ela disse que essa situação ronda todas as famílias, de todos os lugares, independentemente de classe social. E acrescentou que dados mostram que só 6% dos violadores apresentam distúrbios psiquiátricos.

Conversar é o caminho

Para Ana Flavia, a única solução é cuidar atentamente das crianças e adolescentes. Ela defende uma conversa aberta com a criança, quando ela já entende e interage bem com a família. “Cada criança tem um desenvolvimento, mas normalmente é por volta dos três ou quatro anos”, disse.

Essa conversa deve deixar claro para a criança que há partes íntimas no corpo dela e que ninguém pode mexer nesses locais. Em sua opinião, a criança precisa saber que é necessário preservar essas partes e que só os responsáveis têm acesso a esses locais para higienizá-los, quando necessário.

Nessa conversa, segundo a psicóloga, os pais devem orientar que a criança relate caso alguém tenha tocado nessas partes íntimas. A conversa pode ocorrer da seguinte forma: “Se alguém fez algo no seu corpo que não foi legal, que te deixou triste, eu preciso saber”.

Sinais – Ana Flávia enfatizou que alguns sinais devem ligar o alerta em pais e responsáveis. São eles: mudança brusca de comportamento, atitudes e conversas sexualizadas, introdução de objetos em regiões íntimas, terror noturno, irritabilidade, presença de corrimento, secreção, coceira e/ou hematomas nas partes íntimas e distúrbios alimentares. Ela também citou a automutilação, em casos de adolescentes.

Cuidados durante a pandemia

Se grande parte dos casos de violência contra crianças e adolescentes é cometido no ambiente familiar, o atual momento de pandemia demanda ainda mais atenção. Essa é a opinião da delegada da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca) da Polícia Civil, Renata Ribeiro Fagundes, que participou da palestra.

Segundo ela, a redução em até 70% no número de denúncias de alguns dos crimes contra esse público, se comparado com o mesmo período do ano passado, não é positiva.

Não entendemos essa queda como algo real. No nosso entendimento, as vítimas estão em casa cumprindo quarentena junto a seus abusadores, sem ter como pedir socorro. Normalmente, boa parte das denúncias vem de escolas, dos professores que notam mudanças no comportamento das crianças, de vizinhos e de denúncias de outros familiares”, explicou.

Renata Fagundes deu ainda algumas dicas para pais e cuidadores para monitorar as atividades de crianças e adolescentes na internet, que tendem a aumentar durante a pandemia.“Oriente seu filho. Muitos abusadores usam jogos eletrônicos. Ele acha que conversa com outra criança, mas pode ser um adulto que vai pedir fotos ou informações que vão deixar a criança constrangida, temendo ser punida. Se a criança é orientada, ela sabe quando acontece algo de errado e contará para os pais”, reforçou.

A delegada explicou que o uso de aplicativos para acompanhar em tempo real o que a criança está escrevendo e compartilhando em redes sociais é recomendado. “Não é invasão de privacidade. O uso de smartphones e redes sociais por menores deve ser controlado. Isso tudo é também para a proteção das crianças”, completou.

Denúncias devem ser feitas

Renata Fagundes defendeu a responsabilização dos agressores. Para isso, a denúncia precisa ser feita. Ela falou que a delegacia não deixou de funcionar presencialmente. “Também estamos aceitando denúncias pela internet e pelo telefone, no (31) 3228-9000. Também temos o disque 100 e o 181, que podem ser usados para a mesma finalidade. E, em caso de ser necessário retirar a criança do local, por risco iminente, peço que não deixem de ligar no 197 ou 190, que enviamos uma equipe imediatamente”, afirmou.

Ela também explicou a importância de se procurar a delegacia especializada, nos locais onde esse atendimento está disponível. Em muitos casos, o adulto não tem o preparo adequado para conversar com a criança de forma que ela faça o relato como deveria, dando informações para a investigação.

“Ela precisa ser ouvida por um profissional preparado. E reforço que esse tipo de violência não precisa de 'marcas'. Noventa por cento dos casos não deixam indícios físicos. Mas, independente deles existirem, podemos provar que o crime aconteceu”, afirmou.

Renata acrescentou, ainda, que qualquer delegacia pode receber denúncias de abuso. “Se na sua cidade não tiver uma delegacia, o Conselho Tutelar e o Ministério Público também podem receber a denúncia. Profissionais de saúde também podem e devem denunciar”, completou. 

Outras palestras - Nesta sexta (22), serão realizadas outras duas palestras sobre a temática, uma, às 10 horas, e a outra, às 15 horas, que integram a Semana de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. As atividades foram demandadas pela deputada Delegada Sheila (PSL), que preside a Frente Parlamentar Mista Juntos Contra a Pedofilia.

O público poderá enviar perguntas para os convidados ao longo da transmissão, por meio do chat do YouTube.