Povos tradicionais pedem embargo de obras de rede de energia
Comunidades do Norte de Minas impactadas pela implantação de linha de transmissão denunciam violação de direitos.
12/07/2019 - 15:53O embargo das obras de instalação da rede de transmissão de energia elétrica que liga os municípios de Caetité (BA) e Presidente Juscelino, próximo a Diamantina, na Região Central de Minas, foi defendido nesta sexta-feira (12/7/19) por moradores de comunidades tradicionais e lideranças de organizações sociais, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Eles denunciam que as empresas responsáveis pelo empreendimento - Equatorial e Mantiqueira – violam seus direitos legais e a legislação ambiental, desrespeitando suas atividades, sua cultura e formas de sobrevivência.
Diante disso, reivindicam que a comissão da Assembleia envie ao Ministério Público Federal e ao Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), entre outros órgãos públicos, um pedido de suspensão das obras, até que seja aprovado um protocolo de consulta às comunidades.
O líder geraizeiro Adair Pereira de Almeida, da comunidade de Vale das Cancelas, que abrange três municípios do Norte do Estado, denuncia que as empresas contam com o apoio do Judiciário e do Governo e que os órgãos ambientais vêm licenciando o empreendimento sem respeitar a legislação.
Segundo ele, a região abriga 63 comunidades geraizeiras (populações tradicionais que vivem nos cerrados do Norte de Minas Gerais), entre as quais se incluem dois povos indígenas e oito populações quilombolas (remanescentes dos antigos quilombos de escravos). Além disso, informa que mais de 120 cavernas naturais e sítios arqueológicos já foram mapeados na região e devem ser reconhecidos como patrimônio natural.
Atingidos – A suspensão do processo de licenciamento também foi defendida por Rosanea dos Santos, vice-presidenta da comunidade quilombola de Baú, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, e por Maria da Glória Botelho da Silva, da comissão dos atingidos pela linha de transmissão. As duas criticaram a falta de diálogo com as comunidades e de transparência nos procedimentos das empresas.
“Ninguém é contra o desenvolvimento", destacou Alessandro Mesquita de Assunção, vereador de Glaucilândia. "Entendemos que também é importante o diálogo com as populações atingidas, mas a Equatorial não quer o diálogo, se quisesse estaria aqui”, observou.
O assessor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Marcelo de Andrade Vilarinho, informou que o órgão já se reuniu algumas vezes com a empresa Mantiqueira, mas não com a Equatorial. Segundo ele, a Mantiqueira alega que as comunidades ainda não são oficialmente reconhecidas e se mostrou “muito pouco sensível quanto à mitigação dos impactos do empreendimento e às reivindicações das comunidades”.
Defendeu, por isso, o envolvimento de outras entidades, como o Ministério Público Federal, a Comissão de Direitos Humanos da ALMG, a Comissão Pastoral da Terra e até a Organização das Nações Unidas, no sentido de cobrar maior comprometimento.
Empresas desrespeitam legislação e integram corporações multinacionais
Representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Alexandre Gonçalves destacou que a legislação ambiental determina que empreendimentos que atinjam comunidades tradicionais e cavidades naturais devem ser sustentados por estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e não apenas por relatório simplificado, o que não está sendo observado.
Ele denuncia, ainda, que a Mantiqueira é ligada ao grupo canadense Brookfield, com ativos em mais de 30 países, em negócios que envolvem bilhões de dólares em setores tão diversos como petróleo, usinas, grandes edifícios, shoppings e rodovias.
“Seria importante que o Ministério Público Federal investigasse esse grupo”, disse, acrescentando que a Mantiqueira também atua no mercado financeiro e em outras grandes atividades. “São conhecidas no mercado como empresas predadoras oportunistas e agem na onda da Lava Jato, que quebrou empresas nacionais, abrindo brechas para as corporações multinacionais”, avaliou.
A superintendente substituta do Ibama, Polyana Faria Pereira, defendeu a instituição. “Tomamos sempre o cuidado de ouvir todos os órgãos intervenientes, nesse caso, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Fundação Palmares (que trata das questões dos quilombolas). Ela se comprometeu a encaminhar as reivindicações das comunidades.
Comissão apela à Procuradoria-Geral da República em Minas
A presidenta da comissão e autora do requerimento para realização da audiência, deputada Leninha (PT), criticou a ausência das empresas na reunião.
A parlamentar disse contar também com o apoio da Comissão Nacional de Direitos Humanos, agradecendo a presença, na reunião, do representante do deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), Fernando Tadeu David.
A comissão acolheu todas as reivindicações, transformadas em requerimentos para serem apreciados na próxima reunião. Entre pedidos de informações e providências aos órgãos públicos, há requerimento que defende, inclusive, a suspensão das obras de implantação da rede de energia, até que seja reconhecido um protocolo de consulta às comunidades, a ser encaminhado à Procuradoria Geral da República no Estado.
“Queremos que o governo escute a sua gente miúda, que esse Estado teima em não reconhecer e em violar seus direitos. Não queremos que esse caso, que é social, vire um caso de polícia, de violência, mas que essas populações sejam respeitadas e tenham o direito de viver e produzir”, afirmou a deputada, no encerramento da reunião.
O deputado Coronel Sandro (PSL) também esteve presente no início da audiência, manifestando apoio às comunidades. “Sou defensor de todo empreendimento que possa melhorar a qualidade de vida e trazer desenvolvimento, mas alguns empreendimentos impactam diretamente a vida das pessoas. Vocês têm o direito de ser ouvidos e de ter suas reivindicações atendidas, têm a minha solidariedade”, afirmou.