Samuel Rodrigues (centro) chamou atenção para o preconceito enfrentado pelas pessoas em situação de rua.
Aleci, que viveu 20 anos nas ruas, é um exemplo de que as políticas públicas podem alcançar resultado

Encontro em BH ouve população em situação de rua

Participantes de fórum técnico reivindicam emprego, moradia e fim das agressões policiais.

18/04/2018 - 18:06

Com mais de 5 mil pessoas vivendo nas ruas, Belo Horizonte é o quarto município mineiro a receber o encontro regional do Fórum Técnico População em Situação de Rua, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em parceria com o Governo do Estado. O encontro desta quarta-feira (18/4/18) aconteceu no Centro Universitário Una, na unidade do Barro Preto. O evento continua nesta quinta (19), com a deliberação sobre propostas apresentadas.

O objetivo do fórum técnico é colher sugestões populares para aperfeiçoamento da Política Estadual para a População em Situação de Rua, instituída pela Lei 20.846, de 2013. O trabalho será concluído em uma etapa final, de 11 a 13 de junho, na ALMG. As propostas vão subsidiar a elaboração de um anteprojeto de lei a ser encaminhado à Assembleia pelo Poder Executivo.

A estimativa de população em situação de rua na Capital é da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). No País, o cálculo oficial mais recente é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de um levantamento realizado em 2015, que apontou 101.854 pessoas nessa situação em todo o Brasil. De lá para cá, há um consenso de que o problema se agravou muito, em decorrência da crise econômica.

Talvez pelo crescimento do problema, foi muito variada a participação no evento desta quarta (18). Entre os cerca de 100 participantes, além de moradores de rua e representantes de suas associações, havia servidores de órgãos governamentais, universitários, alunos secundaristas e até moradores da Capital que foram dar suas sugestões e se queixar dos problemas causados pelas pessoas que permanecem no entorno de suas casas.

Esse tenso diálogo entre moradores residenciais e pessoas em situação de rua produziu um dos momentos mais interessantes do encontro. Alguns dos moradores da Capital se queixaram da insistência de muitas pessoas em retornarem às ruas, chegando até a vender moradias que receberam do poder público por R$ 3 mil ou pouco mais.

Entre os que responderam as críticas está Elisângela Cândida da Silva Delfino, que viveu nas ruas por 20 anos e hoje mora com familiares.

Uma casa sem emprego não dá para manter. Muitas vezes a pessoa está em casa e pensa: se eu ficar aqui, eu vou morrer. Na rua, a pessoa tem doações, tem como comer. Em casa há contas para pagar: luz, água. Se a sociedade tem problemas com a população de rua, a população de rua também tem problemas com a sociedade”, explicou.

Reivindicações incluem o fim do abuso policial

Emprego, moradia e respeito foram as principais reivindicações apresentadas no encontro desta quarta (18). As queixas e solicitações não se referiam apenas a Belo Horizonte, uma vez que o encontro da Capital também atraiu representantes de outros municípios não incluídos na programação, tais como Governador Valadares (Vale do Rio Doce), Pirapora (Norte de Minas), Contagem, Nova Lima e Lagoa Santa (as três na Região Metropolitana de Belo Horizonte), entre outras.

Integrante do Movimento Nacional de População de Rua, Alexsandro Araújo de Oliveira disse que a dificuldade para conseguir emprego é a questão prioritária. Já Samuel Rodrigues, da coordenação nacional do movimento, afirma que também as políticas públicas de moradia ficam muito aquém da necessidade.

A PBH, segundo ele, oferece 300 bolsas-moradia de R$ 500,00 e até 1,5 mil vagas de acolhimento em abrigos públicos. “É muito pouco para uma população de mais de 5 mil”, lamentou.

Um dos que vivem hoje em abrigo, em Belo Horizonte, é Aleci Gomes Barbosa, de 55 anos. Seu exemplo mostra que as políticas públicas podem alcançar bom resultado. Após 20 anos nas ruas, Aleci está no abrigo há cinco meses. Hoje frequenta o ensino supletivo, pois só tem o 3° ano do ensino fundamental. “O que mais precisa é de conselho. Eu custei a pegar um conselho e sair da rua”, opinou.

Outra queixa frequente é relativa às agressões policiais e ao preconceito contra quem está na rua, muitas vezes associado automaticamente ao consumo de crack. Samuel Rodrigues admite que o problema existe, mas não pode tornar-se um rótulo constante. “A diferença do crack que se fuma na rua e a cocaína cheirada na Savassi está só nas paredes. A droga da rua todo mundo vê”, afirmou o dirigente do Movimento de População de Rua.

Direitos - O encontro também serviu para pessoas em situação de rua se orientarem sobre seus direitos, conversando com defensores públicos e outros servidores públicos.

Entre as sugestões apresentadas, houve a reivindicação de banheiros públicos na Capital e a transformação de prédios desocupados em projetos habitacionais para a população carente. A sistematização das sugestões, no entanto, só acontecerá nesta quinta (19).

Representante da Coordenação de Política Estadual para a População em Situação de Rua, Tomaz Duarte Moreira disse que os encontros anteriores, em Betim (RMBH), Uberlândia (Triângulo Mineiro) e Montes Claros (Norte de Minas), já registraram boas propostas. Uma delas é a prioridade para esse segmento populacional em creches públicas, a fim de que os pais tenham condições de procurar trabalho.