Bebês ainda são retirados das mães na maternidade
Portaria da Vara Cível de BH que legitimava ação foi anulada, mas problemas continuam acontecendo.
03/10/2019 - 14:42 - Atualizado em 03/10/2019 - 15:52A retirada arbitrária de bebês dos cuidados das mães ainda tem sido registrada em Minas Gerais, apesar de revogação da Portaria nº 3, de 2016, da Vara Cível da Infância e da Juventude da Comarca de Belo Horizonte, que dava aval ao procedimento.
Convidados de audiência pública na manhã desta quinta-feira (3/10/19) afirmaram que houve redução do problema na Capital, mas a situação ainda é observada. Além disso, há indícios de que nos municípios do interior do Estado o procedimento seja ainda comum.
A reunião foi realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a pedido da sua presidenta, deputada Marília Campos (PT). Ela salientou que o assunto já foi tratado pela comissão em anos anteriores, quando a Portaria 3 estava vigente. A normativa permitia a separação entre mãe e filhos, sem respeitar o direito do convívio familiar.
O texto dizia que os bebês deveriam ser retidos nos hospitais logo depois do parto de mulheres consideradas vulneráveis por serem usuárias de drogas, mas movimentos sociais passaram a chamar de “sequestro de bebês” a situação.
O principal problema é que crianças passaram a ser separadas das suas mães em função da sua condição econômica, atingindo as famílias de maior vulnerabilidade social. A reunião desta manhã, conforme colocado por Marília Campos, destinou-se a entender se o problema foi sanado depois que a portaria foi extinta, em 2017.
Interior do Estado e mulheres indígenas sofrem com a retirada de bebês
Além de considerações gerais sobre a situação a partir de trabalhadores da assistência social, da saúde e de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, um caso concreto foi apresentado. Trata-se da retirada autoritária de um bebê de mulher com transtorno mental e em situação de rua em Ibirité (Região Metropolitana de Belo Horizonte).
Quem apresentou o caso foi a presidente do Conselho Municipal de Saúde, Leide Cássia Medeiros. Segundo ela, funcionários do hospital esperaram o fim do horário de visitas na maternidade para chamar o Conselho Tutelar, entregar a criança e colocar a mulher, ainda em puerpério (fase pós parto), na rua. Segundo ela, durante três meses, a família da mãe tentou, sem sucesso, visitar o bebê no abrigo e conseguir sua guarda, sem sucesso.
Com a intervenção do Conselho, uma prima da mãe conseguiu a guarda e vive agora com a criança e sua mãe. Agora, busca-se conseguir para a mãe da criança os benefícios previdenciários que lhe são devidos em função da sua situação de saúde, mas nunca foram pagos.
Essa situação de não assistência às mães e de não consulta à família extensa da mãe, conforme determinado legalmente, antes do abrigamento das crianças, é, segundo alguns dos convidados, recorrente nas situações observadas.
Segundo a representante do Coletivo Mães Órfãs, Amanda Drummond, embora os casos em Belo Horizonte tenham sido reduzidos com o fim da Portaria 3, eles não cessaram, assim como há muitas situações no interior do Estado. “Ainda recebemos denúncias de casos em que foram determinados acolhimentos institucionais por motivos discriminatórios, como vida pregressa”, disse.
Mônica Garcia, do Observatório de Políticas de Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse que pesquisadores do grupo têm se debruçado, desde 2014, sobre casos de retiradas de bebês das suas mães. Uma dos pontos que ainda seriam pouco compreendidos é a da questão indígena.
De acordo com Mônica, há um alto índice de retirada dos bebês das mães indígenas não só nas cidades, mas também das que vivem em suas aldeias.
Capacitação dos profissionais é uma das chaves para superar o problema
Mônica Garcia e Amanda Drummond ressaltaram a necessidade de se capacitar os profisisonais que atuam nas redes de proteção. Para Mônica, enquanto alguns estão empenhados na garantia de direitos e na construção de redes de proteção para toda a família, outros carregam preconceitos que acabam por reverberar no tratamento dos casos que chegam aos seus cuidados.
Já Amanda Drummond salientou o julgamento moral que atores das redes de proteção jogam sobre as mulheres, guiados em especial por questões religiosas. Um dos problemas, segundo ela, é que várias das instituições de acolhimento são gerenciadas pelo terceiro setor, em especial por instituições religiosas.
Os relatórios produzidos por esses trabalhadores são levados em consideração nos processos judiciais para decidir sobre a restituição ou não do poder familiar sobre as crianças.
A deputada Andreia de Jesus (Psol) concordou e disse que a retirada de bebês, bem como outras ações como laqueadura involuntária de trompas, são dirigidas a pessoas que não vivem de acordo com a moral dos grupos mais ricos. Assim, o fato de grupos criarem seus filhos a partir da religiosidade e cultura afrobrasileira, por exemplo, motiva politicas como a de retirada de bebês, que ela chamou de “higienistas”.
Retirada dos bebês deve ser última opção
A defensora pública Daniele Bellettato Nesrala, Coordenadora da Defensoria Especializada da Infância e Juventude Cível de Belo Horizonte, explicou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) regula os procedimentos a serem seguidos em casos de suspeita de risco para as crianças. Segundo ela, a destituição de poder familiar e o encaminhamento para insittuições acolhedoras são medidas drásticas que não devem ser a primeira opção em nenhum caso.
Judicializar essas questões, portanto, é um passo final do processo, que precisa ser precedido por várias politicas de proteção porque, segundo a defensora, a manutenção das crianças com suas famílias é a medida mais protetiva possível. Assim, ela lembrou da importância e defendeu o fortalecimento dos Conselhos Tutelares, que são articuladores de toda a rede de proteção.
De acordo com Daniele, Belo Horizonte deveria ter 25 Conselhos Tutelares, mas só conta com nove, situação que dificulta o adequado acompanhamento dos processos.
Capital - No caso da retirada de bebês, ela afirmou que a situação na Capital mineira está melhorando e, desde o fim da Resolução 3, tem sido criado um fluxo para acompanhar as gestantes e tentar resolver as questões mais urgentes de vulnerabilidade antes do nascimento da criança.
A Superintendente de Prevenção e Mediação de Conflitos da Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Letícia Palma, representou o Poder Executivo na reunião. Ela admitiu que parte dos recursos estaduais que deveriam ser encaminhamentos para a manutenção dos abrigos está em atraso desde 2015 e que o governo tem tentado sanar o problema fiscal do Estado.